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Resenhas

A imagem da revolta

Revoluções | Michel Löwy (org.) | Boitempo Editorial, 550 páginas, R$ 68,00

Livro condensa olhar sobre as revoluções

Você pode multiplicar por 10 o surrado clichê de que uma imagem vale por mil palavras quando o assunto são revoluções políticas, como se vê no livro Revoluções, organizado por Michel Löwy – e o professor dá as razões para tanto. “É claro que as fotografias não podem substituir a historiografia, mas elas captam o que nenhum texto escrito pode transmitir: certos rostos, certos gestos, certas situações, certos movimentos. A fotografia possibilita que se veja, de modo concreto, o que constitui o espírito único e singular de cada revolução.” A foto das usinas Krupp, continua o pesquisador, não acrescenta nada, mas a do senhor Krupp cumprimentando Hitler, em companhia de outros industriais e banqueiros, é um documento fascinante sobre a cumplicidade entre capitalistas alemães e nazistas.

O livro com suas mais de 500 páginas é um terrível e fascinante painel da história dos séculos XIX e XX, desde a Comuna de Paris (com certeza, o maior acervo de fotos do movimento) até a sublevação zapatista de Chiapas (1994-1995), passando pelas revoluções mexicana, russa, alemã, húngara, chinesa, cubana, a Guerra Civil Espanhola, o Maio de 1968, a Revolução dos Cravos em Portugal, a Revolução Nicaraguense e a queda do Muro de Berlim. “As fotos de revoluções revelam ao olhar atento do observador uma qualidade mágica ou profética que as torna sempre atuais, sempre subversivas. Elas nos falam ao mesmo tempo do passado e de um futuro possível”, escreve o organizador. São imagens que reú­nem idealismo elevado e terror, ideologia e verdade nua, crua e feia, utopia e sofrimento, imagem e história. Antes de cada movimento, historiadores descrevem cada ação e guiam o espectador nas imagens que serão vistas, de anônimos e de rostos de líderes conhecidos, de cenas inéditas e outras tantas clássicas, já tantas vezes reproduzidas.

“Vemos aparecer a revolução não como uma abstração, uma ideia, um conceito, uma ‘estrutura’, mas como uma ação de seres humanos vivos, homens e mulheres que se insurgem contra uma ordem que se tornou insuportável”, escreve Löwy. “Não quisemos privilegiar a obra de alguns fotógrafos célebres: as cenas mais surpreendentes, mais belas ou mais ‘históricas’ não são obra em geral de anônimos? O conjunto, fruto de dois anos de pesquisas intensas, oferece uma viagem no tempo e no espaço revolucionário, um mergulho numa história que está longe de acabar”, analisa o organizador. Alguns desses fotógrafos profissionais simpatizavam com a causa revolucionária, mas seu trabalho estava submisso a restrições externas. Assim, por exemplo, a existência de dezenas de fotos da execução de 10 reféns feitos pelos revolucionários em Munique em 1919 e apenas duas das 1,5 mil pessoas mortas pela repressão no mesmo ano em Berlim. “À medida que se avança no tempo, a fotografia torna-se não apenas um espelho, necessariamente deformador, dos eventos revolucionários, mas também um ator histórico, um instrumento de combate. Cada campo, nos enfrentamentos ou nas guerras civis, usa a fotografia como meio de propaganda, símbolo de união, sinal de reconhecimento. E, é claro, as fotografias das revoluções anteriores inspiram cada nova revolução.”

As fotos dos líderes, lembra Löwy, são sempre as dos vencidos: Zapata, Lênin, Trotski, Guevara, Rosa Luxemburgo, entre outros. “Mas a maioria das fotos é povoada por multidões anônimas, por desconhecidos: o povo insurgente. O que a objetiva capta em movimento, em ação, é a transformação dos excluídos, das ‘classes subalternas’ em protagonistas de sua história. Os fotógrafos registram o momento histórico privilegiado em que a longa cadeia da dominação se interrompe. A sequência descontínua dessas interrupções revolucionárias constitui a tradição dos oprimidos, tradição que remonta a tempos muito anteriores à invenção de Daguerre.” Pare de ler e veja que é melhor.

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