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Sergio Re­zende

Sergio Re­zende: Política com ciência

Um físico internacionalmente respeitado comanda o Ministério da Ciência e Tecnologia, sem abrir mão de sua produção teórica

Sergio AmaralRezende: “Sempre trabalhei com um fenômeno dinâmico de materiais magnéticos chamados spins. E às vezes faço teorias para explicar experiências que outros estão desenvolvendo”Sergio Amaral

O ministro Sergio Machado Re­zende, 68 anos, à frente do Ministério da Ciência e Tecnologia desde meados de 2005, assegura que é possível combinar as pesadas exigências do cargo, em Brasília, com os voos da imagi­nação aos quais lhe convoca seu gosto por formular hipóteses consistentes para a construção de teorias em física. Mergulhado na execução e gestão do Plano de Ação de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional ou nos rearranjos orçamentários determinados por um corte em torno de R$1,3 bilhão no orçamento originalmente previsto para sua pasta em 2009, por imposição da crise econômica internacional, ele não deixou, nos últimos meses, de passar nos fins de semana por sua pequena sala na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) – e lá trabalhar um pouco, prazerosamente. A propósito, ele é professor titular no Departamento de Física da UFPE.

A possibilidade de combinação entre o trabalho político-administrativo e a atividade científica está longe de ser mera força de expressão do ministro, a julgar pelos artigos de sua autoria postos em circulação recentemente por respeitados periódicos especializados. Com uma biografia que contabiliza um total de 214 artigos científicos publicados, 2.099 citações e índice H 24, números que o situam numa posição de destaque entre os mais reconhecidos físicos brasileiros, além de indicar sua influência na produção do conhecimento internacional em física dos materiais, Sergio Rezende teve um novo paper publicado em fevereiro deste ano pela Physical Review B. Em julho de 2008 figurou como um dos três autores de outro artigo que saiu na mesma publicação e logo deve figurar também como coautor num artigo já aceito pelo Journal of Applied Physics. Vale registrar que, no artigo de fevereiro, ele se aventurou pela construção de uma teoria para explicar uma nova experiência que um grupo de pesquisa alemão fizera para obter o condensado de Bose-Einstein. Em termos um tanto toscos, esse condensado, que alguns admitem chamar quinto estado da matéria, é uma situação em que, submetidas a temperaturas baixíssimas, inferiores a -273ºC, as partículas elementares atingem o menor nível de energia possível e passam a ter um comportamento unificado.

Nesta entrevista propusemos, sendo Pesquisa FAPESP uma publicação marcada pelas personagens do campo científico, que Sergio Rezende falasse de sua trajetória acadêmica, antes de se deter no trabalho de ministro. E o resultado foi que esse tranquilo e gentil carioca, com camadas pernambucanas em sua expressão, terminou se mostrando como alguém que conhece muito bem o campo da ciência e da tecnologia, no qual joga com desenvoltura em três posições: a de cientista, a de administrador e a de político.

Gostaria de começar por sua contribuição para o conhecimento na física, aqui no país, desde 1967. Indo ao início do percurso: como, depois de cursar engenharia, o senhor chegou à física, teórica e experimental, e ao interesse por magnetismo?
Fiz a graduação em engenharia eletrônica e, no curso, fui despertado para a questão de ondas eletromagnéticas. Fiquei fascinado pelo efeito dinâmico das ondas Quando fui ao exterior para o mestrado e o doutorado, eu queria fazer uma tese em engenharia e voltada para ondas.

A sua família era de engenheiros?
Não, meu pai era advogado e sempre quis que eu fosse médico. Somos três irmãos, os três foram fazer engenharia, uma irmã foi fazer matemática e a outra se tornou professora primária, de modo que em nossa casa não houve influência nem da profissão de meu pai, nem do que ele queria que fizéssemos.

E como a engenharia tocou vocês – aliás, no Rio ou em Pernambuco?
No Rio. Nasci e fui criado no Rio de Janeiro. Eu era um aluno mediano no ginásio, estudava o suficiente para passar. Mas no primeiro ano do curso científico [uma das modalidades do ensino médio na época] tive um bom professor de física e, de repente, passei a gostar de estudar. A física envolvia raciocínio lógico e, com equações, permitia construir soluções para determinados problemas – foi isso que me tocou. A partir daí passei a ser bom aluno em física, em matemática e no geral. No vestibular, fui muito bem, tanto na Faculdade Nacional de Engenharia quanto na PUC. Escolhi a PUC porque lá existia um curso de engenharia eletrônica (a Nacional só tinha engenharia eletrotécnica). E daí até o quinto ano fui o primeiro aluno da turma, tanto em engenharia eletrônica quanto em mecânica e civil – havia algumas matérias em comum entre as engenharias.

Terminada a graduação, o senhor foi direto para o mestrado?
Sim. Quando estava me preparando para sair do país, foi anunciada a criação do curso na Coppe [Coordenação dos Programas de Pós-graduação em Engenharia]. Mas a essa altura eu já fora aceito no MIT [Massachusetts Institute of Technology] e mantive o projeto. Tinha conseguido uma bolsa da Fulbright, um desafio enorme… O meu boletim facilitou para chegar ao MIT, porque dizia que eu era o melhor aluno dos 120 da faculdade. Além disso, um professor meu que tinha feito o doutorado lá me deu uma boa carta de recomendação. E de fato foi por ter sido aceito no MIT que ganhei a bolsa da Fulbright, que dava uma por ano para as áreas de engenharia e de economia no Brasil.

Quanto tempo o senhor ficou por lá?
Fiz o mestrado e, quando os dez meses de prazo da bolsa estavam terminando, quis ficar para o doutorado. Eu faria 25 anos em outubro. O mestrado foi em engenharia eletrônica, mas eu tive que cursar algumas matérias na graduação da física, algumas para crédito e outras como ouvinte, porque eu queria aumentar minha base na disciplina. Arrumei um orientador para meu doutorado já na área de ondas em ferrites, um material magnético muito utilizado para micro–ondas. Havia a engenharia e também a física aplicada aos ferrites e metade das minhas matérias foi na física e metade na engenharia. Não tenho diploma algum em física, só em engenharia. Quando voltei ao Brasil, no final de 1967, fui para o departamento de física da PUC do Rio de Janeiro, um departamento novo e promissor em várias áreas.

O senhor trazia do MIT algo novo para agregar ao departamento.
Fui convidado para a física porque estava na fronteira entre a engenharia de materiais e a física, e não tinha essa área em nenhum departamento de engenharia no Brasil. Aí, aconteceu o seguinte: os laboratórios de física eram limitados, tinha um acelerador Van de Graaff na física nuclear, um espectrômetro tipo “caixa preta” na área de estado sólido, e durante dois anos eu não tinha nenhum equipamento para trabalhar. Então comecei a trabalhar com Nicim Zagury em teoria para explicar problemas que tinham ficado inexplicados para mim. A minha tese teve uma parte teórica e outra experimental…

Como resumir os achados de sua tese de doutorado?
Trabalhei na tese, e trabalho até agora, com fenômenos dinâmicos e materiais magnéticos. Eles têm, atomicamente, momentos magnéticos chamados spins, que têm uma dinâmica. Em alguns materiais essa dinâmica ocorre na frequência de micro-ondas, por isso juntei as micro-ondas com os ferrites. Tive um orientador que era teórico, ele tinha ideias e colocava o estudante para “quebrar a cara” e fazer, porque ele mesmo não tinha esse lado experimental, e alguns colegas meus sofreram muito por não conseguirem fazer o que ele tinha proposto. Eu consegui, porque o que ele me propôs era viável. Novamente tive sorte, mas ao mesmo tempo trabalho e uma certa facilidade nessa área.

E o que ele lhe propusera teoricamente?
Propôs o seguinte: você joga uma onda de spin no material, os ferrites, e, enquanto ela está se propagando lá dentro, você joga um pulso de campo magnético que muda a frequência dela. Ou seja, eu consegui fazer uma conversão de frequência da onda enquanto ela estava se propagando. Então fiz uma parte da teo­ria, estendendo a teoria que ele já tinha feito. Mas, como disse, quando cheguei na PUC tinha muitas dúvidas sobre a física quântica que eu tinha feito, que é uma física baseada em equações clássicas. Com o professor Zagury aprendi coisas mais sofisticadas e desenvolvi esse gosto por fazer experiências e ter a explicação teórica para a experiência. Assim conduzi toda minha vida científica. São raros os meus trabalhos de teoria que não têm uma experiência correspondente. De vez em quando faço teorias para explicar uma experiência que alguém fez. No meio do ano passado me chamaram a atenção para um artigo publicado, ainda na área de spin, mas envolvendo a condensação de Bose-Einstein. Era uma ex­­periência de um grupo na Alemanha com ondas de spin excitadas com micro–ondas e não havia teoria para isso. Foi aí que me envolvi, tive dois trabalhos aceitos e já fui convidado a uma conferência internacional para falar sobre isso.

Qual a sua proposta teórica para a experiência?
Eu não vou conseguir explicar aqui, mas tenho uma teoria detalhada que mostra que tem realmente condensação de Bose-Einstein no experimento e, além disso, consigo botar uma curva teórica em cima dos pontos experimentais de três outros trabalhos deles. O grupo é formado por pesquisadores da Universidade de Münster, a principal nesse estudo, e da Universidade de Kaiserslautern. Mas há vários outros trabalhando nisso e, ainda no ano passado, saiu um estudo teórico no Canadá sobre trabalhos diversos que demonstram ter feito a condensação de Bose-Eistein. A minha teoria passou por um crivo pesado na Physical Review. Saiu um primeiro artigo em fevereiro e deve sair um segundo dentro de dois meses.

Como um cientista entusiasmado consegue se dedicar às atividades político-administrativas da ciência e da tecnologia? Isso começou nos anos 1980?
Na verdade, antes, desde que eu fui para a PUC. Em dois ou três anos já não estava satisfeito com as condições ali. Bem, eu tinha sido colega de José Rip­per Filho e de Nelson de Jesus Parada no MIT. Nesse tempo conheci Sérgio Porto e Rogério Cezar de Cerqueira Leite, que eram do Bell Labs. Toda essa turma estava indo construir a física da Unicamp e queria que eu fosse. Só que tive dois alunos pernambucanos no mestrado, que tinham saído do estado junto com outros três amigos que foram para a USP. A intenção de todos era voltar para Recife e criar um grupo de pesquisa em física – isso em 1969, 1970. Eles conheceram Sérgio Mascarenhas, que era membro do conselho deliberativo do CNPq, e ele lhes deu o maior apoio para essa ideia, disse que o CNPq apoiaria financeiramente, desde que arranjassem um jovem doutor para ir junto. Aí eles vieram falar e eu achei a ideia muito louca. Mas depois de pensar um tempo, e com um forte estímulo de Mascarenhas, terminei aceitando.

Sérgio Mascarenhas era um completo visionário!
Ele me disse que eu era um líder nato, insistiu… mobilizou o CNPq para dar apoio… terminei dizendo vou, fico três anos, depois volto para a PUC ou a Unicamp. Mas no meio do caminho ainda passei na Unicamp, mudei para Campinas em julho de 1971 com a família – já tinha três filhas –, convivi com o reitor Zeferino Vaz, com todo o pessoal da física, montei casa e desmontei tudo seis meses depois. Fui para Recife. Tive de organizar um grupo, pois os jovens mestrandos já eram mestres e precisavam fazer doutorado. Passei a procurar outros doutores para orientarmos aqueles jovens doutorandos. Mascarenhas já havia contatado algumas pessoas que, segundo ele, poderiam ajudar, e, com a verba do CNPq, bastante flexível, fui aos Estados Unidos, percorri vários lugares, fiz a mesma coisa na Europa e só consegui levar um recém-­doutor brasileiro. Então tive que arranjar ideias para cinco teses de doutorado. Mas o grupo era muito bom e eles faziam o que eu propunha. Depois inauguramos um departamento, começamos a ir atrás de recursos para montar laboratórios, foi aí que me aproximei do BNDES, da Finep, comecei a ter contato com financiadores… E aí o departamento virou um departamento de verdade, com prédio novo no final dos anos 70, grande apoio da Finep, dinheiro do BID. Em torno do departamento de física formou-se um centro de ciências exatas, com a matemática, que já existia, e foram criados os departamentos de informática e química. Isso resume como comecei a me envolver na gestão interna da universidade e fiquei por 15 anos.

O senhor continua na UFPE.
Estou lá quase toda semana, ainda tenho um aluno de doutorado que feliz ou infelizmente está terminando a tese, porque vou ficar sem nenhum. De todo modo, escrevo artigos científicos com o nome do departamento de física e tenho um lugar para estar em janeiro de 2011: meu gabinete, uma sala de 2,5 por 3,5 metros, pequenininha, com tudo amontoado, mas que é o lugar para onde vou nos finais de semana quando estou lá. Aquele é o meu lugar.

Mas para além da universidade, quando começou seu envolvimento com a política do estado de Pernambuco?
Nesse processo do departamento de física, me envolvi com a política universitária. Fui membro do Conselho Universitário várias vezes, fui fundador da Associação dos Docentes no final dos anos 1970, ainda no regime militar, o que era perigoso, aí participei do movimento da anistia e em 1985 entrei na campanha de Miguel Arraes para governador. Não tinha filiação partidária, apenas uma visão de esquerda, desde que era professor na PUC ali por 1968, a ideia de que as coisas não podiam continuar como estavam etc. Quando nosso departamento já tinha uma projeção em Recife, Tania Bacelar, economista conhecida, que era uma das coordenadoras do programa de Arraes, me convidou para formar um grupo que deveria apresentar propostas de ciência e tecnologia para o governo dele em 1986. E quando Arraes foi eleito quiseram me levar para o governo, como diretor do Centro de Tecnologia. Mas eu não quis sair da universidade, porque tanto o departamento quanto o Centro de Ciências Exatas ainda estavam num processo de construção. Quando veio a Constituinte estadual, em 1989, me envolvi para convencer os constituintes e o governador a botarem na Constituição a criação da Facepe, a Fundação de Amparo à Ciência e a Tecnologia do Estado de Pernambuco e tive um breve contato com Arraes. Eu pedi audiência e, como descobri anos depois, o chefe de gabinete era o neto dele, Eduar­do Campos, um jovem de 20 e poucos anos, muito inteligente e ativo. O governador deu apoio, a fundação foi criada, e aí em 1990 terminei sendo escolhido para diretor científico. Foi quando coloquei um pé fora da universidade: ficava na Facepe pela manhã e à tarde ia para a UFPE.

Vocês conseguiram incluir na nova Constituição o artigo referente à destinação de 1% das receitas tributárias do estado para financiar a pesquisa via Facepe, em moldes semelhantes à FAPESP?
Conseguimos, e no primeiro mês o governador Carlos Wilson – porque Arraes renunciara para ser candidato a deputado – soltou o equivalente a US$ 1 milhão. Era muito dinheiro na época. O percentual foi seguido durante três meses, porque fizemos um programa com bolsas e auxílios com muita inovação, como a bolsa integração, destinada ao aluno do interior que ia estudar na capital e retornava depois.

Mas por que o preceito constitucional foi observado só por três meses?
Em três meses liberou-se o equivalente a US$ 3 milhões e aí entalou… em Pernambuco isso era muito dinheiro e o governador viu que o dinheiro estava na conta e não era usado. Aí o governo seguinte realmente botou a Facepe lá em baixo. Voltei a ter tempo integral na universidade. Arraes foi eleito novamente em 1995 e me convidou para ser secretário de Ciência e Tecnologia tendo eu tido só três contatos na vida com ele. O segundo foi no lançamento dos programas da Facepe, quando fiz uma exposição sobre eles. Arraes estava na plateia e logo depois da exposição falei do exemplo que a classe política de Pernambuco tinha dado, criando a primeira fundação de pesquisa do Nordeste e disse que queria que eles entendessem que o funcionamento da Facepe seria diferente, que as bolsas iam ser julgadas por mérito, e que era importante que não mandassem bilhetinhos pedindo bolsa. Ao terminar a reunião, Arraes me cumprimentou e disse: “Muito bem, pode deixar que eu nunca vou lhe pedir uma bolsa”. Tomei um susto… Dois anos depois, eu estava na fila do aeroporto para viajar de Brasília a Recife, o vi e me aproximei para me apresentar. Ele me disse: “Já o conheço, e eu não lhe disse que nunca ia lhe pedir uma bolsa? Nunca pedi”. O contato seguinte foi ele me convidando para ser secretário. E eu passei a ter uma enorme admiração por essa pessoa pouco conhecida no Brasil, mas que tinha uma visão da questão de ciência e da tecnologia que poucos têm. Foi aí que me envolvi mais com a política. Um ano depois entrei para o PSB por causa de Miguel Arraes. Fizemos muitas inovações, belos programas, inclusive programa de difusão tecnológica para a população. Isso foi de 1995 a 1998. Candidato à reeleição, Arraes perdeu feio e o governo seguinte desfez tudo que tínhamos feito. A Facepe afundou novamente. Havíamos criado um parque tecnológico de eletroeletrônica, o Parqtel, que foi colocado de lado e criou-se o Porto Digital. Foi importante, mas não precisavam acabar com o Parqtel. Vários programas que fizemos foram completamente desmontados. E aí, quando Lula foi eleito, eu já tinha tido contato com ele, porque ajudei a fazer a proposta de ciência e tecnologia do programa na eleição de 1994. Na eleição de 1998, ele foi convidado para ir à SBPC em Natal. Eu recebi um telefonema de Marco Aurélio Garcia [hoje assessor especial da Presidência da República e, na época, coordenador da campanha] dizendo que Lula precisava de gente para acompanhá-lo e de uma proposta para C&T. Mandei algumas propostas que entraram no programa e fui a Natal. Em 2000 fui convidado por Tarso Genro para uma reunião com Lula e outros dirigentes em que seria discutida uma proposta de ciência e tecnologia para a campanha de 2002. O fato é que, quando Lula foi eleito em 2002, acabei presidente da Finep.

E exatamente em sua passagem pela Finep, qual foi seu foco para tornar a agência mais rápida, mais funcional?
Eu tinha algumas preocupações. Uma delas era com o fato de a Finep ter tido um papel muito importante por 20 anos e estar então se enfraquecendo, porque o FNDCT [Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] fora quase extinto com a criação dos fundos setoriais. Ora, sendo apenas setoriais, eles não me permitiam fazer uma política mais abrangente. Tinham dois fundos transversais, o de Infraestrutura e o Fundo Verde-Amarelo, mas eram específicos. Um era somente para Infraestrutura e para universidade pública e o Verde-Amarelo para interação universidade-empresa. São transversais, mas não permitem fazer uma política mais abrangente. Começamos a trabalhar na Finep na direção do que chamava ações transversais, usando recursos de vários fundos. Minha preocupação foi ter uma boa articulação com o ministério e isso foi fácil, porque o secretário executivo era Vanderlei de Souza, depois, com o ministro Eduardo Campos, entrou Luis Fernandes, e a interação MCT-Finep continuou muito boa. Trabalhei muito para simplificar os procedimentos técnicos e jurídicos da Finep. Mas ela ainda é meio lenta em algumas ações, e esse é um processo que não se resolve de uma hora para outra.

Foi na Finep sua primeira experiência com uma instituição cujo foco não estava na construção do conhecimento científico, mas em inovação tecnológica?
Na verdade fiz só um pouquinho disso na Facepe. Quando entrei lá, a FAPESP estava começando a criar os programas de apoio à inovação tecnológica e nós tentamos fazer o mesmo: criamos o Programa de Apoio ao Pesquisador em Empresa. No governo do estado fiz muito mais, mas era em âmbito local. Na Finep passei a enfrentar esse desafio, digamos, em âmbito nacional. Eu já me preocupava com a questão da inovação nas empresas, da interação universidade–empresa, e o desafio era como fazer isso em programas nacionais.

A sua visão do modelo nacional de ciên­cia e tecnologia envolve a permanência da Finep no lugar que ela ocupa ou tem que se mudar algo aí?
Acho que o modelo hoje tem uma boa configuração, com o CNPq, que financia basicamente a academia, com instrumentos de vários níveis: indiví­duos, núcleos de pesquisa, agora institutos nacionais, enfim, financia a cadeia toda de conhecimento. Tem alguns programas voltados para a transferência de tecnologia, mas o grosso é geração de conhecimento. Já a Finep financia instituições da área acadêmica, institutos de pesquisa, centros de pesquisa, e financia a empresa e a interface. A configuração é boa e nosso objetivo aqui tem sido o de procurar consolidar esses dois papéis, tanto com mais recursos como sistematizando os instrumentos.

Quando o senhor saiu da Finep para o ministério, na verdade existia um plano para a área de cuja formulação o senhor mesmo participara. Como ficou a relação entre a teoria e a prática?
Essa política ganhou consistência quando Eduardo Campos assumiu. Ele não era da área e fez algo muito importante: chamou as várias partes do ministério, as agências, e ficamos todos internados em Brasília durante três dias numa atividade de planejamento estratégico. Discutíamos, “e a nossa política, tem o quê, então?”, “ela tem quatro eixos, com tais características…”. Fez-se assim um ordenamento do que havia e um planejamento para os anos seguintes. Daí, quando vim para ficar um ano e meio no ministério, minha ideia era consolidar o que Eduardo Campos fizera. Ele havia atirado em muitas direções, fez a construção da política e eu achava a consolidação importante, principalmente em documentos. Por isso no final de 2006 fizemos um relatório para o público em geral cobrindo os quatro anos de atividade, sem preocupação com o fato de terem passado pelo ministério três ministros. Iniciado o segundo mandato, e eu continuei no ministério, pensei o seguinte: temos uma política, mas precisamos de um plano mais detalhado para quatro anos. E desde o começo de 2007 começamos a trabalhar nesse plano, que é materialização mais concreta das ideias da política. O que ele tem de diferente é que é abrangente, com muitas ações que têm foco, objetivo, meta, recursos. Portanto, se antes algumas ações não estavam definidas com clareza, por exemplo, os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, tornamos tais ações claras. Sabia-se que era necessário aperfeiçoar os mecanismos dos Institutos do Milênio, então fomos discutindo, definimos com mais detalhes, nomeamos etc. E fundamental é que se foi dando uma sistematização aos programas do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia.

No final do mandato de Fernando Henrique Cardoso, a percepção da comunidade científica era de que o ministro Ronaldo Sardenberg abrira e consolidara algumas iniciativas fundamentais para a expansão do sistema brasileiro de ciência e tecnologia. Os fundos setoriais e a discussão proposta pela Segunda Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia seriam exemplos nesse sentido. Na verdade o governo Lula não deu simplesmente sequência a algumas dessas iniciativas?
Sim, demos, desde o primeiro ano do governo Lula. Houve uma crise no sistema federal na segunda metade dos anos 1990: os recursos escassearam, os instrumentos foram interrompidos, o número de bolsas caiu, então a gestão de Sardenberg, com o secretário Américo Pacheco, fez algumas coisas muito importantes. Uma delas foi criar os fundos setoriais, que dão uma sustentação orçamentária necessária para se ter qualquer programa de ciência e tecnologia. Também fizeram ações importantes voltadas para a inovação e a interação universidade-empresa. A conferência foi importante, fez um balanço do que foi feito e deixou como resultado o Livro Branco da Ciência e Tecnologia. Esse livro, que li muitas vezes e usei muito, tem os elementos de uma política, mas não tem uma política explícita. O livro foi muito importante e nós não mudamos os nomes dos programas criados na gestão Sardenberg. Até recentemente, os Institutos do Milênio mantinham o nome. O Pronex, que estamos revigorando, foi criado em 1997. Portanto, procuramos ampliar muito os recursos e consolidar programas nos quatro eixos de ação. E com exceção do quarto, ciência e tecnologia para o desenvolvimento social, uma novidade do governo Lula, todos já estavam na política de Sardenberg, embora não explicitados da mesma forma. Como passamos por uma crise, digo sempre nas minhas apresentações que estamos numa fase de transição, que começou com a criação dos fundos setoriais e se completou, em 2006, com a conclusão de uma política, e estamos realmente na fase de consolidação do sistema brasileiro de ciência e tecnologia.

Mas com uma nova crise econômica internacional perturbando planos, metas, propósitos etc…
Perturba um pouco, mas não perturba o que está sendo feito.

Entretanto, um corte de R$ 1,3 bilhão no orçamento é dramático.
Mas é um corte em relação a um projeto de lei, pelo qual teríamos em 2009 um aumento de 25% no orçamento do ministério, algo fabuloso. Com o corte, voltamos ao orçamento de 2008, e todos os programas iniciados têm os recursos garantidos.

Uma das críticas feitas ao governo Lula na área de C&T é a reiteração nos discursos de um número mágico, “estamos aplicando R$ 41 bilhões em quatro anos”. Quem tem intimidade com a política da área diz que isso significa R$ 10 bilhões por ano, valor esperado dentro da evolução orçamentária.
Os críticos dizem que nunca passamos da aplicação de 1% do PIB, mas hoje há um consenso de que estamos em 1,1%. E o plano para ciência e tecnologia tem R$ 41 bilhões, o que significa algo nunca tido antes. Isso permitiu a projeção de uma aplicação de 1,5% do PIB em 2010, somando-se investimentos do governo federal, dos governos estaduais e do setor empresarial. Hoje acho difícil atingir essa pontuação, mas acredito que conseguiremos chegar a 1,4%.

Não é uma visão muito otimista?
Talvez, sempre fui muito otimista. Mas penso que essa crise já passou pelo fundo do poço. Li em uma reportagem que a produção de veículos em março superou marcas históricas. Como alguém acreditaria nisso em dezembro de 2008? Então estou confiante de que ultrapassaremos logo a crise.

Qual a sua visão do mix que temos entre recursos para pesquisa em ciência e pesquisa tecnológica? E a participação das empresas privadas no montante de investimento lhe parece satisfatório?
É preciso crescer mais na área de inovação tecnológica, mas acredito muito na capacidade de indução do governo federal. Fizemos parcerias com 19 governos estaduais, propondo-lhes que botassem contrapartida ao que investimos, e há um claro crescimento da participação deles. Em relação ao setor empresarial, ainda não temos números claros, mas logo teremos por via dos investimentos estimulados pela “lei do bem”.

Mas essa lei ainda é muito pouco usada.
Sim, mas só tivemos a contabilização de dois anos. Em 2006, o investimento das empresas foi de R$ 1,5 bilhão e em 2007 foram R$ 4,5 bilhões, três vezes mais. E 2008 não fechou ainda. Todo esse processo no meio empresarial é gradual, porque envolve mudança de cultura. O que faz um empresário realmente acreditar que consegue inovar e faturar com isso é o exemplo de um outro. Acredito no poder de indução porque tem a lei do bem, a subvenção econômica, tem vários mecanismos estimuladores do setor empresarial.

Quais são os próximos passos do planejamento de C&T?
Estamos começando a pensar na Conferência de Ciência e Tecnologia que vamos fazer em maio de 2010. E é importante que ela, além do balanço do que foi feito nos últimos anos, projete para os anos seguintes outro plano de ação, mais ambicioso. Penso que dificilmente teremos eixos diferentes destes quatro: expansão e consolidação do sistema com formação de recursos humanos, inovação nas empresas, pesquisa em áreas estratégicas e ciência e tecnologia voltados para o desenvolvimento social. Mas certamente teremos mais instrumentos, novas áreas estratégicas, enfim essa é uma questão para se discutir com a academia e os empresários.

Não lhe preocupa, dentro disso, o envelhecimento e as perdas no padrão de qualidade do ensino universitário brasileiro?
Preocupa, sim. Acredito que a universidade brasileira precisa repensar toda a sua forma de gestão. A fase da eleição direta para tudo e para todos foi muito importante porque vivemos 20 anos de autoritarismo, em que as coisas eram escolhidas por poucos. Mas eleição direta não é a melhor forma de escolher as melhores pessoas para um sistema que naturalmente deve ser hierarquizado e baseado em mérito.

Qual a sua expectativa em relação aos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, que terminaram em número muito maior [123] do que os planos iniciais?
Sim, são em número maior, mas tenho bastante confiança na qualidade de todos. Os convênios que foram assinados são contratos de cinco anos, com recursos garantidos a priori por três anos.

Não lhe parece que o governo do estado de São Paulo tem, na verdade, ajudado a consolidar algumas políticas fundamentais do ministério, como a dos Institutos de Ciência e Tecnologia?
Sim, a cooperação foi fundamental e se trata de uma operação diretamente com a FAPESP, com seu diretor científico, Carlos Henrique de Brito Cruz e com o secretário de Ensino Superior, Carlos Vogt, ambos meus amigos pessoais. Uma operação também com o secretário Alberto Goldman [o secretário do Desenvolvimento, depois substituído por Geraldo Alckmin]. A interação que tive com o secretário Gold­man em relação ao Ipen e ao IPT foi muito boa e vamos tratar com o secretário Geraldo Alckmin da continuidade dessa prática. Ou seja, a despeito da divergência de caráter político-eleitoral, o presidente Lula tem uma interação boa com o governador José Serra, e nós com os secretários, o que tem reflexos muito importantes para São Paulo e para o país.

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