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RESENHAS

Um corpo a corpo com ideias de Candido

Ficção e ensaio - Literatura e história no Brasil | Maria Célia Leonel e José Antonio Segatto | EdUFSCar | 225 páginas | R$ 29,00

Ficção e ensaio. Literatura e história no Brasil Maria Célia Leonel e José Antonio Segatto EdUFSCar 225 páginas, R$ 29,00

Ficção e ensaio. Literatura e história
no Brasil Maria Célia Leonel e José Antonio Segatto EdUFSCar 225 páginas, R$ 29,00

Com o propósito explícito de travejar literatura e história na mesma visada crítica, o livro de Maria Célia Leonel e José Antonio Segatto abarca uma gama rica de assuntos, de Machado a Euclides, a Guimarães Rosa, Chico Buarque, Silviano Santiago e Moacyr Scliar – para culminar com um ensaio reverentemente polêmico sobre a Formação de Antonio Candido.

Com efeito, nas competentes resenhas sobre cada obra e cumprindo o prometido, os autores mobilizam vasta erudição; mas é na “crítica da crítica” que radicam os pontos nevrálgicos. É o caso de “Alegoria e política no sertão rosiano”, abordando ensaios que propõem uma leitura histórico-política do Brasil. Questionando a posição de W. Bolle [grandesertao.br. São Paulo, Duas Cidades, Editora 34, 2004], que, na linha da historiografia alegórica de Benjamin, afirma que o Grande sertão: veredas pode ser lido como um “Retrato do Brasil”, Leonel e Segatto contestam a ideia de que o “sistema jagunço” representa as estruturas atuais do país. Mas: será que os episódios do crime organizado em São Paulo e no Rio, o massacre do Carandiru ou o filme Tropa de elite não mostrariam – e na mais estridente atualidade – o “sistema jagunço” em ação?

Vamos ao capítulo “Formação da literatura e constituição do Estado nacional”, focando o grande livro de Antonio Candido, Formação da literatura brasileira. Momentos decisivos [São Paulo, Martins Ed., 2 v., 2ª. ed.]: o intento dos autores é discutir e redefinir o marco histórico da literatura nacional: ela começaria a ser criada na década de 1830, com a constituição de um Estado nacional. “Se não havia país, Estado nacional, como poderia haver literatura brasileira”? – perguntam – para concluir: “Talvez fosse mais plausível afirmar que, até o século XVIII, o que havia era uma incipiente produção literária colonial portuguesa e que, de meados desse século até as primeiras décadas do XIX, houve uma espécie de pré-história da literatura brasileira”. Contestam assim a tese da Formação, embasada na noção de “sistema”: foi no século XVIII, com o Arcadismo, que em solo pátrio uma literatura se configura.

Retomo as ideias de Antonio Candido: no momento em que se constela um conjunto de produtores literários (Autor), um conjunto de receptores (Público – que lê/ouve) e um veículo transmissor (Obra), numa continuidade de tradição, as produções literárias adquirem características orgânicas de sistema – e isso aconteceu antes da Independência, antes da organização do Estado nacional, constituindo um momento de formação da literatura brasileira, vista como processo.

Na sequência, a reflexão de Leonel e Segatto avança por um outro viés: admitindo numa “digressão” a ideia de sistema, contestam que a literatura formada no século XVIII seja “do Brasil” (que não existia), mas tão somente “de Vila Rica”. Mas, seguindo esse raciocínio, não se poderia falar em Descoberta do Brasil, pois em 1500 o país ainda não existia… Quanto a Vila Rica, o que nela se tecia configura, nos termos de Bourdieu, um campo, necessariamente delimitado, dentro daquilo que mais tarde viria a ser a nação; é só na evolução que o campo vai se estender.

Várias objeções eles ainda elencam, desmerecedoras de uma vida literária nas Minas. A historiadora Laura de Mello e Souza, no livro Cláudio Manuel da Costa [São Paulo, Companhia das Letras, 2011], provê dados instigantes sobre essas questões – também presentes, aliás, ao longo da Formação. Enfim: tudo fica cristalino se, em vez de nos atermos aos Prefácios e à Introdução, mergulharmos nas páginas em que somos confrontados com a força das ideias de Antonio Candido, no corpo a corpo com as obras, analisadas em seu contexto.

Adélia Bezerra de Meneses é professora de teoria literária. Aposentada, continua vinculada à Pós-graduação da USP e Unicamp. Dentre outros livros, é autora de Cores de Rosa. Ensaios sobre Guimarães Rosa (Ateliê, 2011).

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