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Resenha

A ciência e as paixões

Em seu novo livro o compositor Flo Menezes inicia se identificando como “professor de música” e é a partir desse viés acadêmico que analisa o que chama de “mais sublime exercício de abstração e, como tal, a mais difícil das artes”. O título do estudo refere-se justamente à suposta dualidade da música, dividida entre a ciência e as paixões. Mas Menezes diferencia os dois campos: se como uma espécie de matemática as fórmulas da música são sempre aparentemente elementares, o significado e o afeto que cada componente das formulações musicais carrega fazem dessa matemática algo supremo.

“Emocionar-se em ciência significa ter certeza parcial de mais uma etapa conquistada em direção à asserção de sua intuição primeira, enquanto se emocionar em música significa deparar-se com a perplexidade do que será compreendido apenas com o passar dos tempos”, observa. É a intuição que dará o pontapé inicial no jogo da experiência. Nesse embate o compositor passa a ser revisto como “recompositor”. Para isso é preciso lembrar, nota Menezes, que a música, ainda que atividade prazerosa e experimental, tenha seu radicalismo ancorado numa dialética entre o novo e a revisitação do velho, só que num novo contexto.

Isso pode ser verificado no próprio ato de compor que Menezes batiza de “escritura”, para reforçar a ideia de que a composição, como um texto, traz múltiplas referências ao passado e ao presente, em distintos planos de intertextualidade, um conceito que empresta do colega e mestre Luciano Berio. Essa “herança” precisa sempre ser retirada ou “decomposta”, extraindo os sons ou os objetos sonoros, seja pela escrita musical, seja pela especulação nos estúdios eletroacústicos. Dessa forma, de posse desse passado-presente é possível recompor numa nova obra musical.

Nesse contexto, Menezes acredita que a música não admite o supérfluo, o que chama de objeto de consumo obrigatório das sociedades capitalistas. Para ele, seria melhor o silêncio, ou melhor, a escuta dos eventos do mundo, tão interessantes e tão negligenciados diante do massacre auditivo a que somos sujeitos.

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