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Acelerador de Partículas

Pesquisadores procuram sinais de uma nova Física

Físicos teóricos estão a criar modelos numéricos e simulações para prever os tipos de fenômenos que poderão ser observados no Grande Colisor de Hádrons, na Suíça

Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês), o maior acelerador de partículas do mundo

Wikimedia Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês), o maior acelerador de partículas do mundoWikimedia

Agência FAPESP – Após concluir, em dezembro, a primeira fase de grandes testes experimentais à procura de partículas elementares, o Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês), da Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (Cern), na Suíça, só voltará a realizar esse tipo de experimento em 2015 – quando será aumentada a intensidade dos feixes de raios de prótons e a energia no centro de massa do maior acelerador de partículas do mundo.

Durante o intervalo de dois anos, no entanto, a comunidade internacional de físicos teóricos desenvolverá uma série de modelos numéricos e simulações para prever os tipos de fenômenos que deverão ser observados experimentalmente nos detectores de partículas do LHC a partir de 2015.

Um grupo de pesquisadores do Instituto de Física (IF) da Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, iniciou um projeto de pesquisa Temático, com apoio da FAPESP, para procurar, na nova rodada de experimentos do LHC, sinais de uma nova Física, além do chamado “Modelo Padrão” – teoria construída nos últimos 50 anos que descreve as interações forte, fraca e eletromagnética das partículas fundamentais que constituem toda a matéria.

“Os próximos dois anos serão muitos intensos, tanto na teoria como na simulação, para que em 2015, quando o LHC retomar os experimentos com prótons com maior intensidade e energia, nós já tenhamos nossas previsões concluídas, de modo que os físicos experimentais possam procurar pela nova Física além do Modelo Padrão”, disse Gustavo Alberto Burdman, professor do IF e coordenador do projeto.

Burdman foi um dos palestrantes da Conferência USP sobre Cosmologia, Estruturas de Larga Escala e Primeiros Objetos, realizada nos dias 4 a 7 de fevereiro, em São Paulo.

De acordo com o pesquisador, com o achado no Cern, no início de julho, do bóson de Higgs (partícula subatômica hipotética, postulada em 1964 pelo físico britânico Peter Higgs), se presumiu que o Modelo Padrão da física de partículas teria sido completamente validado.

A teoria do Modelo Padrão e do próprio bóson de Higgs apresentam, contudo, lacunas, segundo Burdman, que levam os físicos teóricos e experimentais a considerar a possibilidade de que exista Física além dela.

“O fato de o bóson de Higgs ter severos problemas de estabilidade e o Modelo Padrão não incluir determinadas partículas que observamos nos levam a acreditar que existe uma nova Física na escala que está sendo estudada pelo LHC”, disse Burdman.

“O aumento da intensidade dos feixes de raios de prótons e da energia nos testes que serão realizados a partir de 2015 no colisor vão nos permitir procurar por essa Física além do Modelo Padrão”, afirmou.

Matéria escura
Ao longo do projeto de pesquisa temático, Burdman e os pesquisadores do IF Renata Funchal e Oscar José Pinto Eboli construirão teorias e simulações que preveem a existência de algumas partículas não descritas no Modelo Padrão. Uma delas é a matéria escura.

Responsável por cerca de 30% da densidade de energia do Universo, a partícula, que recebeu o nome de “escura” por não emitir luz, não está no “radar” do Modelo Padrão de física de partículas.

“O Modelo Padrão não contém nenhum tipo de partícula que pode ser a matéria escura. Por isso, precisamos construir teorias para explicar os problemas apresentados pelo Modelo Padrão relacionados com a matéria escura”, afirmou Burdman.

Uma das principais questões a serem respondidas sobre a partícula, de acordo com o pesquisador, é o que ela realmente é. O que se sabe é que a matéria escura não é composta por partículas que interagem eletromagneticamente, como nêutrons e prótons, detectáveis pelos instrumentos de medição convencionais.

“Nós não fazemos a menor ideia do que seja a matéria escura. Por isso, precisamos estender o Modelo Padrão para termos modelos teóricos que a prevejam”, avaliou Burdman.

Teoria como guia
De acordo com o pesquisador, o que se observa nos testes experimentais com prótons realizados no LHC são sinais de partículas existentes no Modelo Padrão.

Já os sinais de partículas que os modelos construídos pelos físicos teóricos indicam que podem ser produzidas na escala dos experimentos realizados no colisor do Cern – como o bóson de Higgs e a matéria escura – são, no entanto, instáveis em sua maioria e decaem (se dividem) imediatamente após serem produzidos em partículas estáveis observadas nos experimentos. Além disso, estão escondidas por baixo de diversos ruídos produzidos pelo Modelo Padrão, o que impede que sejam visualizadas.

WikimediaGrupo do Instituto de Física da Universidade de São Paulo inicia projeto para prever os fenômenos que deverão ser observados nos experimentos do LHC a partir de 2015Wikimedia

De modo a orientar como os sinais dessas novas partículas podem ser extraídos dos experimentos, os modelos de identidade de física de partículas e as simulações realizadas pelos físicos teóricos devem indicar quais partículas fora do Modelo Padrão podem ser detectadas nas colisões, em quais partículas irão decair, com qual probabilidade e em que direção, entre outras informações.

“Para procurar alguma partícula específica no tipo de experimentos realizados no LHC, é preciso ter uma guia para saber onde e como procurar. E essa guia é a teoria”, explicou Burdman.

Uma vez identificados nos experimentos os sinais e o seu padrão – como a frequência com que ocorrem –, os físicos teóricos reconstroem seus modelos, de modo a certificar se os fenômenos realmente são observados nos experimentos e se vão além do Modelo Padrão.

“Nós, físicos teóricos, falamos o que deve ser procurado nos experimentos e, por sua vez, os experimentais nos dizem o que é observado para que possamos ajustar nossas teorias”, disse Burdman.

“Foi com base nesse diálogo entre os físicos teóricos e os experimentais que o Modelo Padrão de física de partículas foi construído ao longo dos últimos 50 anos e esperamos repeti-lo agora na procura da Física além do Modelo Padrão”, avaliou.

Atualização do cluster de computadores
Para testar e traduzir os modelos desenvolvidos pelos físicos teóricos em previsões com altos níveis de detalhes dos eventos que podem ser observados experimentalmente nos detectores do LHC, é necessário o uso de ferramentas computacionais de alto desempenho para realizar simulações numéricas, explicou Burdman.

As simulações realizadas pelo grupo de pesquisadores do IF da USP – tanto para o LHC como para experimentos com neutrinos (partícula subatômica sem carga elétrica) e matéria escura – são feitas em um cluster de computadores localizado no Departamento de Física Matemática.

O parque de processamento, no entanto, é antigo e deverá ser atualizado por meio do projeto de pesquisa temático realizado com apoio da FAPESP. “O projeto temático deverá nos dar um grande poder de realizar simulações computacionais compatíveis tanto com os primeiros dados do LHC, que começaram a ser divulgados agora, como os que serão gerados a partir de 2015, com as colisões de altas energias”, estimou Burdman.

Dados de mais alta energia
Na primeira fase de testes com prótons, iniciada em 2010, o LHC obteve dados sobre colisões de prótons a uma energia de 8 TeV, em vez de 14 TeV no centro de massa, como previsto inicialmente.

Por causa disso, na avaliação de Burdman, o acelerador de partículas de mais alta energia existente no mundo só começou a realizar agora, de fato, o trabalho para o qual foi concebido.

“O novo estágio do LHC, com maior energia e intensidade do feixe de prótons, permitirá testar tanto partículas com massas maiores do que prevíamos, como também medir com maior precisão as interações do bóson de Higgs com outras partículas conhecidas”, disse Burdman.

Por enquanto, de acordo com o pesquisador, o que se sabe é que há fortes indicações de que a partícula detectada no Cern, em julho, é o bóson de Higgs postulado pelo Modelo Padrão.

Como os dados ainda são muito preliminares, no entanto, as medições das interações da partícula com outras já conhecidas apresentam margens de erro muito grandes, de acordo com o pesquisador.

“Ainda há muito espaço para que as interações do bóson de Higgs sejam não padrão, o que sinalizaria uma nova Física. Mas, para comprovar isso, é necessário realizar medições com maior precisão, como as que o LHC deve possibilitar na próxima rodada de testes experimentais”, indicou.

“Nossa expectativa é que algumas das teorias que desenvolveremos, ou alguma outra que não pensamos, possa ser construída a partir dos dados gerados pelo LHC nos próximos anos”, afirmou.

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