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Química

A química da infertilidade

Abelhas, formigas e vespas usam mesma classe de compostos para impedir reprodução de operárias

feromônios conhecidos como hidrocarbonetos saturados — é usado pelas rainhas em colônias não só de abelhas, mas também de vespas e formigas como uma espécie de uma sinalização que indica às operárias sua fertilidade, induzindo em alguns casos até mesmo ao não desenvolvimento de seus ovários.

Tom WenseleersRainhas usam feromônios como uma espécie de sinalização que indica às operárias sua fertilidade, induzindo em alguns casos ao não desenvolvimento de seus ovários.Tom Wenseleers

Há tempos se sabe que numa sociedade de abelhas geralmente só a rainha se reproduz. Já os mecanismos responsáveis por essa divisão reprodutiva e de trabalho entre rainhas e operárias por muitos anos foram considerados um dos grandes mistérios da biologia. Hoje já se conhece uma classe de compostos químicos determinante para a organização social das abelhas. Agora, num estudo publicado na revista Science, um grupo internacional de pesquisadores, entre eles brasileiros do Instituto Zoológico da Universidade de Leuven, Bélgica, pode ter dado um passo importante na tentativa de compreender melhor a evolução desse caráter social tão marcante nas colônias.

No estudo, eles verificaram que esse composto químico — feromônios conhecidos como hidrocarbonetos saturados — é usado pelas rainhas em colônias não só de abelhas, mas também de vespas e formigas como uma espécie de sinalização que indica às operárias sua fertilidade, induzindo em alguns casos até mesmo ao não desenvolvimento de seus ovários. O resultado indica que essa classe de compostos tenha se conservado por toda a história evolutiva desses grupos.

Até então, a atuação desses compostos neste grupo de insetos (Hymenoptera) havia sido descrita somente para a abelha melífera (Apis melifera) e a formiga Lasius. No estudo atual, os pesquisadores identificaram esse indutor de esterilidade em representantes de cada um dos grupos. Para isso, selecionaram a vespa comum (Vespula vulgaris), a abelha mamangava-da-cauda-amarelo-claro (Bombus terrestris) e a formiga do deserto (Cataglyphis iberica). “Escolhemos espécies representativas para testar nossa hipótese de que essa classe de compostos atua como feromônio de rainha nos três grupos de insetos”, explica o biólogo Ricardo Caliari Oliveira, atualmente doutorando no Laboratório de Socioecologia e Evolução Social da Universidade de Leuven, coordenado pelo também biólogo Tom Wenseleers.

Após identificarem o composto em indivíduos dos três grupos, os pesquisadores examinaram dados em artigos já publicados descrevendo as diferenças dos perfis químicos de rainhas e operárias. Em seguida, compararam o composto químico que haviam identificado com aqueles usados por outras 64 espécies de abelhas, vespas e formigas cujos perfis haviam sido descritos nos artigos que encontraram. Ao fazerem isso, verificaram que a maioria delas compartilhava da mesma classe de composto químico usado para inibir a reprodução entre as operárias. “E ao reconstruir o que chamamos de estado ancestral desses grupos, verificamos que essa classe de compostos químicos já era utilizada como sinal de fertilidade pelo ancestral solitário de vespas, formigas e abelhas há aproximadamente 145 milhões de anos”, conta o biólogo.

Nas colônias, as operárias utilizam o sinal como um indicativo de que a rainha está fértil e se reproduzindo, sendo mais vantajoso para elas auxiliar no desenvolvimento das irmãs (filhas da rainha) do que se reproduzirem. “É possível que em estágios iniciais do desenvolvimento da sociabilidade, as filhas utilizavam essas pistas químicas para verificar se a rainha era fértil e saudável. Do contrário, elas se reproduziriam por conta própria”, diz Oliveira. “Como esse sistema funcionou, não se desenvolveu nenhum outro sistema de comunicação.” Os pesquisadores suspeitam ainda que o ancestral usava esse composto químico para atrair parceiros reprodutivos. “Como essa espécie não vivia em colônia, acreditamos que esse feromônio era usado na atração de machos pelas fêmeas”, conta.

O grupo agora pretende verificar se esse mesmo composto químico é usado por rainhas de outras espécies de insetos. “No momento, estamos estendendo nossas análises para espécies de abelhas sem ferrão brasileiras e também espécies solitárias em colaboração com o Laboratório de Ecologia Comportamental da Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto.”

Artigo científico
OYSTAEYEN, A. V. et al. Conserved Class of Queen Pheromones Stops Social Insect Workers from Reproducing. Science. v. 343, p. 287-90. jan 2014.

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