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Meio ambiente

Amazônia: cientistas estudarão os últimos 20 milhões de anos

Grupo de pesquisadores deu início a um Projeto Temático para reconstruir a origem e a distribuição dos organismos na Amazônia

Grupo de pesquisadores deu início a um Projeto Temático para reconstruir a origem e a distribuição dos organismos na Amazônia

Agência FAPESP – A origem e as transformações pelas quais passou a megabiodiversidade da Amazônia ao longo de milhões de anos são questões que intrigam muitos biólogos, em diferentes partes do planeta.

Na tentativa de respondê-las, foram lançadas diversas hipóteses nas últimas décadas. Muitas delas, no entanto, não passaram pelo escrutínio científico em razão da escassez de dados paleológicos (fósseis) e de evidências geomorfológicas. Agora, especialistas das mais diversas áreas – incluindo paleoecologia e arqueologia – investigam o tema.

Um grupo internacional de pesquisadores, liderado por brasileiros e norte-americanos, deu início a um Projeto Temático para reconstruir a origem e a distribuição dos organismos na Amazônia nos últimos 20 milhões de anos.

O projeto é apoiado pela FAPESP e pela National Science Foundation (NSF) no âmbito de um acordo que prevê o desenvolvimento de atividades de cooperação entre os programas “Dimensions of Biodiversity” (NSF) e BIOTA-FAPESP. O estudo também conta com o apoio da agência espacial dos Estados Unidos, a Nasa.

“Há muito interesse por parte de paleoecologistas como eu – que estudam a ecologia no passado a partir de pólens fósseis – em relação a questões como a origem da biodiversidade da Amazônia, o que ocorreu na floresta durante e depois do Último Máximo Glacial [ocorrido há aproximadamente 20 mil anos], as mudanças surgidas no bioma no Holoceno médio [há 6 mil anos] e se a floresta era intocada ou foi um ambiente altamente domesticado nas eras pré-colombianas [antes de 1492]”, disse Frank Mayle, professor da Universidade de Edimburgo, na Escócia, durante o simpósio “The assembly and evolution of the Amazonian biota and its environment”, na sede da FAPESP, em São Paulo.

Realizado no dia 4 de março, o evento serviu como reunião preparatória dos pesquisadores integrantes do projeto e foi aberta ao público. Entre os dias 5 e 8 de março, os especialistas voltaram a se reunir na Fundação, a portas fechadas, para definir os detalhes do andamento da pesquisa.

De acordo com Mayle, uma das hipóteses apresentadas nas últimas décadas para explicar a grande biodiversidade amazônica foi a “Teoria dos Refúgios”. Proposta pelo ornitólogo e biogeógrafo alemão Jürgen Haffer (1932-2010) em um artigo publicado na Science em 1969, a teoria defendia que durante os períodos glaciares algumas áreas da floresta amazônica se tornaram secas. Por causa disso, formaram-se diversos fragmentos florestais – separados uns dos outros por áreas de savana – que teriam servido de refúgio para diversas populações de animais.

Durante o período de isolamento geográfico (vicariância), essas populações de animais “sem floresta” evoluíram longe de seus semelhantes e sofreram especiação geográfica (alopátrica). Quando retornava o período úmido, as regiões abertas voltavam a apresentar vegetação e os fragmentos florestais se conectavam novamente, permitindo que estendessem sua distribuição.

A teoria, contudo, não se sustentou por falta de dados paleológicos, explicou o especialista. “A Teoria dos Refúgios gerou um paradigma para os biólogos, mas faltavam dados paleológicos e precisávamos de mais evidências geomorfológicas para testar suas hipóteses”, disse Mayle.

“A teoria não passou por um escrutínio científico e hoje a maioria de nós não dá muito mais crédito para ela”, afirmou. Segundo o pesquisador, os primeiros dados de paleovegetação da bacia amazônica foram fornecidos por Paul Colinvaux, em um artigo publicado também na Science em 1996 e contradisseram a Teoria dos Refúgios.

Colinvaux achou registros de florestas de umidade contínua onde se achava que fosse área de savana no Último Máximo Glacial, quando a temperatura média do planeta era cinco graus mais fria do que a atual. “Isso levou muitos de nós, paleoecologistas, a inferir que a Teoria dos Refúgios estava incorreta”, afirmou.

Questões em aberto
De acordo com o pesquisador, uma pergunta ainda sem resposta sobre a Amazônia é: que tipo de floresta tropical existia na região no Último Máximo Glacial? Para respondê-la, estão em curso esforços para tentar modelar a extensão de floresta úmida e de floresta seca na época. A qualidade dos dados disponíveis, no entanto, representa um dos principais gargalos para esclarecer as dúvidas.

“As controvérsias sobre a Amazônia no Último Máximo Glacial resultam do conjunto de dados dos quais dispomos”, disse Mayle. “Há poucas informações; o desafio é identificar qual escala espacial e o tipo de cobertura florestal que correspondem ao perfil de paleodados mais antigos. Por isso, somos forçados a fazer extrapolações e trabalhar com modelagem de vegetação.”

Outra pergunta que move os pesquisadores é o que ocorreu na Amazônia no Holoceno médio, quando as condições climáticas eram muito mais secas do que em outros períodos e já havia presença humana na região – e a ocorrência de ações como queimadas.

“Olhar para o que ocorreu na Floresta Amazônica no Holoceno pode nos dar alguma ideia do que pode acontecer na região no futuro”, avaliou Mayle.

Já a linha de interesse de pesquisa mais recente, segundo o pesquisador, é sobre o uso da terra na região no período pré-colombiano – questão que envolve tanto ecologia como arqueologia.

“Há argumentos de que quando os europeus chegaram à região eles se depararam com uma selva virgem. Mas há dados arqueológicos que nos mostram que o uso da terra na Amazônia nessa época não era apenas para agricultura de pequena escala”, disse Mayle.

“Nós vemos traços de uso da terra na Amazônia no período pré-colombiano, na Guiana Francesa e na Bolívia”, exemplificou. Os pesquisadores também querem saber se o aumento da atividade humana, do fogo e do uso de espécies economicamente importantes para os habitantes da região no período pré-colombiano e no Holoceno influenciaram a composição da biodiversidade.

“Não podemos descartar a hipótese de que parte da biodiversidade da Amazônia pode estar relacionada a fatores antropogênicos [desencadeados pela ação humana]”, afirmou.

“Quando falamos da porcentagem da biota que seria antropogênica, é difícil distinguirmos quais espécies são de ocorrência natural e quais foram economicamente importantes e surgiram em função da presença humana. Essa é uma das razões pelas quais pretendemos trabalhar com arqueólogos nesse projeto para tentarmos integrar diferentes linhas de evidências”, explicou.

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