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Oceanografia

Diário relata a 1ª missão do Alpha-Crucis

Missão da embarcação recém-adquirida é de coletar dados para pesquisas sobre a cirulação de calor no Atântico

Chico Vicentini

Pesquisadores realizam o primeiro lançamento de Rosete equipada com CTD Seabird 911-Plus nas águas do Atlântico Sul, em 5 de dezembroChico Vicentini

O primeiro cruzeiro internacional do navio de pesquisa oceanográfica Alpha-Crucis, recém-adquirido para uso das universidades paulistas com financiamento da FAPESP, foi classificado como uma missão bem-sucedida pelo professor Edmo Campos, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), que liderou uma equipe de 20 pesquisadores de Brasil, Argentina e Estados Unidos. O passo-a-passo da missão foi detalhado pelo diário de bordo mantido pelo líder do grupo de cientístas.

Apesar de algumas dificuldades – a equipe enfrentou um temporal e alguns problemas técnicos –, todas as atividades programadas foram realizadas. Os cientistas fizeram medições e instalações de equipamentos no fundo do mar, em pontos específicos, para determinar eventuais variações na circulação de calor no Atlântico Sul.

A embarcação, que partiu do Porto de Santos no dia 1º de dezembro e retornou em 16 de dezembro,seguiu até o ponto de longitude 42 graus oeste e latitude 34.5 graus sul, a cerca de 1.400 quilômetros da costa, voltar até o litoral do Brasil, na divisa com o Uruguai, e dali retornando a Santos.

Confiram abaixo o relato feito pelo professor da USP Edmo Campos:

Terça, 4 de dezembro – Churrasco a bordo
Na tarde do dia 4, foi realizado um churrasco a bordo, preparado por uma dupla com grande experiência no assunto: Osmar Moller, da Furg (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), e Alberto Piola, da Universidade de Buenos Aires, Argentina. O assado foi feito no convés superior, com o navio em movimento devido ao excelente bom tempo.

Quarta, 5 – Testes do cabo do CTD
Ao chegar ao ponto da primeira estação, a primeira atividade foi desenrolar todo o cabo eletromecânico do CTD-Rosete, usando uma poita (peso) de cerca de 200 quilos para em seguida rebobiná-lo sob tensão. Essa era uma operação necessária, pois pela primeira vez o cabo seria utilizado em uma estação profunda: antes de fazer o trabalho com o instrumento (custo superior a US$ 150 mil), era preciso assegurar que o cabo e o guincho seriam capazes de funcionar a contento e suportar o peso do equipamento.

Durante essa operação constatou-se que o guincho do CTD apresenta vários problemas sérios, que deverão ser corrigidos o mais rápido possível. Por exemplo, o mecanismo de alinhamento, parte fundamental para assegurar o enrolamento correto do cabo, não funciona adequadamente. Também se verificou problemas no freio hidráulico e vários outros pequenos ajustes que deverão ser feitos para evitar problemas como o que viria acontecer no segundo lançamento do aparelho.

Ainda no dia 5 foi feito o primeiro lançamento do sistema CTD-Rosete do Alpha-Crucis. Apesar dos problemas com o guincho, a operação ocorreu com o maior sucesso. A profundidade local era de cerca de 4.800 metros e o tempo total de descida e subida do equipamento foi de cerca de 3 horas e meia. Alem da perfilagem vertical com o CTD, foram coletadas amostras de água em 24 profundidades diferentes para análises químicas e biológicas. A maior parte das amostras são analisadas ainda a bordo, com a participação dos alunos de pós e de graduação.

Quinta, 6 – Primeiro incidente com o CTD
Na manhã do dia 6 foi alcançado o ponto de localização de uma das PIES da NOAA, lançadas em 2009. A operação consistiu em recuperar o equipamento e relançar outro, com baterias suficientes para um novo período de até 5 anos. O trabalho de recuperação/relançamento consiste das seguintes fases: (1) liberação do aparelho de sua âncora por meio de um sinal acústico; (2) localização e recuperação para bordo; (3) lançamento da unidade previamente preparada para substituir a que foi recuperada. O procedimento levou cerca de cinco horas e meia. Nesse período o navio deve ficar completamente à deriva, com as máquinas paradas para evitar que ruídos dos motores interfiram na comunicação acústica com a eco-sonda.

Após o termino dessa operação deu-se início à descida do CTD-Rosette para a obtenção do perfil de Temperatura e salinidade, que além de outras finalidades serve também para a calibração da PIES. Ao contrário do primeiro lançamento no dia anterior, durante a operação ocorreu uma eventualidade que poderia ter se tornado altamente desastrosa. Devido aos problemas já identificados com o guincho no dia anterior, em um dado momento o cabo de aço saiu da polia e ficou preso entre esta e o suporte lateral, impedindo o recolhimento do equipamento. Pode-se fazer uma idéia do desespero em saber que a qualquer momento o cabo poderia se partir e o equipamento todo ir para o fundo do oceano, a mais de 4.500 metros de profundidade.

Após 5 horas de muito esforço e engenhosidade, a equipe de técnicos e pesquisadores juntamente com a tripulação, conseguiu trazer o equipamento de volta ao convés e refazer a terminação do cabo, uma vez que ele ficou avariado e teve que ser cortado a cerca de 20 metros da ponta. Em seguida o CTD foi lançado novamente e desta vez a operação foi bem sucedida.

Nessa estação foram também lançados um XBT e um balão radio-sonda.

Ao final do dia 6, como que para aliviar um pouco as tensões, chegou por e-mail a notícia de que o pesquisador-chefe, Prof. Edmo Campos, havia sido eleito membro efetivo da Academia Brasileira de Ciências. Na falta de algo mais apropriado, foi feito um brinde com guaraná e coca-cola.

Sexta, 7 – Lançamentos de XBTs, radiosondas e CTD
O terceiro dia de operações transcorreu normalmente, com a realização de todas as atividades previstas.

Sábado, 8 – Lançamento da Primeira C-PIES
Pela manhã foi alcançado o ponto previsto para o fundeamento da primeira C-PIES (46.1W, 34.5S). A primeira parte do trabalho consistiu no levantamento acurado da profundidade local (4731 metros), com o uso do ecobatímetro do navio. A seguir, foi preparada a linha de fundeio, consistindo dos seguintes componentes: base, com um peso de 100 kg; a PIES, presa por um liberador acústico na base; um cabo condutor encapado de 50 metros, conectando a PIES a um sensor de corrente Aanderaa, baseado em efeito Doppler. O correntômetro, por sua vez, é preso por um cabo de nylon de 5 metros, preso a uma bóia de sustentação; e finalmente um cabo de nylon de 50 metros, na extremidade do qual é colocado uma pequena bóia de recuperação.
A C-PIES foi lançada ao mar por volta do meio-dia do dia 8. Com uma velocidade de queda da ordem de 60 m por minuto, o equipamento levou um pouco mais de uma hora para atingir o fundo do oceano. Durante a operação o navio deve permanecer com as máquinas desligadas, para possibilitar o acompanhamento da queda e, após atingido o fundo, verificar o funcionamento do instrumento.

Após a constatação de que tudo correu de acordo, foi realizado um perfil com o CTD, para a futura calibração dos dados medidos pela C-PIES. Foram também lançados um XBT e um balão meteorológico.

Sábado, 8 – A Tempestade
Conforme já era esperado, com base nas previsões meteorológicas e de ondas, no início da tarde do dia 8 as condições de tempo começaram a piorar. Por volta das 15h já tínhamos condições de mar com ondas de amplitude até 3 metros, o que impediu a realização da estação de CTD prevista para o ponto 46.75W, 34.5S.

Com as condições de mar adversas, decidiu-se navegar até a próxima estação, onde com um pouco de dificuldade na madrugada do dia 9/12 foi realizada a recuperação e lançamento da segunda PIES.
Como, novamente, não foi possível o lançamento do CTD, a opção foi continuar lançando XBTs e balões meteorológicos. Nesta estação, aliás, o vento já estava tão forte que três tentativas de lançamento de rádio-sondas falharam.

Apesar do temporal, conseguimos ainda no dia 8 fazer o lançamento da segunda C-PIES, no ponto 48.5W, 34.5S.

No final da tarde do dia 8 as condições de mar atingiram a classificação “Mar 8”, com ondas de cerca de 5 metros, com rajadas de vento SW de mais de 40 nós. Com essas condições tomou-se a decisão de alterar o roteiro do cruzeiro, dirigindo o navio até o que seria a última estação, próximo ao farol do Abardão, na costa do RS.

Domingo, 9 – Albardão
A decisão de navegar para oeste foi acertada, já que a tempestade se movia de oeste para leste. Após uma noite das mais severas, no final da tarde do dia 9 alcançamos a estação ao largo do Albardao, no RS. Nessa região o mar estava bem mais calmo e foi dado início imediatamente à sequência de estações costeiras, navegando em sentido oposto (de oeste para leste).
Essa mudança nos planos teve um lado proveitoso. Vários dos celulares a bordo conseguiram se conectar muitos dos participantes puderam falar com pessoas em terra com os seus telefones.

Segunda, 10 – De volta ao Mar Profundo, novo acidente com o cabo do CTD
Das 20h do dia 9 até o amanhecer do dia 10 foram realizadas, sem maiores problemas, todas as estações sobre a plataforma continental. Por volta das 12:00 horas do dia 10, ao realizar uma estação na quebra da plataforma continental (profundidade da ordem de 200m), novamente tivemos problema com o CTD. O cabo uma vez mais escapou da polia e se prendeu entre esta e o suporte.

Cerca de 4 horas foram necessárias para trazer de volta o CTD, utilizando o mesmo sistema de recuperação desenvolvido no evento anterior, e refazer a terminação do cabo. Cerca de 60 metros de cabo tiveram que ser sacrificados desta vez.

Recuperado o cabo, as operações foram continuadas, incluindo a recuperação e relançamento bem sucedido da quarta PIES, em 51.5W, 34.5S.

Terça, 11 – Lançamento da terceira C-PIES e continuidade das estações de CTD
Durante a noite do dia 10 ao dia 11 foram realizadas três estações de CTD no talude continental. Por volta das 9:00 do dia 11 da manhã chegamos ao local de fundeio da terceira e última C-PIES, em 50.31W, 30.5S. Lançamento realizado com o maior sucesso, apesar das condições de mar serem ainda um tanto adversas.

Quarta, 12 – Retorno ao Porto de Santos
Após o lançamento bem-sucedido da 3a C-PIES, com a melhora do tempo o navio continou singrando para leste, realizando algumas das estações que haviam sido canceladas por causa do temporal. Ao final do dia 12, o navio iniciou seu retorno ao Porto de Santos.

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