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Prêmio Nobel

Do carbono ao bebê de proveta

Um dos destaques da premiação de 2010 é a pesquisa sobre o grafeno, em que o Brasil teve participação pioneira

university of manchesterAndrei Geimuniversity of manchester

O Brasil foi cenário de pesquisas pioneiras envolvendo a física do grafeno, filme de carbono densamente compactado e com espessura de apenas um átomo, objeto de investigação da dupla de cientistas que ganhou o Nobel de Física deste ano, os russos Andrei Geim, 51 anos, e Konstantin Novoselov, 36, da Universidade de Manchester, Inglaterra. Desde 1999, um grupo liderado pelo físico Yakov Kopelevich, do Laboratório de Materiais e Dispositivos do Instituto de Física  Gleb Wataghin, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), vem se dedicando ao estudo da física do grafite e alcançou resultados convergentes com os achados de Geim e Novoselov, que conseguiram isolar flocos de grafeno a partir do grafite usado em lápis comuns e demonstrar suas propriedades.

university of manchesterKonstantin Novoselovuniversity of manchester

Como resultado das pesquisas que contaram com R$ 1 milhão da FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Kopelevich e dois alunos, José Henrique Spahn Torres e Robson Ricardo da Silva, identificaram no início da década propriedades elétricas e magnéticas que jamais se imaginou que o grafite pudesse apresentar – e ajudam a compreender por que o grafite pode se comportar ora como um metal e conduzir eletricidade, ora como um material isolante. Kopelevich e sua equipe conseguiram realizar de forma pioneira a medição do Efeito Hall Quântico e detecção de férmions de Dirac nesse material, com artigos publicados na revista Physical Review Letters em 2003 e 2004.

bourn hallRobert G. Edwardsbourn hall

O Efeito Hall Quântico coordena o movimento de partículas eletricamente carregadas – no caso do grafite, os elétrons – em superfícies planas. Foi descoberto por Klaus von Klitzing, físico do Instituto Max Planck que recebeu o Nobel em 1985 por causa desse achado. Esse efeito é a versão para o mundo microscópico quântico de um fenômeno identificado um século antes pelo físico norte-americano Edwin Hall, que observou o efeito que leva seu nome ao aplicar um campo magnético a uma barra condutora atravessada por uma corrente elétrica. O campo magnético, perpendicular à corrente, causa um desvio na trajetória dos elétrons, que se acumulam em uma das extremidades da barra, gerando um campo elétrico na direção transversal à da corrente. Quando os físicos submetem um material qualquer a temperaturas baixas e a um campo magnético, o aumento da intensidade desse campo faz a resistência Hall crescer em saltos proporcionais, permanecendo constante entre um aumento e outro. Esse fenômeno toma a forma de gráficos que lembram lances de uma escada intercalados por patamares. Foi esse padrão de aumento da resistência Hall em consequência da variação do campo magnético que a equipe de Kopelevich detectou no grafite e detalhou em um artigo publicado em 2003 na Physical Review Letters.

purdue universityEi-ichi Negishipurdue university

Em outro artigo da mesma revista, Kopelevich e Igor Luk’yanchuk, da Universidade de Picardie Jules Verne, na França, descobriram outra propriedade do grafite. Variando a intensidade do campo magnético, constataram que os elétrons livres desse material exibem um comportamento atípico, descrito por equações da física quântica criadas em 1928 pelo físico inglês Paul Dirac: esses elétrons movem-se como partículas sem massa, de modo semelhante às partículas de luz, os fótons. Em 2005 Andrei Geim, na Inglaterra, e Philip Kim, nos Estados Unidos, viram em folhas de grafeno esse mesmo efeito. “Nós observamos a contribuição muito grande de férmions de Dirac e concluímos pela existência de grafenos desacoplados no grafite. Somente depois experimentos semelhantes foram realizados nos grafenos por Geim, Novoselov e outros, que, evidentemente, desenvolveram excelentes trabalhos em seguida”, afirmou Kopelevich ao Pesquisa Brasil, programa de rádio da Pesquisa FAPESP. “O Brasil certamente é pioneiro nessa área, embora hoje o número de trabalhos sobre a física do grafite não seja tão alto quanto em outros países. Mas estamos continuando”, diz.

northwestern universityDale T. Mortensennorthwestern university

O grafeno foi descrito em 1961 pelo químico alemão Hanns-Peter Boehm. A velocidade e a facilidade com que os elétrons se movem nesse material tornam-no um candidato natural a sucessor do silício em chips de computador de alta velocidade, ainda que falte muita pesquisa para alcançar esse patamar. Como condutor de eletricidade, o grafeno é tão eficiente quanto o cobre. Como condutor de calor, supera qualquer outro material conhecido. É quase transparente, mas tão denso que nem mesmo o hélio, o menor dos átomos gasosos, é capaz de atravessá-lo. Graças à absorção de luz, a folha da espessura de um átomo é visível a olho nu. Seus átomos de carbono formam uma rede hexagonal, como as de uma colmeia, quase sem defeitos. “É um cristal grande e 100 vezes mais resistente do que o aço. Podemos esticá-lo até 20% e tem muitas outras propriedades interessantes que podem ser usadas em diferentes aplicações”, justificou Bjorn Jonsson, membro da Academia Sueca.

Síntese orgânica
O carbono também foi protagonista na premiação do Nobel de Química. Dois cientistas japoneses e um norte-americano foram os agraciados pelo desenvolvimento das chamadas reações de acoplamento catalisadas por paládio, uma ferramenta fundamental para a síntese orgânica de moléculas complexas, hoje amplamente usadas em áreas tão diversas como a medicina, a agricultura e a eletroeletrônica. Por estudos iniciados há mais de 40 anos nesse campo, Akira Suzuki, de 80 anos, professor da Universidade de Hokkaido, Ei-ichi Negishi, de 75 anos, da Universidade Purdue, e Richard F. Heck, de 79 anos, da Universidade de Delaware, dividirão em partes iguais o prêmio em dinheiro de US$ 1,5 milhão dado pela Real Academia de Ciências da Suécia. Segundo o comitê do Nobel, o impacto da adoção desse tipo de reação de acoplamento para a produção de moléculas na medicina é enorme: um quarto de todos os remédios sintetizados atualmente é fabricado com alguma variante da técnica. Na eletroeletrônica, os chamados Oleds, ou LEDs orgânicos, diodos que emitem luz, também são criados com o auxílio desse tipo de reação.

universidad pablo de olavideChristopher A. Pissaridesuniversidad pablo de olavide

Para fabricar compostos mais sofisticados ou reproduzir no laboratório grandes moléculas encontradas na natureza, os químicos precisam alterar uma característica do carbono, elemento-base da vida: seus átomos são estáveis e não se ligam facilmente entre si. Várias técnicas já foram concebidas para resolver o problema. Nenhuma delas, no entanto, mostrou-se tão eficiente e limpa (sem gerar tantos resíduos químicos) quanto as reações de acoplamento catalisadas por paládio. Como o nome indica, nessas reações o paládio é o elemento que inicia, que estimula as ligações com os carbonos. Com o empurrão dado pela presença desse elemento, os carbonos que normalmente não se ligariam tornam-se reativos e formam complexas moléculas orgânicas. Heck foi o primeiro a usar, em 1968, o paládio como catalisador das ligações de carbono. No final dos anos 1970, Negishi introduziu compostos de zinco para facilitar a atuação do paládio e Suzuki adicionou o boro a esse tipo de reação, obtendo resultados ainda melhores.

donna coveney / mitPeter A. Diamonddonna coveney / mit

Bebê de proveta
Um avanço que permitiu a milhões de casais a possibilidade de ter filhos foi reconhecido na premiação do Nobel na categoria Medicina ou Fisiologia. O britânico Robert G. Edwards, professor emérito da Universidade de Cambridge, Inglaterra, ganhou o prêmio pelo desenvolvimento da fertilização humana in vitro, técnica popularmente conhecida como bebê de proveta. “Suas contribuições representam um marco no desenvolvimento da medicina moderna”, disseram os promotores da honraria. Muito doente, aos 85 anos, Edwards, que receberá um cheque de US$ 1,5 milhão pelo Nobel, não pôde comentar a premiação. As bases da fertilização in vitro começaram a ser pesquisadas por Edwards ainda nos 1950 e redundaram, mais de duas décadas depois, no estabelecimento de uma técnica capaz de ajudar casais com problemas de infertilidade a terem filhos. Por meio desse método, os óvulos são fertilizados fora do corpo da mulher e posteriormente implantados em seu útero. O primeiro bebê de proveta nasceu em 25 de julho de 1978, a inglesa Louise Brown, e hoje mais de 4 milhões de pessoas vieram ao mundo com o auxílio da técnica. Parceiro de Edwards, o ginecologista inglês Patrick Steptoe, que morreu em 1988, também teve importante papel no trabalho de elevar a fertilização in vitro da condição de técnica experimental à de prática médica. Mas, como o Nobel não premia cientistas já falecidos, a honraria foi dada exclusivamente a Edwards.Em 1980, ao lado de Steptoe, Edwards  fundou na cidade de Cambridge a Bourn Hall Clinic, centro especializado em fertilização in vitro.

Desemprego
Num momento em que o capitalismo tenta reerguer-se de uma grande crise, o Nobel de Economia foi concedido a três pesquisadores que formularam e desenvolveram uma teoria capaz de explicar por que há tanta gente sem emprego ao mesmo tempo que as empresas não param de abrir postos de trabalho. Pela criação de modelos matemáticos que explicam situações de mercado em que há ruídos ou imperfeições entre a demanda e a oferta de bens ou serviços, os americanos Peter A. Diamond, de 70 anos, professor de economia do Massachusetts Institute of Technology (MIT), e Dale T. Mortensen, de 71 anos, da Universidade Northwestern, vão dividir o prêmio em dinheiro de US$ 1,5 milhão com Christopher A. Pissarides, cidadão cipriota e inglês de 62 anos que dá aulas na London School of Economics and Political Science.

universidad andres belloMario Vargas Llosauniversidad andres bello

Os primeiros trabalhos dos economistas nesse campo datam dos anos 1970 e redundaram no chamado modelo Diamond-Mortensen-Pissarides (DMP), ferramenta utilizada para analisar o desemprego, o mecanismo de formação de salários e o impacto das políticas públicas sobre esse setor. Embora o mercado de trabalho seja a área em que a teoria é mais empregada, o modelo também pode ser usado para entender o mercado imobiliário e outras esferas da economia. Segundo a Academia Sueca, o mérito do trabalho dos economistas consiste em mostrar que a visão clássica do mercado perfeito nem sempre encontra amparo no mundo concreto. A teoria tradicional defende a ideia de que compradores e vendedores de bens e serviços se encontram rapidamente no mercado, sem nenhum custo para as partes, e que todos estão bem informados sobre os preços das mercadorias. Não há oferta ou demanda em excesso de um produto e todos os recursos são usados em sua plenitude. Nessa situação ideal, o preço de bens e serviços expressa a igualdade de oferta e de demanda. “Mas não é isso que ocorre no mundo real”, escreveu o comitê do Nobel. “Custos elevados são frequentemente associados às dificuldades dos compradores em encontrar vendedores. Mesmo depois de eles terem se encontrado, as mercadorias em questão podem não corresponder aos requerimentos dos compradores. O comprador pode considerar o preço do vendedor muito alto, ou o vendedor pode achar a oferta do comprador muito baixa. Então a transação não ocorre e as duas partes continuam a procurar (a mercadoria) em outro lugar.” Esse mecanismo é típico de muitos setores da economia, inclusive o mercado de trabalho.

reproduçãoLiu Xiaoboreprodução

Nas categorias não científicas, o escritor peruano Mario Vargas Llosa foi agraciado com o Nobel de Literatura por sua “cartografia das estruturas de poder” e “vigorosas imagens de resistência individual, revolta e derrota”, conforme destacou a Academia Sueca. O escritor de 74 anos escreveu mais de 30 romances, peças e ensaios. Vargas Llosa é o primeiro sul-americano a ganhar o prêmio desde o colombiano Gabriel García Márquez, agraciado com o prêmio em 1982. O ativista chinês Liu Xiaobo ganhou o Prêmio Nobel da Paz em reconhecimento a décadas de ativismo não violento pela democracia e os direitos humanos. A escolha colocou na berlinda a situação dos direitos humanos na China, num momento em que o país começa a se valer do seu expressivo crescimento econômico para ocupar um papel de maior destaque no cenário político internacional. O comitê do Nobel elogiou Xiaobo por “sua luta longa e não violenta pelos direitos humanos fundamentais na China” e reiterou sua crença em “uma estreita conexão entre direitos humanos e paz”.

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