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Resenhas

Entre os salões e as salas de aula

Diplomacia e academia | Gelson Fonseca Junior | Funag 246 páginas, R$ 42,00

Desde os tempos do barão que diplomacia é sinônimo de conhecimento. Há quem diga que foi a familiaridade de Rio Branco com mapas e com o passado obscuro de nossos vizinhos a responsável pelo seu sucesso em questões fronteiriças, mais do que a realidade dos fatos. O barão, aliás, fazia questão de cercar-se das melhores cabeças do seu tempo para tomar decisões de política externa. Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, Graça Aranha, Euclides da Cunha, entre outros, eram chamados a opinar ainda que sem serem diplomatas de carreira. A sabedoria continuou marcando a história do Itamaraty, até hoje visto como o lugar por excelência para se exercer a política externa nacional, apesar da instituição recente da diplomacia presidencial. Mas a globalização atropelou o ritmo polido do passado. O Ministério das Relações Exteriores agora é obrigado a consultar a sociedade e, como nos tempos do barão, contar com a colaboração de especialistas, na medida em que as negociações envolvem cada vez mais fatores técnicos que fogem ao escopo de aprendizado dos diplomatas.

Mas há 30 anos era uma temeridade imaginar o círculo cerradíssimo do Itamaraty abrindo suas portas para o mundo externo da realidade interna. Ainda assim, o diplomata Gelson Fonseca Junior teve a ousada intuição de avisar a Casa que os tempos estavam para mudar e, com eles, o próprio Itamaraty. Em sua tese, que apresentou no âmbito do Itamaraty, Diplomacia e academia, um estudo sobre a política externa brasileira na década de 1970 e sobre as relações entre o Itamaraty e a comunidade acadêmica, que acaba de ser lançado em livro pela Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), o futuro embaixador, antes do impacto da globalização e em pleno regime militar, afirmava a necessidade da integração entre os dois universos, tendo como objetivo a democratização da política externa, uma questão ainda hoje polêmica entre os diplomatas.

Gelson foi conselheiro diplomático da Presidência da República do Brasil (1990-1991 e 1995-1999), representante permanente do Brasil junto às Nações Unidas (1999-2003), embaixador em Santiago (2003-2006), cônsul-geral em Madri (2006-2009) e é professor do Instituto Rio Branco e colaborador do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais da Uerj (PPGRI-Uerj). Esse seu presente universitário, aliás, é prova cabal de que suas opiniões do passado eram válidas. Mas quando as defendeu o ensino de relações internacionais engatinhava nos meios acadêmicos e não havia, como agora, a intensa proliferação de cursos sobre o tema. Tampouco havia grande simpatia federal com a democratização da política externa ou o interesse atual do público sobre sua condução. Mas Gelson já preconizava: “Em termos ideais, o fortalecimento da democracia supõe que os diversos setores da sociedade civil tenham interesse e capacidade para dialogar com o Estado e moldar as decisões em todo o espectro das atividades governamentais”. Segundo ele, foi o discurso acadêmico sobre a diplomacia brasileira o primeiro a defender a necessidade de ampliar a participação civil no processo de formulação diplomática. Longe de ver os novos estudiosos da diplomacia como uma ameaça, Gelson afirmou ao Itamaraty que eles eram uma influência positiva a ser apoiada, mesmo quando críticos.

Seu ponto de vista convidava a instituição a tomar uma posição: rejeitar o processo, que ele vê como irrefreável; ou fazer da academia um interlocutor, um parceiro necessário.

A junção afirmaria que a instituição defendia o modelo democrático. O novo interlocutor não restringiria a autonomia da Casa, mas ampliaria a participação social em suas decisões, traria mais interlocutores da sociedade civil, um movimento que, previa Gelson, seria necessário para legitimar a política externa. “Não haverá boa política externa sem uma chancelaria que saiba convencer internamente, que pratique política de raízes sociais firmes.” Mesmo que não concordasse, o barão ficaria satisfeito com um conselheiro desses, dono de uma visão tão precisa do futuro.

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