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Doenças tropicais

Estudo desvenda aspectos importantes para a compreensão da leishmaniose

Atores do sistema imunológico, o inflamassoma e a interleucina 1-beta têm papel central na detecção do parasita

Dois macrófagos (azul) expressando uma das moléculas do inflamassoma (verde) e infectados com Leishmania amazonensis (vermelho)

Dario Zamboni / USPDois macrófagos (azul) expressando uma das moléculas do inflamassoma (verde) e infectados com Leishmania amazonensis (vermelho)Dario Zamboni / USP

Um grupo de pesquisadores brasileiros que busca entender em detalhe os mecanismos de imunidade contra a leishmaniose acaba de conseguir uma contribuição importante. Dario Zamboni, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, e seus colaboradores mostraram o papel de um conjunto de proteínas chamado inflamassoma nessa batalha, em artigo publicado neste domingo (9/6) no site da Nature Medicine. O trabalho foi realizado inteiramente em seu laboratório no interior paulista, no âmbito de um projeto do Programa Jovens Pesquisadores da FAPESP.

A leishmaniose é uma doença silenciosa no que diz respeito à ativação do sistema imunológico. Os protozoários do gênero Leishmania que causam tanto a versão visceral como a tegumentar se alojam dentro das células sem matá-las, e não assolam o organismo inteiro como acontece em muitas infecções bacterianas. “Uma lesão cutânea de leishmaniose pode permanecer por meses sem cicatrizar”, conta o biólogo Dario Zamboni. Em parte por isso, Leishmania é um parasita pouco detectado pelo sistema imunológico.

Já se sabia que uma arma importante usada pelo sistema imunológico é o óxido nítrico, molécula que cumpre uma infinidade de funções no organismo, incluindo a defesa contra micróbios que causam doenças. “Ninguém sabia as vias de sinalização que levam à produção de óxido nítrico durante a leishmaniose”, explica o pesquisador. O estudo coordenado por ele examinou o efeito da infecção por Leishmania em células de defesa (macrófagos) de camundongo in vitro, e também nos animais vivos. Descobriram que a infecção induz a agregação, dentro das células dos roedores, das proteínas que formam o inflamassoma. Este, por sua vez, altera outra molécula importante do sistema imunológico, a interleucina 1-beta (IL-1β), tornando-a ativa. A IL-1β funciona como uma mensageira imunológica: sai da célula e circula até encontrar outra célula infectada, em cuja superfície se liga a receptores que desencadeiam a sinalização para a síntese de óxido nítrico.

O mecanismo funciona, o estudo mostrou, para as espécies Leishmania amazonensis e L. brasiliensis, causadoras da leishmaniose tegumentar, e L. infantum chagasi, responsável pela forma visceral da doença. Em L. major, menos comum no Brasil, o estudo mostrou que os parasitas ativam o inflamassoma, mas esse efeito não é necessário para controlar a infecção. Ainda não está claro o que está por trás dessa diferença.

Apesar de ter estudado apenas camundongos nesse trabalho, Zamboni acredita que o mesmo aconteça em seres humanos. “Outros estudos mostraram que mutações em genes que participam da sinalização por IL-1β também afetam a suscetibilidade à leishmaniose em seres humanos”, explica.

A esperança é contribuir para possíveis tratamentos, mas esse ainda é um objetivo distante no horizonte. Não haverá uma solução simples como cápsulas de IL-1β, inclusive porque desequilíbrios nos teores e no funcionamento dessa molécula estão por trás de uma série de doenças auto-inflamatórias. “Entender a doença, assim como os mecanismos de resistência, é fundamental para se desenvolver uma terapia racional e vacinas contra essa doença”, afirma Zamboni. Nesse caso, ele busca inspiração no que determina o sucesso – ou não – do próprio sistema imunológico nesse combate.

“O trabalho de Dario Zamboni e coautores é daqueles que desatam nós”, comenta Walter Colli, do Instituto de Química da USP (IQ-USP). “Muitos patógenos que infectam células do sistema imune sobrevivem no interior dessas células estabelecendo uma convivência, já que nem destroem o hospedeiro nem são por ele destruídos. O hospedeiro combate o invasor, controlando a infecção. É como se fosse estabelecido um equilíbrio que torna a doença de progressão lenta, ainda que sempre presente.” Em sua avaliação, o trabalho de Zamboni elucida esses mecanismos e dá um passo para compreender como o sistema imunológico combate esse e outros intrusos.

Colli ressalta que Zamboni faz parte de uma linha de pesquisa com destaque no Brasil: fez Iniciação Científica no laboratório de Isaac Roitman na Universidade de Brasília e doutorou-se sob a orientação de Michel Rabinovitch, na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Depois de um pós-doutorado na Universidade Yale com Craig Roy, Zamboni se instalou na Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto. Dois alunos de Zamboni já foram agraciados com prêmios outorgados pela Sociedade Brasileira de Protozoologia (SBPz) por trabalhos apresentados sobre receptores intracelulares presentes nas células do sistema imune que participam da detecção e do controle de Leishmania e de Trypanosoma cruzi, um indício de que a escola de pensamento em que se formou continua a render frutos. “A lista de colaboradores de Zamboni mostra que, em algumas áreas, já temos massa crítica para atuar coletivamente com projetos ousados e inovadores que visem, mais do que a quantidade, a qualidade em nossa produção científica”, avalia o professor do IQ-USP.

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