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Proteínas recombinantes

Reagentes da saúde

Empresa investe no desenvolvimento de insumos para a pesquisa científica

Eduardo CesarRepresentação da molécula de DNA: matéria-prima para confecção de reagentes e proteínas recombinantesEduardo Cesar

Se as próximas etapas do estudo conduzido pela bióloga molecular Dulce Elena Casarini correrem conforme o programado, o primeiro kit para diagnóstico preventivo de hipertensão feito a partir de um exame de urina deverá ser colocado no mercado no próximo ano. A concretização do método, não invasivo, é o coroamento de um trabalho iniciado há mais de 10 anos, quando Dulce, professora do grupo de Nefrologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), identificou uma nova forma da enzima conversora de angiotensina I (ECA) que funciona como marcador biológico da pressão alta. Seus estudos revelaram que animais hipertensos, ou com predisposição para desenvolver a hipertensão, secretam na urina a ECA de peso molecular 90 kDa (quilodáltons, unidade de massa atômica). O kit está sendo desenvolvido em conjunto com a Proteobras, uma empresa de biotecnologia sediada em Paulínia, no interior de São Paulo, comandada pelo engenheiro Paulo Roberto Pesquero e pelos irmãos biólogos moleculares, no conselho científico, professores João Bosco Pesquero, da Unifesp, e Jorge Luiz Pesquero, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

A empresa obteve, no ano passado, um financiamento de R$ 280 mil de um projeto do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) da FAPESP, para desenvolver três proteínas recombinantes – produzidas a partir de genes clonados – e seus respectivos anticorpos para uso no kit. A expectativa de Pesquero é que o kit possa contribuir para a sua utilização em programas de políticas públicas. “Uma pessoa que possua o marcador de hipertensão poderá receber orientações sobre como melhorar sua qualidade de vida, adotando uma alimentação adequada, fazendo exercícios e se abstendo do fumo e de bebidas”, afirma Dulce. Segundo ela, um grupo de 1.150 voluntários com e sem história de hipertensão na família fez parte da primeira fase da pesquisa e os resultados obtidos em 2001 (ver em Pesquisa FAPESP n° 69) mostraram a eficiência do kit ao revelar o risco em pessoas com histórico familiar da doença e que apresentavam a ECA de peso molecular 90 kDa na urina. “Estamos terminando a segunda fase desse estudo na qual os mesmos pacientes são avaliados para sabermos quais os que apresentavam o marcador molecular e tornaram-se hipertensos.”

O kit será composto por uma proteína e seu anticorpo capaz de acusar a presença do marcador biológico da hipertensão e poderá ser usado no diagnóstico preventivo de lesões renais, principalmente as que ocorrem nos túbulos renais, estruturas microscópicas que integram o sistema de filtragem dos rins. Esse diagnóstico, segundo Dulce, é “importantíssimo” para o paciente diabético e auxiliará os médicos no tratamento precoce do rim para que a pessoa não desenvolva a chamada nefropatia diabética, que pode levar à insuficiência renal. “Essa nova função para o nosso kit é resultado de um trabalho finalizado recentemente e cujos resultados nos surpreenderam”, diz a bióloga. Uma patente sobre o kit já foi depositada nos Estados Unidos e nos principais países europeus e também, desde 2001, no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).

Nos laboratórios da Proteobras, cujo faturamento anual é de R$ 200 mil, produzindo reagentes para a rotina de laboratórios que trabalham com proteínas e DNA, o desenvolvimento do kit diagnóstico encontra-se em estado avançado. “Nosso objetivo é produzir uma molécula que reconheça essa enzima conversora de angiotensina I, como se fosse um anticorpo. Mas para desenvolver essa molécula – que é uma proteína recombinante – é preciso, antes, ter grandes quantidades da enzima. Esse material é produzido em laboratório por técnicas de clonagem”, afirma João Bosco. “Já clonamos a enzima conversora e agora estamos na fase de expressão e purificação. Em seguida, iniciaremos a produção dos anticorpos para uso no kit.”

Eduardo CesarProtótipo do kit composto com proteína recombinante que funciona como marcador da hipertensãoEduardo Cesar

Insumos inovadores
O desenvolvimento do kit de diagnóstico para hipertensão é um dos projetos da Proteobras, empresa criada em 2004, em Mogi das Cruzes (SP), para suprir o mercado brasileiro com proteínas recombinantes de interesse socioeconômico e comercial e que, até então, eram apenas importadas. Passados sete anos, esse mercado ainda é incipiente no país e poucas empresas nacionais dominam a tecnologia de produção. No mundo, o mercado relacionado a reagentes, que incluem as pesquisas com proteínas, DNA e biologia celular, totaliza US$ 42 bilhões por ano e deve atingir os US$ 81 bilhões em 2016, segundo estudo publicado em abril deste ano pela empresa norte-americana BCC Research de pesquisa de mercado.

“O Brasil é um mercado enorme, mas reprimido. É difícil estabelecer seu tamanho, uma vez que todas as áreas de conhecimento, setores da economia e atividades envolvendo humanos e outros animais podem fazer uso desses produtos”, diz João Bosco. Proteínas recombinantes têm aplicação nos campos da saúde, biologia, bioquímica, biotecnologia, microbiologia e agricultura, entre outros. Laboratórios de análises clínicas usam o material em diversos exames e tratamentos de certas enfermidades genéticas como doenças ligadas ao processo de coagulação de hemofílicos e erros inatos do metabolismo. “Outro fator que limita o uso de recombinantes é a dificuldade de obtenção e purificação da proteína. O processo possui várias etapas e elevado grau de dificuldade”, diz João Bosco. Para ele, “o país tem hoje um número muito pequeno de profissionais experientes em técnicas que envolvem proteínas, o que dificulta avanços no setor”.

A Proteobras já domina o processo de produção, que se inicia com a definição da proteína de interesse que se pretende produzir. O primeiro passo é o isolamento do DNA a ser empregado que pode ser extraído do sangue ou da saliva de uma pessoa que tenha a proteína. Em seguida, é preciso multiplicar o número de cópias desse DNA – processo chamado pelos cientistas de amplificação – com uso da técnica de reação em cadeia da polimerase (PCR, na sigla em inglês). Feito isso, pode-se iniciar a clonagem do DNA, que é inserido em um vetor de clonagem ou expressão, originando um vetor recombinante. O vetor é uma espécie de matriz molecular que serve de suporte para o DNA de interesse. Esse vetor recombinante é inserido dentro de um organismo – uma bactéria, uma levedura, uma célula de mamífero, de inseto ou de planta –, que funcionará como um biorreator, onde a proteína será produzida – ou expressada, no jargão científico. A escolha do organismo depende de fatores como quantidade, custo, o tipo de molécula que se quer clonar e a sua aplicação. O organismo é, em seguida, colocado numa placa com antibiótico que irá matar aqueles que não incorporaram o DNA, restando apenas os organismos positivos, resistentes ao antibiótico. Essa é a etapa de seleção. Os clones positivos são isolados e multiplicados em um meio de cultura. No final do processo, o organismo expele a proteína e os cientistas procedem à purificação da substância. “Essa é a parte mais importante do processo, que pode ser feita separando a proteína por tamanho ou por carga elétrica, entre outros métodos”, explica o professor da Unifesp.

drümAlém de moléculas ainda em desenvolvimento, a Proteobras começará a comercializar, em novembro, dois novos produtos para a comunidade científica: uma polimerase de DNA e um padrão de massa molecular de DNA. A polimerase é uma enzima de interesse biotecnológico com aplicações em diagnósticos, usada tanto no processo de amplificação do DNA – durante a produção de proteínas recombinantes –, por exemplo, como em testes de paternidade e outros exames moleculares feitos por laboratórios de análises clínicas e hospitais. O padrão de massa molecular também é empregado no desenvolvimento de proteínas recombinantes e serve para indicar se o tamanho do fragmento do DNA a ser clonado e selecionado pelo pesquisador está correto, portanto de ampla aplicação na biologia molecular. Segundo João Bosco, esse insumo não era, até então, fabricado no Brasil.

Para viabilizar o desenvolvimento de novas moléculas, a Proteobras tem contado, desde a sua criação, com recursos de órgãos de fomento à pesquisa. O primeiro financiamento público, obtido em 2005, foi um Pipe no valor de R$ 75 mil, cujo objetivo era estabelecer um protocolo de produção do hormônio folículo estimulante (FSH) bovino para aplicação em superovulação, técnica que visa ao aumento e à melhora do rebanho. Em 2009, a empresa obteve um financiamento de R$ 390 mil do Programa Subvenção Econômica da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) para criar um protocolo de produção de algumas proteínas recombinantes e desenvolver estudos de caracterização de proteínas.

Com forte espírito empreendedor, João Bosco Pesquero também colabora na montagem da empresa Exxtend, criada em outubro deste ano em parceria entre a Proteobras e o grupo alemão K&A. O objetivo do novo empreendimento é oferecer um reagente básico, chamado oligonucleotídeos muito usado por pesquisadores em biologia molecular e diagnósticos na área da saúde. Seus principais usuários são laboratórios de pesquisa, clínicas médicas, hospitais, institutos de pesquisa e laboratórios privados. A empresa alemã, presente em 80 países, é a segunda maior produtora do insumo no mundo. Ela entrou com a tecnologia e forneceu parte dos equipamentos utilizados na síntese de oligonucleotídeos. “Hoje não temos empresa produtora de oligos no país, apenas representantes de grupos estrangeiros. Esses reagentes são importados da Europa, dos Estados Unidos e da Ásia, levando, em média, de 15 a 20 dias para chegar às mãos dos pesquisadores.” A Exxtend vai disponibilizar o produto em pequenos frascos via correio em cerca de dois dias para seus clientes. De acordo com João Bosco, não existem dados precisos sobre o mercado de oligonucleotídeos no Brasil, mas estimativas apontam que a demanda pelo reagente seja da ordem de 200 mil a 300 mil unidades anuais. Se todo esse material for comercializado, a empresa alcançará um faturamento de R$ 7 milhões – cada oligo custa cerca de R$ 25. “Com a Proteobras e a Exxtend, pretendemos produzir diversos insumos para a pesquisa no país que atualmente só são importados”, diz João Bosco.

O Projeto
Desenvolvimento de kit diagnóstico de hipertensão através de marcadores moleculares envolvendo enzima conversora de angiotensina e isoformas (nº 2009/51574-1); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Co­or­de­na­dor Paulo Roberto Pesquero – Proteobras; Investimento R$ 280.000,00 (FAPESP)

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