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Física

Trajetos ao acaso

Físicos descrevem percursos aleatórios da luz e de animais

Um complexo aparato com pequenas caixas de vidro e uma câmera supersensível permitiu a pesquisadores franceses – dos quais uma radicada na Paraíba – descreverem o comportamento da luz em condições muito especiais. Quando um fóton, a partícula da luz, se choca contra um átomo de rubídio – e depois outro, e outro em seguida –, ele se desloca por distâncias que seguem um padrão conhecido como voo de Lévy. O resultado, publicado no final de maio no site da revista Nature Physics, é a primeira descrição estatística desse fenômeno físico com base em observações experimentais e pode ajudar a prever a propagação de fótons em certas situações.

“Muitos pesquisadores têm procurado eventos naturais que sigam voos de Lévy”, conta a física Martine Chevrollier, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). São movimentos aleatórios que se caracterizam por uma série de passos pequenos entremeados por raros deslocamentos longos. É exatamente o que acontece no experimento em que fótons são lançados em um vapor atômico a 47 graus Celsius, cujos átomos de rubídio flutuam uns distantes dos outros. Com essa densidade baixa, os fótons esbarram em um único átomo a cada vez e os pesquisadores podem medir detalhadamente essas interações.

O trabalho da francesa radicada na Paraíba mostra uma interação nesses encontros em que um átomo absorve um fóton e o reemite em outra direção, como um jogador que recebe uma bola e a chuta para outro lado. Mas a interação entre fótons e átomos tem uma particularidade importante: se a frequência de vibração for parecida entre as duas partículas, o que acontece na maior parte das vezes, o fóton é lançado a uma curta distância, 5 milímetros em média. “Há, porém, uma probabilidade muito pequena de a frequência do átomo estar muito longe da do fóton”, diz Martine. Quando isso acontece, o fóton é reemitido com uma frequência diferente da que tinha antes, num efeito conhecido como Doppler, e por isso chega a percorrer distâncias muito maiores, de até 50 milímetros. No entanto, essa mudança de frequência só acontece a uma temperatura muito baixa, só obtida em  laboratório.

Já se imaginava, teoricamente, que isso pudesse acontecer. “O difícil é observar”, conta a pesquisadora. Ela tentou fazer o experimento em seu laboratório, sem sucesso. Era preciso controlar com precisão as condições para fotografar com uma câmera supersensível a trajetória dos fótons e a distância percorrida por cada um deles. Por isso a parte experimental acabou sendo feita na Universidade de Nice, na França. Martine participou do trabalho na fase de cálculos e análise dos resultados. “As condições especiais das experiências que realizamos eram apenas impostas pela técnica concebida para medir os passos individuais dos fótons”, explica a física. Mas o voo de Lévy é bem comum em fenômenos que envolvem espalhamento de luz e acontece, por exemplo, em estrelas, em lâmpadas fluorescentes e em parte dos raios solares que se propagam na atmosfera e no mar.

Mundo animal
O voo de Lévy também descreve com precisão alguns fenômenos ecológicos, explica o físico Marcos da Luz, da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Até um tempo atrás, acreditava-se que tudo seguia distribuições normais, em que eventos médios são muito comuns e os muito pequenos ou muito grandes são raros. Recentemente, porém, dados convincentes indicam que muitos animais – como chacais, abelhas, pinguins e outros – seguem voos de Lévy. Junto com seus colaboradores Gandhi Mohan Viswanathan, da Universidade Federal de Alagoas, e Ernesto Raposo, da Universidade Federal de Pernambuco, o físico da UFPR tem usado os voos de Lévy para entender como esses animais procuram alimento.

O voo de Lévy é vantajoso, por exemplo, quando uma fonte de alimento está distribuída de maneira esparsa e aleatória. A estratégia mais proveitosa para um animal em busca de uma refeição é, nesses casos, fazer pequenos movimentos por um tempo para vasculhar os arredores. Se não encontrar nada, é melhor ir para uma zona distante, onde a probabilidade de encontrar alimento talvez seja maior. Várias pesquisas mostraram que esse padrão é bem comum na natureza, como discute a revisão publicada em 2008 na Physics of Life Reviews por Viswanathan, Raposo e Luz. Eles mostram que um espectro variado de animais, de amebas a baleias, parece adotar voos de Lévy em seus deslocamentos.

Em uma colaboração constante, o trio de físicos do Paraná, de Alagoas e de Pernambuco agora trabalha em análises detalhadas para formalizar a teoria dos voos de Lévy em um contexto matemático rigoroso. Com isso, eles esperam descrever em fórmulas matemáticas não só o que acontece nos movimentos individuais, as situações observadas com mais frequência até agora, mas também nos procedimentos coletivos de busca, como bandos de macacos que seguem regras internas para coordenar os percursos de maneira a aumentar as chances de encontrar alimento. Para fomentar a discussão científica em torno do tema, os três pesquisadores estão organizando uma edição especial da revista Journal of Physics A, com artigos de revisão e trabalhos originais sobre movimentos de buscas aleatórias, que deverá ser publicada por volta de outubro deste ano.

Artigos científicos
MERCADIER, N. et al. Lévy flights of photons in hot atomic vapours. Nature Physics. 2009.
VISWANATHAN, G.M. et al. Lévy flights and superdiffusion in the context of biological encounters and random searches. Physics of Life Reviews. v. 5, n. 3, p. 133-150. set. 2008.

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