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Laboratório

Em busca de alvos terapêuticos, cientistas mapeiam rede de interação gênica

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) estão usando essa estratégia para estudar o cérebro de pessoas com uma forma de epilepsia resistente aos medicamentos hoje disponíveis

Pesquisadores estão aplicando na área de genômica uma ferramenta que surgiu na Física há muito tempo: análise de redes complexas

Wikimedia Pesquisadores estão aplicando na área de genômica uma ferramenta que surgiu na Física há muito tempo: análise de redes complexasWikimedia

Agência FAPESP – Descobrir como os genes de um determinado tecido do corpo humano se comunicam, e o que muda nessa rede de interação gênica quando uma pessoa fica doente, permite não apenas compreender melhor o mecanismo molecular das enfermidades como também identificar alvos terapêuticos para o desenvolvimento de novas drogas.

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) estão usando essa estratégia para estudar o cérebro de pessoas com uma forma de epilepsia resistente aos medicamentos hoje disponíveis. Também estão usando o método para entender o desenvolvimento do timo, órgão de grande importância para o sistema imunológico, com o objetivo futuro de descobrir como as doenças autoimunes e as imunodeficiências se instalam.

“Estamos aplicando na área de genômica uma ferramenta que surgiu na Física há muito tempo: análise de redes complexas. Isso permite mapear de maneira precisa os genes mais importantes e aqueles que têm mais ligações com outros genes”, contou Carlos Alberto Moreira-Filho, da Faculdade de Medicina (FMUSP).

A análise é feita com uma amostra milimétrica do tecido a ser estudado. Os cientistas extraem o RNA mensageiro presente no fragmento e, por meio de análises estatísticas, mensuram quais genes estão mais ou menos expressos no local.

“Nossos genes são os mesmos em qualquer parte do corpo. O que diferencia uma célula da retina de uma do epitélio ou da mucosa gástrica é o conjunto de genes que está sendo expresso e a rede de interação entre eles. Por meio de análises estatísticas par a par, é possível perceber quando a expressão de um gene aumenta ou diminui e quem sobe ou desce com ele. Assim mapeamos a rede de interação”, explicou Moreira-Filho.

Essa análise permite identificar dois tipos de genes-chave em um tecido: os HUBs – aqueles que têm um número grande de ligações com outros genes – e os VIPs – que, embora não tenham muitas ligações, funcionam como uma ponte entre os genes do tipo HUB.

“Identificar quem é VIP e quem é HUB não é mera curiosidade estatística. É extremamente importante em termos de função biológica. O gene HUB está relacionado a uma via metabólica importante e o VIP é responsável por unir duas ou mais vias metabólicas em um processo”, disse o pesquisador.

Os softwares desenvolvidos para essas análises podem, segundo Moreira-Filho, ser usados para estudar doenças em qualquer parte do corpo. Servem ainda como ferramenta para estudos de genômica funcional de microrganismos, plantas e animais, levantando informações úteis para pesquisas que busquem, por exemplo, o melhoramento genético.

O trabalho vem sendo realizado no âmbito do projeto “Modelos e métodos de e-Science para ciências da vida e agrárias”, coordenado por Roberto Marcondes Cesar Junior, do Instituto de Matemática e Estatística (IME-USP), e conta com a colaboração do grupo liderado por Luciano Fontoura da Costa no Instituto de Física de São Carlos (IFSC-USP).

O projeto é financiado pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio do Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex).

Sinapse
As análises relacionadas à epilepsia, porém, começaram antes mesmo do Pronex – no âmbito de um Projeto Temático coordenado por Moreira-Filho. O objetivo era entender por que alguns pacientes com a forma mais comum da doença – chamada de epilepsia do lobo temporal mesial – não respondem ao tratamento medicamentoso.

“Estimamos que um terço dos indivíduos afetados por esse tipo de epilepsia no mundo seja refratário às drogas existentes, algo em torno de 10 milhões de pessoas”, contou o pesquisador.

Esses pacientes chegam a ter várias crises por semana, o que pode causar importante comprometimento da qualidade de vida, além do risco de morte súbita. Atualmente, a única opção nesses casos é remover cirurgicamente a parte do hipocampo afetada – procedimento difícil, caro, invasivo e ao qual poucos têm acesso.

“O ideal é encontrar uma solução medicamentosa, mas para isso precisamos entender melhor o mecanismo da doença. E uma das maneiras mais interessantes de fazer isso é pelo estudo das redes de interação gênica”, afirmou Moreira-Filho.

No início, os pesquisadores usavam softwares mais simples, capazes apenas de mapear a rede de genes diferencialmente expressos – aqueles que estão se expressando de forma diferente por causa de um estímulo do ambiente, como febre ou trauma. Nessa época, a rede tinha entre 200 e 400 genes. Agora, graças aos softwares mais complexos, são cerca de 15 mil, o que corresponde a praticamente todos os genes expressos nessa região do hipocampo.

“Hoje a gente sabe com certeza que ser diferencialmente expresso não é a única razão da relevância de um gene em uma doença. Às vezes isso é uma consequência do padrão de relacionamento dos genes que mudou. Percebemos que os genes diferencialmente expressos são um elemento de perturbação da rede. Para saber onde intervir, é preciso conhecer a rede toda”, contou Moreira-Filho.

As investigações iniciais na área de epilepsia do lobo temporal mesial já resultaram em um trabalho publicado na revista PLoS One. No artigo, os pesquisadores mostram que, dependendo do estímulo que desencadeia a doença, ela adquire um perfil molecular diferente.

“Tem uma forma que resulta de um insulto precipitante febril e outra que resulta de outros tipos de estímulos. São perfis diferentes do ponto de vista molecular e isso é importante para identificar alvos terapêuticos. Já identificamos alguns genes candidatos para estudos com drogas in vitro e em modelos animais”, contou.

As pesquisas com fragmentos do timo ainda estão no começo, mas já foi possível perceber que o padrão de expressão dos genes nesse órgão sofre uma grande alteração a partir dos seis meses de idade e muda novamente a partir de um ano. Os resultados preliminares foram apresentados na 2ª Escola São Paulo de Ciência Avançada em Imunodeficiências Primárias (ESPCA-PID), realizada entre os dias 3 e 8 de março.

“O timo é responsável pelo desenvolvimento da tolerância central, ou seja, ele ensina as células de defesa a não atacar antígenos do próprio organismo. O órgão é grande em recém-nascidos e diminui com o passar do tempo, mas a tolerância se mantém. Queremos entender o que acontece de tão espetacular com o timo nesse primeiro ano de vida”, afirmou Moreira-Filho.

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