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Carta da Editora | 162

Convivência não saudável, mas inevitável

Na experiência já razoavelmente longa de Pesquisa FAPESP, que completará 10 anos no começo de outubro – tempo ao qual se pode adicionar, claro, para a inteireza da história da revista, os 4 anos da infância que o boletim Notícias FAPESP representa, apenas uma capa foi dedicada a estudos do câncer. Além de ser um tema de tratamento visual difícil, as notícias referentes a avanços terapêuticos são em geral restritas a algumas manifestações da doença, sem peso para justificar uma reportagem de fôlego. E aquelas relativas ao maior conhecimento científico do câncer, com frequência recheadas de dados novos e estatísticas cada vez mais precisas sobre as probabilidades de grande parte das pessoas desenvolverem uma das formas da moléstia, em algum momento da vida, trazem uma carga dramática que dificulta imensamente reservar-lhes uma capa simultaneamente sóbria e atraente.

Assim, a reportagem de capa desta edição, elaborada pelo editor especial Carlos Fioravanti, pode ser tomada como uma exceção a essa regra geral. Ela aborda uma nova visão sobre o câncer, evidenciada por estudos recentes – alguns feitos no Brasil ou com colaboração de brasileiros, segundo a qual talvez seja possível controlar o crescimento dos tumores e aprender a conviver com eles, em vez de tomar o câncer como uma ameaça de morte que exige extirpação imediata via cirurgias radicais ou tratamentos extremamente agressivos. As bases dessa visão fundam-se na análise da interação entre células do tumor e os tecidos saudáveis a seu redor e no teste de várias estratégias novas para deter o avanço das células malignas, em paralelo aos tradicionais tratamentos por quimioterápicos e fontes de radiação. A reportagem principal é complementada por duas outras: uma apresenta uma estratégia pioneira do Brasil no tratamento do câncer colorretal. Pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), acompanhando casos da doença por mais de uma década, tiveram a ideia de esperar um pouco mais antes de fazer uma cirurgia que era considerada inevitável. Resultado? Em 25% dos casos tem se tornado possível adiar ou mesmo evitar a operação, porque os efeitos da quimioterapia e da radioterapia eliminam completamente o tumor. O outro texto trata do desenvolvimento de sementes e fios radioativos para tratamento do câncer de próstata aqui no país.

Na seção de tecnologia vale destacar os estudos e as soluções apontadas até aqui para combater o greening, uma doença identificada em 2004 que ataca 18% dos pomares paulistas e já levou à erradicação de 4 milhões de árvores. A reportagem assinada pelo editor Marcos de Oliveira mostra que, graças à competência da pesquisa brasileira em citricultura, testada muitas vezes no combate a pragas dos laranjais, como a tristeza dos citros, o amarelinho e o cancro cítrico, e fortalecida em projetos pioneiros como o do genoma da X.fastidiosa, os pesquisadores conseguiram desenvolver testes moleculares para identificar as plantas doentes e estabelecer formas de controle.

Indispensável também nesta edição é a leitura da reportagem assinada pelo editor de política científica e tecnológica, Fabrício Marques, sobre um estudo que examina a relação entre a competência dos pesquisadores brasileiros na escrita do idioma da ciência, o inglês, e sua produtividade científica, medida em artigos publicados em revistas indexadas internacionalmente. Os que podem exibir uma elevada proficiência no inglês escrito, de acordo com essa pesquisa, também têm uma maior produção científica. Ora, como o domínio do inglês tornou-se simplesmente uma questão de sobrevivência no ambiente acadêmico, seja pela necessidade de publicar em revistas de repercussão, seja pelo trabalho em redes internacionais, essencial agora é que o país encontre meios efetivos para reforçar a formação linguística dos estudantes de pós-graduação, observa o estudo.

Para completar, destaco nesta edição a entrevista do virologista Edison Durigon, professor da USP, sobre o A H1N1 e outros vírus que atacam o sistema respiratório. Vale a pena ler o que ele diz sobre os vírus influenza, sua evolução e suas mutações desde a gripe espanhola de 1918, a primeira epidemia da doença efetivamente documentada, e a tal ponto que permitiu desde então aos cientistas procurar entender mais e mais a relação bem pouco saudável entre seres humanos e vírus.

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