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Siderúrgicas

Carvão vegetal sustentável

Novo sistema produz de forma limpa matéria-prima dentro de floresta de eucaliptos

073_Carvao Sustentavel_189NOVAMais conhecido por abastecer as churrasqueiras, o carvão vegetal no Brasil é responsável também pela produção de 30% do ferro-gusa, a liga metálica que dá origem ao aço utilizado em veículos, máquinas, navios, trens, cabos, entre outros produtos. No mundo essa porcentagem não chega a 1%. Assim, parte da produção de aço feita no país é renovável, ao contrário do uso do carvão mineral, que exige a exploração de minas finitas, muitas vezes no subsolo, e é, no caso brasileiro, quase todo importado. O carvão vegetal ou o mineral são imprescindíveis para fornecer carbono ao ferro-gusa. O problema é que cerca de 50% da produção nacional de carvão vegetal – para churrasco ou para uso na produção de aço – ainda é feita de forma rudimentar, em fornos muito poluentes feitos de tijolos, com a aparência de uma oca ou iglu, chamado meda ou rabo-quente, e muitas vezes utilizando madeira nativa. As soluções, inclusive a social, porque emprega, em muitos casos, crianças e mão de obra escrava, começam a aparecer como resultado de pesquisas de empresas e universidades e da necessidade de se avançar na tecnologia de produção de carvão.

Uma delas vem da persistência, por mais de 20 anos, do engenheiro de produção Nilton Nunes Toledo, professor aposentado da Escola Politécnica (Poli) da Universidade de São Paulo (USP). Ele desenvolveu um sistema mais avançado e ambientalmente correto de produzir carvão vegetal com geração de energia elétrica durante o próprio processo de gaseificação de restos de madeira e serragem, por exemplo. Além disso, o sistema dispensa o uso de caminhões na produção, corte e transporte do eucalipto, cultura de reflorestamento melhor indicada para o processo de carvoejamento, embora também possa ser produzido com capim-elefante e bagaços de laranja, cana, casca de arroz e outros resíduos.

“A usina de carvão deve ficar instalada dentro da floresta de eucaliptos, com um enfoque que abrange desde a forma de plantar, colher, manusear e carvoejar com otimização do consumo de calor e uma nova maneira de resfriamento rápido, além do aproveitamento de subprodutos como o bio-óleo, o alcatrão e o ácido pirolenhoso, usados na indústria química e de cosméticos e que podem valer mais que o próprio carvão”, diz Nilton, que é atualmente diretor-presidente da Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia (FDTE), entidade formada por engenheiros da Poli, que ficou responsável pela coordenação do projeto. Ele começou a estudar o assunto quando foi coproprietário, com outros empresários, de uma fazenda produtora de madeira nos anos 1980, na região do Vale do Ribeira, no interior paulista.

“Começamos vendendo madeira para embalagens, em paralelo passamos a estudar o que é fazer carvão e a montar vários tipos de forno que eram aquecidos por meio de maçaricos. Mas o sistema foi uma decepção, por problemas no processo como a demora excessiva para a madeira se transformar em carvão.” Desde os anos 1980, ele imagina desenvolver a segunda versão que foi finalizada recentemente. “Agora não penso em usar células de tijolos, mas sim um túnel com o mesmo material para funcionar como forno. A madeira deve ser aquecida dentro de caixas cilíndricas metálicas, chamadas de retortas, hermeticamente fechadas, sem a presença de oxigênio que pode alterar o rendimento do carvoejamento.” Elas entram rolando dentro do forno e, em média, em 10 horas, em temperatura ao redor de 400°C, a madeira se transforma em carvão vegetal.

A fabricação de produtos químicos que podem substituir os congêneres obtidos do petróleo é feita com a condensação do vapor. Ele é levado para as torres de separação instaladas ao lado do forno onde os gases combustíveis vindos do processo de carvoejamento se juntam aos gases produzidos no gaseificador e colaboram para a usina ser autossuficiente em energia. “A condensação é dividida em duas partes, uma fase oleosa de onde saem o alcatrão vegetal e o bio-óleo, uma mistura complexa de muitos produtos, e a fase aquosa, que produz o ácido pirolenhoso, que pode ser transformado em metanol e ácido acético”, explica Nilton. O bio-óleo, passível de ser aproveitado na geração de energia elétrica, é um líquido escuro utilizado tanto em caldeiras para queima ou para uso na indústria química na fabricação de resinas, por exemplo. O alcatrão, outro tipo de combustível, também é matéria-prima para desinfetantes. O metanol é muito utilizado na produção de biodiesel e o ácido acético na fabricação de solventes e tintas. “Produzir esses compostos na usina é difícil, mas viável porque são processos clássicos.” O sistema de produção e o forno que recebe as retortas e possui um mecanismo projetado para a separação dos subprodutos e dos gases de aquecimento direcionados para a estufa de secagem da lenha são duas das três patentes depositadas no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). A terceira é sobre o transporte da madeira feito por um sistema chamado de monovia, semelhante a um teleférico. As madeiras viajam do local de colheita até a usina em suportes que se movimentam ao longo da plantação de eucaliptos em cabos de aço presos a postes de dois metros de altura ancorados nas próprias árvores. “Esse sistema evita o uso de tratores ou caminhões para o transporte dos troncos até a usina”, explica. Ele estima que a produção diária de carvão vegetal no novo sistema, que leva o nome de silvoquímico, será de 40 toneladas numa fazenda de 5 mil hectares e deve empregar 300 pessoas.

Na comparação com os fornos rabo-quente, o novo leva vantagem em gastar 432 quilos a menos de madeira para cada tonelagem de carvão produzido. Da mesma quantidade de carvão é possível obter 333 quilos de subprodutos químicos. O projeto, depois de bem avaliado na fase laboratorial, precisa de uma usina piloto, que deve custar cerca de R$ 2 milhões, para verificação da eficiência de todas as etapas. “Estamos buscando recursos para essa fase no meio empresarial”, diz. A implantação final da usina deve custar R$ 10 milhões. “Esse tipo de modelo industrial é usado em outros países e no Brasil já foi tentado no passado, nas décadas de 1970 e 1980, quando se fazia carvão somente com mata nativa, que era abundante”, diz o professor José Otávio Brito, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP.

“Após um certo marasmo tecnológico nos anos 1990, houve uma crescente retomada pela siderurgia a carvão vegetal no Brasil porque o país possui potencial para ser o grande competidor mundial na produção do chamado “aço verde” obtido do ferro-gusa produzido com carvão vegetal”, diz Brito. Em relação às tecnologias, algumas empresas como a Bricarbras, do Paraná, e a Ondatec, de Uberaba (MG), são exemplos de investimento no desenvolvimento de fornos para transformar madeira em carvão. A primeira no final dos anos 1990 começou a desenvolver um sistema em que o carvoejamento acontece em contêineres cilíndricos, apresentando bons resultados e diminuindo as emissões de gases, por meio de um incinerador, em relação aos fornos de barro ou alvenaria. “Mas esse sistema é muito caro para médios e pequenos proprietários”, diz o professor Benedito Vital, do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais. Com foco nessas empresas, Vital e a professora Angélica de Cássia Carneiro, desenvolveram um sistema semelhante ao usado por grandes siderúrgicas que, além de fazer o trabalho de carbonização de forma mais eficiente que os artesanais, queima os gases do processo. “É uma alta queima da fumaça em jatos de ar quente de mais de 1.000°C. Por meio de trocadores de calor conseguimos resfriar o carvão rapidamente, para a venda do produto em tempo curto”, diz Vital. “Esse sistema está pronto para ser repassado às empresas.”

Wilson Dias Fornos de alvenaria no Pará: sistema rudimentar que polui e muitas vezes utiliza mão de obra escrava e infantilWilson Dias

Outra novidade para o setor ainda está cercada de sigilo. A Ondatec, que nasceu na Incubadora de Tecnologia e Negócios da Universidade de Uberaba (Uniube), de Minas Gerais, está para lançar um novo forno de carbonização. Idealizada pelo professor Ricardo Naufel, do curso de engenharia elétrica, que também é diretor técnico da empresa, o forno terá como diferencial a modelagem matemática no sistema de controle da carbonização que será muito preciso. “Será um forno inteligente”, garante Naufel. Segundo ele, foram investidos R$ 10 milhões por investidores privados que não podem ser revelados antes do lançamento. “Instalamos uma unidade piloto em Uberaba e durante um ano fizemos as observações sobre o sistema. Agora instalamos a primeira unidade industrial na cidade de Tietê, no interior paulista, para, no início, produzir carvão para churrasco. Depois vamos produzir unidades maiores destinadas às siderúrgicas.”

Grande parte dos problemas relacionados às carvoarias atuais está na prática de alguns guseiros, empresas que produzem ferro-gusa de forma independente das grandes siderúrgicas para venda a fundições e aciarias. Muitas vezes a madeira é oriunda de mata nativa. A produtividade é baixa e as condições de controle não são eficazes. Na outra ponta do setor estão algumas siderúrgicas instaladas no país, como a Vallourec & Mannesmann e a Aperam, ex-ArcelorMittal, ambas em Minas Gerais, e a Votorantim Siderurgia, no Rio de Janeiro, que utilizam carvão vegetal e possuem sistemas próprios de produção desse insumo. Outras usinas utilizam o carvão mineral para a mesma função. Para suprir esse uso, o Brasil, nono produtor mundial de aço, importou 15,9 milhões de toneladas de carvão mineral em 2010, segundo a World Steel Association, ao custo de US$ 1,6 bilhão.

“A siderúrgica a carvão vegetal é uma peculiaridade da indústria siderúrgica brasileira”, revela o documento técnico Siderurgia no Brasil 2010-2025, um estudo publicado em 2010 pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), uma organização ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. O documento aponta que o carvão vegetal é um tipo de biomassa, passível de ser produzido com vários vegetais como uma mina renovável. Segundo o pesquisador José Dilcio Rocha, da Embrapa Agroenergia, de Brasília, o “aço verde” possui um apelo ambiental na diminuição das emissões de gases do efeito estufa do setor siderúrgico. “Estamos carentes de políticas públicas e bons projetos, como o do professor Nilton, que possam elevar o setor de produção de carvão vegetal para um nível igual à produção de etanol”, diz Rocha.

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