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Resenhas

Os sons religiosos da Colônia

Os jesuítas e a música no Brasil colonial | Marcos Holler | Editora Unicamp, 256 páginas, R$ 44,00

Estudo revela a importância da música entre os jesuítas

Os documentos musicais mais antigos que se conhece até hoje no Brasil são aqueles provenientes de Mogi das Cruzes, cidade situada na Região Metropolitana de São Paulo, datados de aproximadamente 1730. Entretanto, isso não indica que a atividade musical em terras brasileiras iniciou-se nesta época. Ao contrário, documentos localizados em arquivos brasileiros e no exterior revelam a existência de atividade musical no Brasil alguns anos após a chegada dos portugueses. Por esta época, além dos primeiros mestres de capela portugueses, responsáveis pela música nos ofícios religiosos, aportaram integrantes da Companhia de Jesus, fundada por Ignacio de Loyola e oficializada pelo papa Paulo III em 1540.

Os primeiros registros da chegada dos jesuítas ao Brasil datam de 1549, quando Manoel da Nóbrega desembarcou em Salvador, juntamente com a expedição de Tomé de Souza. Ficaram no Brasil por mais de dois séculos, até serem expulsos por determinação do Marquês de Pombal em 1759. Durante este período tiveram na música uma importante ferramenta na sua tarefa de catequização dos gentios.

Poucos estudiosos se aventuraram a explorar esta questão, provavelmente pela dificuldade de localização de uma documentação de produção bastante remota, esparsa e de difícil acesso. O livro de Marcos Holler, Os jesuítas e a música no Brasil colonial, publicado em 2010 pela Editora da Unicamp, vem preencher diversas lacunas nesta questão, trazendo à luz fatos e documentos da maior relevância, que extrapolam o aspecto musicológico, já que estão ligados à própria formação do Brasil.

Este livro é resultado da tese de doutorado de Holler, defendida no Instituto de Artes da Unicamp, na qual fez extensa pesquisa em arquivos brasileiros e estrangeiros sobre a utilização pelos jesuítas da música como elemento de catequese. Embora não tenham sido localizados documentos musicais, como folhas de música ou partituras, o extenso estudo, baseado em documentação primária localizada no Brasil, em Portugal e na Itália, apresenta documentos oficiais e correspondências entre jesuítas e autoridades, demonstrando que, mesmo contrariando os preceitos da Companhia de Jesus, que vetava a utilização da música para fins de catequização, a prática musical foi constante no Brasil colonial.

Já na introdução o autor procura esclarecer o sentido de alguns termos musicais recorrentes que sempre geram dúvidas, sendo esta uma importante contribuição para os estudos musicológicos referentes ao Brasil colônia. No primeiro capítulo, “Fontes documentais e revisão bibliográfica”, é discutida a questão dos registros levantados, abrindo espaço para que no capítulo seguinte, “Os jesuítas no Brasil”, seja iniciada a discussão sobre a atividade dos jesuítas propriamente dita.

Após o histórico sobre a atuação dos jesuítas no Brasil, há um interessante capítulo sobre as “Referências aos instrumentos musicais nos documentos jesuíticos”, no qual é realizado um levantamento dos instrumentos utilizados na prática catequética. Discutindo em separado os séculos XVI, XVII e XVIII, pode-se observar como a prática musical foi sofrendo modificações com o passar dos anos. Ainda neste capítulo, o trecho “Os inventários nos autos de sequestro dos bens jesuíticos” apresenta diversas referências a instrumentos musicais quando da expropriação dos bens de membros da Companhia de Jesus: rabecas, rabecões, violas, cravos, harpas, manicórdios, baixões, flautas, oboés, charamelas, sacabuxas e órgãos.

No quarto capítulo, “A atuação musical dos jesuítas no Brasil colonial”, pode-se ter uma ideia de como este instrumental era utilizado na tarefa de catequização. É interessante notar que os jesuítas davam mais atenção às crianças, acreditando que, além de sua maior receptividade, através delas atingiriam os adultos com mais facilidade. Estratégias para atingir este objetivo incluíam o ensino de instrumentos e a tradução de textos sacros para serem cantados na língua indígena. Podemos tirar algumas conclusões de como isso acontecia, mas, infelizmente, o material musical que utilizavam ficou perdido em algum canto da história.

Lenita W. M. Nogueira é professora do Departamento de Música do Instituto de Artes da Unicamp.

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