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Carta da editora | 163

Entre urdiduras e tramas de celulose

O etanol vai se tornando mais e mais um tema caro a Pesquisa FAPESP, capaz de lhe render boas reportagens de capa. Desta vez, o que o reconduz à posição mais nobre da revista é uma nova e bem fundamentada visão do quanto o bagaço da cana-de-açúcar, subproduto abundante da indústria canavieira no Brasil, pode garantir vantagem competitiva ao país na corrida internacional pelo etanol de segunda geração. Fabrício Marques, nosso editor de política científica e tecnológica, evidencia essa possibilidade numa bem construída reportagem sobre a articulação inédita de diferentes grupos de pesquisa que, estimulados por consistentes políticas institucionais, voltam-se com arrojo para estudos que buscam novas vias e métodos de extração de álcool de celulose da planta. Fontes de celulose, o bagaço e a palha respondem por dois terços da energia da cana que não são convertidos em biocombustível. Ainda.

Enriquece muito a reportagem de capa a entrevista pingue-pongue com Lee Lynd, um pioneiro na pesquisa da utilização de biomassa para a produção de energia. Entre outros feitos, o grupo do pesquisador norte-americano desenvolveu a técnica do bioprocessamento consolidado (CBP), pela qual se consegue reduzir a uma só fase as usuais quatro etapas de que se vale a maior parte das rotas biológicas para processar biomassa celulósica hoje em estudo. E isso sem dúvida representa um modo mais simples e potencialmente mais barato para a obtenção do etanol de segunda geração. Lynd, que neste começo de setembro participa de um workshop do Bioen na Fapesp, acredita que o etanol de celulose e o de cana-de-açúcar serão, em futuro próximo, mais complementares que competidores.

Destaco também nesta edição o texto de abertura da seção de ciência, que em outras circunstâncias seria um quase imbatível candidato à capa. Elaborada pela editora assistente Maria Guimarães, a reportagem mostra de forma detalhada como a identificação de uma série de proteínas envolvidas nos mecanismos bioquímicos da esquizofrenia e uma melhor compreensão dos caminhos pelos quais a doença se expressa terminam por dar sustentação sólida à ideia de que alguns de seus sintomas podem vir da degeneração do sistema nervoso. Uma degeneração talvez acentuada pela presença excessiva do cálcio em neurônios de determinadas regiões do cérebro. Ou seja, é a base eminentemente física da doença que assim se reforça.

Em relação aos demais destaques da edição, vou ser muito breve dada a necessidade de conciliar pequeno espaço com informações variadas. Assim, começo pela reportagem de abertura da seção de tecnologia: o editor Marcos de Oliveira explica com grande clareza e precisão o que é e para que serve a linha de fibra óptica com capacidade de transmissão pela internet de 10 gigabits por segundo, agora à disposição da comunidade acadêmica de São Paulo. Ela foi inaugurada em 31 de julho com a transmissão para Estados Unidos e Japão do primeiro longa-metragem produzido no Brasil em altíssima definição. Prossigo com o primeiro texto da seção de humanidades, no qual o editor Carlos Haag, partindo de um estudo do consumo em São Paulo entre os anos de 1890 e 1915, mostra que novas relações historiadores vêm estabelecendo entre comportamentos sociais de compra e as feições particulares do capitalismo brasileiro.

Volto às primeiras páginas para destacar a entrevista pingue-pongue de um dos mais respeitados teóricos contemporâneos da comunicação, Jesús Martín-Barbero. Com novas e provocadoras visões sobre comunicação e cultura, alertando para uma espécie de entre-eras em que hoje vivemos, revolucionados pela internet e sem saber que mundo novo estamos gestando, o pensador de quase 72 anos deixou siderada uma plateia de mais de 800 pessoas, com predominância absoluta de jovens estudantes, no Memorial da América Latina, na tarde de 17 de agosto. E vou ao final da seção de ciência, na página 56, para recomendar o texto memorialístico do editor-chefe, Neldson Marcolin, sobre Carlos Chagas, o genial médico brasileiro que há 100 anos descobriu o ciclo completo do mal de Chagas, combinado com um segundo texto que explica por que um coquetel de medicamentos já existente pode ser a nova arma contra o causador da doença, o Trypanosoma cruzi.

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