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Astrofísica

A união das velhas anãs

Estudo com participação de brasileira flagra o início do processo de fusão de um grupo de pequenas galáxias

NASA, ESA, S. Gallagher e J. English

HCG 31: quatro antigas galáxias anãs estão se unindo e vão formar uma única grande galáxia elípticaNASA, ESA, S. Gallagher e J. English

Depois de apontar seus mais modernos instrumentos de observação para uma região do Universo não muito longe, onde vaga um grupo de quatro antigas galáxias anãs, e realizar medições em diferentes comprimentos de onda para tentar descobrir a idade das estrelas desse belo sistema, tão pequeno que caberia dentro da Via Láctea, uma equipe internacional de asfrofísicos percebeu que tinha detectado algo inesperado. Os cientistas tinham deparado com um evento que deve ter sido comum nos primórdios do Universo, alguns bilhões de anos atrás, quando grandes galáxias foram tomando corpo a partir da fusão de galáxias menores, mas que, agora, se encontrava literalmente fora de seu contexto habitual. A análise de uma série de imagens obtidas pelo Hubble e outros telescópios espaciais confirma a ideia defendida já há alguns anos pela astrofísica Claudia Mendes de Oliveira, da Universidade de São Paulo (USP), de que o quarteto de galáxias anãs, conhecido como Hickson Compact Group 31 (HCG 31), está se fundindo a 166 milhões de anos-luz, uma distância relativamente modesta da Terra (um ano-luz equivale à distância percorrida pela luz no vácuo em um ano).

A união das velhas galáxias, que deve dar origem a uma única grande galáxia elíptica, começou há apenas 10 milhões de anos, algo como ontem na escala de tempo cósmico. Esse é talvez o dado mais eloquente do quão extemporâneo parece ser o fenômeno, relatado em detalhes num artigo publicado por pesquisadores canadenses, norte-americanos e a astrofísica brasileira na revista científica The Astronomical Journal de fevereiro. “Acreditamos que essas galáxias anãs estão se unindo pela primeira vez”, afirma Claudia. “Esse ti­po de fusão hoje deve ser muito raro.” Numa alusão a feitos da paleontolo­gia, o time internacional de astrofísicos comparou a descoberta do processo de fusão de galáxias num canto próximo do Universo ao resgate de um fóssil de di­nossauro no quintal de casa.

Na imagem ao lado, uma composição feita a partir de observações do Hubble e de outros satélites, como o Spitzer, o objeto brilhante e distorcido que se vê a meia altura à esquerda representa, na verdade, duas galáxias anãs se fundindo. Desse encontrão de matéria nascem novas estrelas, quentes e massivas, que emitem radiação ultravioleta, aquecem as nuvens de gás em sua volta e as fazem brilhar. O espetáculo lembra uma queima de fogos de artifício no espaço. Ainda à esquerda, mas acima dessas duas galáxias, há uma terceira, ligada às demais por uma ponte de aglomerados de estrelas. Seu formato lembra os contornos de um charuto. Por fim, no canto direito inferior, aparece a quarta galáxia do grupo compacto, conectada às demais por um cinturão de estrelas. O objeto extremamente brilhante bem no centro da imagem é uma estrela que está num plano anterior em relação ao HCG 31 e não tem nenhuma ligação com o grupo de galáxias. “Ainda há muito gás no sistema e a fusão das galáxias deve se prolongar por um bilhão de anos”, comenta Claudia. O pequeno quarteto de galáxias, apesar de menor do que a Via Láctea, possui uma quantidade de hidrogênio, a matéria-prima das estrelas, cinco vezes maior do que a da nossa galáxia.

A idade das estrelas do sistema HCG 31 é a principal evidência de que esse processo de fusão de matéria é recente. As mais velhas se formaram há cerca de 10 bilhões de anos e são um indício de que a aglomeração é realmente muito antiga. Mas as mais novas, representadas por alguns conjuntos de 100 mil estrelas de brilho intenso, têm no máximo 10 milhões de anos. “Sabemos que esse sistema está por aí há algum tempo”, diz a astrônoma Sarah Gallagher, da University of Western Ontario (Canadá), uma das autoras do estudo. “A maioria das outras galáxias anãs interagiu bilhões de anos atrás, mas essas estão apenas começando a se unir.” Estudos anteriores indicam que, atraídas pela força da gravidade, as galáxias do quarteto estão em rota de colisão a uma velocidade de 60 quilômetros por segundo, um ritmo extremante lento. No sistema, a distância de uma galáxia a outra é da ordem de 75 mil anos-luz, três quartos do diâmetro da Via Láctea. Os cientistas especulam que a união das galáxias demorou quase 10 bilhões de anos para ter início porque o HCG 31 está numa área do Universo com pouca densidade de matéria. É como se estivesse numa espécie de zona rural do Cosmo, distante dos centros mais movimentados. Ali a força da gravidade não é tão intensa.

O nome de Claudia de Mendes de Oliveira na lista dos autores do artigo no Astronomical Journal é um reconhecimento aos seus trabalhos sobre grupos compactos de galáxias, um dos temas em que se especializou. Foram os estrangeiros que a procuraram para participar do estudo, cuja redação final cita outros oito artigos científicos da lavra da astrofísica da USP, em geral em parceria com colegas brasileiros. “Em 2004 publicamos um artigo mostrando que as galáxias do HCG 31 estavam se fundindo”, conta Claudia. Em 1992, ela terminou o doutorado no Canadá sob orientação de Paul Hickson, da Universidade da Colúmbia Britânica, justamente o astrofísico que 10 anos antes identificara pela primeira vez esse tipo de sistema. Nos cantos do Cosmo em que há aglomerações de umas poucas galáxias, todas próximas umas das outras, interagindo gravitacionalmente, os cientistas dizem que ali existe um grupo compacto de galáxias. Esses sistemas são encarados como laboratórios para o estudo da evolução das galáxias. Neles podem ocorrer surtos de formação estelar, atividade nuclear, emissões de rádio e de raios X e, claro, fusão de galáxias. Mais de uma centena de grupos compactos foram descobertos nas últimas décadas. Alguns sistemas, como o Quinteto de Stephan, rendem lindas imagens. No momento, a astrofísica da USP se dedica a mapear e classificar 25 grupos compactos de galáxias.

Artigo científico
GALLAGHER, S. C. et al. Hierarchical struc­ture formation and modes of star formation in Hickson Compact Group 31. The Astro­nomical Journal. v. 139, p. 545-56. 2010.

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