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Resenhas

Quem confia no governo?

Democracia e confiança: por que os cidadãos desconfiam das instituições públicas? | José Álvaro Moisés (org.) | Edusp, 304 páginas, R$ 42,00

Estudo mostra ceticismo político dos brasileiros

Qual o impacto da confiança que os cidadãos têm nas instituições políticas para o fortalecimento democrático? Esta é a questão central que preside o livro Democracia e confiança: por que os cidadãos desconfiam das instituições públicas?, organizado por José A. Moisés. O livro se estrutura tendo como pano de fundo a argumentação de Moisés de que a confiança é um recurso central para o bom funcionamento de sociedades complexas, desiguais e diferenciadas. A confiança produz uma democracia com mais qualidade, promovendo uma fiscalização mais efetiva das instituições políticas e dos governantes, por parte dos cidadãos. A ausência da confiança gera desafeição política. Assume, como segunda premissa, a “defesa”, de Morlino, da criação de uma “única mesa” de diálogo entre culturalistas e institucionalistas, e do uso da pesquisa survey, no desenvolvimento da teoria da democratização.

Tendo como eixo tais premissas, são apresentados no livro estudos sobre o caso do Brasil, do México, das novas democracias na Europa e da Coreia do Sul.

Focalizando o Brasil, Moisés destaca que o amplo apoio dos cidadãos, no sentido difuso, à democracia e seus valores coexiste com elevados índices de desconfiança nas instituições políticas. Para superar esse dilema seria necessário que as pessoas acreditassem e obedecessem às normas que regulamentam as relações sociais, com base na previsibilidade das ações das instituições.

A cultura política brasileira desvaloriza as instituições e os gestores públicos, produzindo, nesse contexto, a institucionalização da “falácia eleitoralista” como único requisito da democracia. Moisés constata, no cenário político brasileiro, a predominância do que denomina de “cidadãos ambivalentes”, o que constitui, segundo o autor, uma potencial ameaça à democracia no futuro, na medida em que essas pessoas preferem alternativas não democráticas para resolver os problemas do país.

Resultados similares são constatados por Raquel Meneguello, que identifica um elevado grau de insatisfação com o funcionamento da democracia brasileira. No entanto, segundo a autora, a construção da legitimidade política se daria com base em concepções idealistas, independentemente do desempenho das instituições. Problematizando esta questão, Moisés e Carneiro desenvolvem estudo que aborda a relação entre adesão à democracia e satisfação com a mesma e a confiança nas instituições. Resultados dessa pesquisa revelam que, embora o Brasil pareça ter entrado num círculo democrático virtuoso, convive com a desconfiança nas instituições e ceticismo político.

Os meios de comunicação também teriam papel relevante no fortalecimento democrático. A despeito das críticas do caráter antipolítico do papel da mídia, Mesquita, em análise do Jornal Nacional, por meio da construção de uma escala de taxa de consumo do telejornal, constata que os brasileiros que mais assistem ao telejornal e são mais escolarizados tendem a mostrar mais satisfação com a democracia.

Em estudo comparativo das novas democracias na Europa, Mariano Torcal e Lorenzo Brusattin constatam que desconfiança política é um sintoma de um processo mais amplo de desafeição institucional, exigindo, portanto, um tratamento multidimensional do conceito de apoio político.

No caso mexicano, Victor M. D. Ponte observa a inexistência de confiança interpessoal e institucional, resultado de uma organização vertical e um regime autoritário, em que a desconfiança se impôs como relação social. Para o autor não há relação entre confiança social e institucional e o aumento da confiança, mais do que produto de maiores índices de escolaridade ou renda, exigirá um processo de reformulação estrutural das instituições.

No caso da Coreia do Sul, Chong Ming Park e Doh Chull Shin argumentam que o país institucionalizou a democracia representativa tornando eficientes os procedimentos poliárquicos. No entanto, no que diz respeito à cultura política, os coreanos têm preferência pela democracia-princípio, a qual depende, preponderantemente, do desempenho político, e não econômico, das instituições.

Marcello Barquero é professor do Departamento de Ciências Políticas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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