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Resenhas

Eternamente a discutir a relação

Brasil e Estados Unidos continuam não se entendendo, apesar do sucesso efêmero obtido por Kissinger e Silveira

Seja intermediando rixas entre Chávez e o presidente americano do momento ou mesmo se esforçando em reconduzir líderes depostos ao poder, influindo diretamente na política externa de vizinhos, a diplomacia brasileira dos últimos anos parece cada vez mais aferrada ao espírito ativista do passado, quando os Estados Unidos eram vistos sempre como um obstáculo, e não como um parceiro. “Chegamos ao século XXI sem uma fórmula satisfatória para conduzir negócios com a maior potência do planeta e, apesar das ambições brasileiras de ter status especial no tratamento dado pelos EUA às nações, o argumento de que temos algo diferente a contribuir para a sociedade internacional nunca é decifrado com clareza”, afirma Matias Spektor, professor de relações internacionais da Escola Superior de Ciências Sociais/CPDOC, autor do estudo, recém-lançado pela editora Zahar, Kissinger e o Brasil, fruto de sua tese de doutorado defendida em 2007 na Universidade de Oxford, Inglaterra.

Segundo Spektor, apesar dessa constante assimetria da relação entre os dois países, mais pautada pela barganha do que por uma relação séria, EUA e Brasil experimentaram uma curta e virginal “lua de mel” entre 1969, com a indicação de Henry Kissinger como conselheiro de segurança nacional da administração Nixon, e 1983, quando o diplomata brasileiro Azeredo da Silveira (1917-1990) deixou o cargo de embaixador brasileiro em Washington, após cinco anos como ministro das Relações Exteriores do governo Geisel, entre 1974 e 1979. Quem, sem querer, uniu os dois representantes de seus países foi Nixon, que em 1971 afirmou que o “Brasil é a chave do futuro”. “Ele foi um dos primeiros presidentes a adotar a nova visão global pregada por Kissinger, que defendia a necessidade de os EUA manterem relações especiais com poderes-chave regionais.” Após décadas em que as “amizades” entre Estados eram resolvidas pela América através da coerção, o conselheiro de segurança defendia o conceito de “devolução”, para ele uma forma de hegemonia “benigna”: era preciso devolver poder e responsabilidade para um grupo de nações regionais confiáveis, para que os EUA, envolvidos em conflitos do outro lado do mundo, pudessem dormir tranquilos com “amigos” controlando a situação dos vizinhos. Para o pesquisador, Kissinger sabia ser melhor abrir mão de alguns dedinhos do poder para não perder outros anéis além daqueles dos charutos cubanos. Isso significava uma intensa dose de boa vontade do conselheiro para ganhar apoio desses “parceiros”, lançando mão da retórica da igualdade e do respeito. “Daí a atenção inusitada que se deu ao Brasil. Tanto fazia se esses governos não fossem democráticos. Pelo contrário: Nixon e Kissinger viam ditaduras como aliados melhores, pois, pensavam, democracias eram sujeitas às mudanças da opinião pública.” Ainda assim não foi fácil encontrar um governo brasileiro na medida: quando visitou Nixon na Casa Branca, o general Médici, por exemplo, pareceu mais interessado em posar ao lado do presidente americano para uma foto do que discutir política mundial. Geisel e Silveira vieram para salvar Kissinger.

“Foi um momento histórico. Nunca antes as duplas, americanas e brasileiras, coordenaram tão estreitamente suas políticas externas e nunca antes seus diplomatas observaram-se tão mutuamente para acertar o passo.” Havia, porém, problemas. Azeredo, em sintonia com Geisel, defendia com firmeza a soberania nacional e acreditava piamente que o destino brasileiro era entrar, com justeza, no clube seleto dos Estados influentes do planeta. Os EUA, é claro, não estavam dispostos a ir tão longe. Mas o mais grave era justamente a virtude do novo acerto: a sintonia Kissinger e Silveira. “Tudo ficou muito centralizado nas figuras dos dois, ou seja, a aproximação se dava a despeito da burocracia diplomática dos países, e não em função dela. Relações pessoais não sustentam relações entre Estados.” Saindo um dos jogadores, o time se dispersaria, como aconteceu, mesmo Kissinger tendo aceitado, por um bom tempo, “estripulias” nacionais como o acordo nuclear com a Alemanha.  “O gap entre as manifestações oficiais e a realidade das relações bilaterais permanece grande. A noção atual de autonomia, com ênfase no desenvolvimento doméstico, permanece, hoje, como há 30 anos.”

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