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Engenharia aeroespacial

Olhar brasileiro

Nova câmera de monitoramento feita pela Opto para o Cbers-3 será testada na China

EDUARDO CESARIntegrada ao satélite sino-brasileiro de recursos terrestres, a 800 quilômetros de altitude, uma câmera inteiramente desenvolvida e fabricada no Brasil pela empresa Opto Eletrônica, de São Carlos, no interior paulista, vai produzir registros de desmatamentos, da expansão urbana e da agropecuária do solo brasileiro e de outros países, entre outras aplicações, a partir de 2011, data prevista para o lançamento do Cbers-3. No dia 21 de julho, a segunda versão da câmera foi entregue ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) para ser encaminhada à China, onde passará por vários ensaios do chamado teste de qualificação. A primeira versão, que ficou pronta em dezembro de 2007 e foi enviada em junho de 2008 para a China, teve que ser totalmente redesenhada depois que os Estados Unidos e outros países fizeram restrições à importação de vários componentes utilizados para a construção do equipamento. O obstáculo no final converteu-se em oportunidade de criação de tecnologia nacional para a fabricação das principais peças utilizadas. Por essa razão, a nova versão recebeu o nome de MUX Free.

“A câmera é a primeira desse tipo e com essa finalidade a ser inteiramente projetada e produzida no Brasil”, diz o engenheiro Mário Stefani, diretor de pesquisa e desenvolvimento da Opto e coordenador do projeto da câmera multiespectral. O equipamento registra imagens em quatro cores – azul,verde, vermelho e no infravermelho –, em faixas estreitas bem definidas.  Enquanto a câmera anterior fabricada pela China e acoplada ao Cbers-2, atualmente em órbita, trabalha com três cores, menos o azul. “A combinação das quatro bandas espectrais permite ver a qualidade de água dos rios, se o solo está exposto ou degradado, se há degradação da vegetação ou ocupação de áreas irregulares. O azul serve principalmente para avaliação de recursos hídricos”, diz Stefani. A câmera brasileira possui quatro linhas de 6 mil pixels, sendo que cada pixelcobre uma área de 20 metros no solo. A faixa de largura imageada, que é a extensão do território visto em uma linha na imagem, é de 120 quilômetros de largura.

O processo para chegar à câmera capaz de suportar o foguete lançador, funcionar no ambiente espacial, em gravidade zero, no vácuo e submetido ao bombardeio contínuo de radiação, compreen­de várias etapas. “Foram feitos dois modelos de engenharia e serão construídos ainda mais um modelo de qualificação e depois os três modelos de voo.” Mas antes de começar a trabalhar no desenvolvimento do projeto a empresa teve que vencer uma licitação internacional, promovida pelo Inpe, em dezembro de 2004. O projeto preliminar da câmera foi apresentado em outubro de 2005 e em dezembro de 2007 foi entregue o primeiro modelo de engenharia, que teve de ser totalmente refeito após o boicote. O novo modelo de engenharia entregue ao Inpe será avaliado em vários ensaios para comprovar a funcionalidade bem como a resistência ao ambiente espacial. Só depois de cumprida essa etapa é feito o modelo de qualificação e depois os modelos de voo, previstos para ficarem prontos em julho de 2010 e que vão integrar a carga útil do satélite Cbers-3 e também o do Cbers-4, previsto para ser lançado em 2014.

EDUARDO CESARCâmera MUX Free cobre área de 20 metros no soloEDUARDO CESAR

A Opto também participa do consórcio para o desenvolvimento de uma segunda câmera que será embarcada nos satélites sino-brasileiros 3 e 4, chamada WFI (sigla em inglês para wide field imager, ou imageador de amplo campo de visada), em parceria com a empresa Equatorial Sistemas, de São José dos Campos, do interior paulista. Nesse projeto a Opto responde pela parte optoeletrônica e a Equatorial pelo processamento e sinal de vídeo, além do controle térmico. A câmera WFI tem ângulo maior de cobertura, porém resolução menor em comparação com a MUX. “A WFI será entregue em outubro para os testes de qualificação”, diz Stefani. Além das duas câmeras produzidas pelas empresas brasileiras, os satélites levarão mais duas,fabricadas pelos chineses. “No total vamos entregar para voo três conjuntos de câmera MUX e WFI, o que totaliza seis câmeras”, diz Stefani. Um deles vai para o Cbers-3, outro para o Cbers-4 e o terceiro conjunto fica como reserva, para substituição no caso de haver qualquer problema. Stefani comanda uma equipe de 56 profissionais que trabalham simultaneamente no desenvolvimento de três câmeras, duas para os satélites sino-brasileiros e uma terceira para o satélite Amazônia-1, chamada AWFI (advanced wide field imager), com resolução espacial de 40 metros e capacidade de imageamento de uma faixa de 780 quilômetros.

Desde a criação da Opto em 1985, pelos professores Milton Ferreira de Souza e Jarbas Caiado de Castro, além de outros quatro pesquisadores do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos, a empresa e suas afiliadas foram apoiadas com oito projetos na modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) da FAPESP, que financiaram especialmente estudos nas áreas de aplicação industrial e de equipamentos oftálmicos para uso médico. O primeiro deles, concedido em 1988 para desenvolvimento de um medidor de distâncias longas a laser para uso industrial, foi coordenado por Stefani. O produto ficou pronto dois anos depois, mas não decolou comercialmente. Foram vendidas só oito unidades do medidor, sete para a Vale do Rio Doce e uma para a Firestone. “Apesar do fracasso comercial, o projeto criou para a empresa uma capacidade tanto humana como instrumental, criando uma bagagem tecnológica que resultou no desenvolvimento de um laser para uso em cirurgias de retina muito competitivo”, diz Stefani. Até hoje a empresa fabrica esse laser – um grande sucesso comercial que garantiu à empresa uma posição forte no mercado internacional com as mesmas pessoas, instrumentos e equipamentos utilizados no primeiro projeto financiado pela FAPESP. Atualmente a Opto, que atua nas áreas de equipamentos médicos oftalmológicos, tratamento antirreflexo para lentes, equipamentos de medição e controle, defesa e produtos aeroespaciais, conta com 450 funcionários, 58 dos quais são pesquisadores. O investimento em pesquisa e desenvolvimento é de cerca de 15%, em média, do faturamento, que no ano passado foi de R$ 50 milhões.

Quando as câmeras estiverem no espaço, a Opto vai ajudar o Brasil a fazer parte de um restrito grupo de países que fabricam sistemas de imageamento para uso orbital, composto por Estados Unidos, Rússia, França, Israel, Índia e China. A participação no projeto MUX assim como nos projetos Pipe possibilitou à empresa criar uma infraestrutura de ponta, com máquinas e sala limpa para os testes espaciais. Com isso a Opto pode desenvolver uma segunda geração de retinógrafos, aparelhos que mapeiam a retina, em condições de competir com gigantes internacionais. “O programa espacial funciona como um poderoso aperfeiçoador da capacidade industrial do país, que passa a ser competitivo em áreas importantes”, diz Stefani.

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