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Resenhas

Novas luzes sobre Schönberg

Obra científica de Mario Schönberg - Volume 1 - 1936 a 1948 | Amélia Império Hamburger (coord.) | Edusp, 604 páginas, R$ 89,00

Publicado primeiro volume com obra do físico pernambucano

A publicação de obras completas de cientistas eminentes é prática bem estabelecida em países com forte tradição científica. O volume com a obra do físico teórico Mario Schönberg (1914-1990) organizado por Amélia Hamburger é uma contribuição para instaurar entre nós tal tradição. Schönberg nasceu em Recife, em família judaica. Veio para São Paulo atraído pela criação da USP em 1934 e pelas promessas de pesquisas em física e matemática que estavam associadas a essa criação. A física na recém-criada USP desenvolveu-se rapidamente sob a liderança de Gleb Wataghin, trazido da Universidade de Turim com a missão específica de criar o departamento de física da nova universidade. A física desenvolvida na USP floresceu rapidamente adquirindo projeção internacional ainda no final da década de 1930. A primeira área a adquirir relevo foi a pesquisa em raios cósmicos, gerando os primeiros trabalhos publicados em revistas internacionais. Foi nesse ambiente pleno de motivações e de desafios que Schönberg se projetou como físico teórico no Brasil e no exterior.

No cenário da cultura brasileira Schönberg destacou-se não só como cientista e liderança acadêmica, mas também como crítico de arte e como político, tendo sido eleito no pós-Segunda Guerra deputado estadual constituinte por São Paulo pelo Partido Comunista. Schönberg foi um dos intelectuais perseguidos pelo regime de arbítrio instaurado em 1964. Aposentado compulsoriamente com base no AI-5, viu-se afastado da universidade que ajudara a construir.

O livro organizado por Amélia Hamburger, física da USP e pesquisadora em história e epistemologia da física, reúne 50 artigos científicos do período entre 1936 e 1948 e deverá ser seguido por um segundo volume com o período posterior. A edição é primorosa, com todos os artigos cuidadosamente redigitados. Além dos textos científicos, o volume tem como destaque um prefácio introdutório escrito pela organizadora, que realça tanto a trajetória científica quanto a atividade cultural multifacetada de Schönberg. A autora faz largo uso tanto de material já publicado quanto de documentos inéditos, principalmente correspondências dos arquivos de Schönberg, que contribuem para lançar novas luzes sobre a sua vida e obra. Dentre os interlocutores cuja correspondência inédita aparece na introdução encontramos Wataghin, M. Damy, L. Freire, S. Chandrasekhar, J. L. Lopes, A. de Moraes, L. Rosenfeld, C. Dilworth, G. Occhialini e G. Beck. Para a produção desse volume Amélia Hamburger dedicou quase 10 anos de trabalho, de modo que a obra era esperada com expectativa por todos que sabiam da sua preparação. O trabalho foi possível graças ao apoio na USP do Instituto de Física, do Instituto de Estudos Avançados e da Edusp, além da FAPESP.

Da obra publicada, o trabalho mais conhecido, pelo menos o mais citado, é aquele em colaboração com Chandrasekhar, escrito e publicado em 1942. O trabalho versou sobre a evolução das estrelas e estabeleceu o limite Schönberg-Chandrasekhar, o qual impõe um máximo de massa às estrelas a partir do qual elas se contraem por colapso gravitacional dando início à fusão nuclear do elemento químico hélio. Em estudo histórico sobre teorias da evolução estelar, Davide Cenadelli (Archives for history of exact sciences, v. 64, p. 203-267, 2010), da Universidade de Milão, afirmou que o “artigo de Schönberg e Chandrasekhar é amplamente reconhecido como uma referência no desenvolvimento da astrofísica estelar”. Afirmou ainda que a ideia nova introduzida foi tratar diferentemente o núcleo e a camada exterior, devido às inomogeneidades químicas. Desde então a inomogeneidade “tornou-se um ingrediente básico em modelos estelares”. O trabalho foi realizado no Observatório de Yerkes, em Chicago. Schönberg tinha 28 anos e estava nos Estados Unidos como bolsista da Fundação Guggenheim. Antes havia publicado com George Gamow sobre o papel dos neutrinos na formação das estrelas supernovas, propondo um processo que denominaram de efeito Urca. Chandrasekhar era um físico teórico indiano, tendo recebido o Prêmio Nobel em 1983 por suas contribuições à astrofísica. Esses trabalhos de Schönberg são clássicos da cultura científica brasileira.

Olival Freire é pesquisador do Instituto de Física da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

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