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Benefício mútuo

Ganho de produtividade com polinização por abelhas representa 10% do valor da produção agrícola mundial

Doce trabalho: Melipona seminigra transporta grão de pólen

Cristiano menezes / embrapa Doce trabalho: Melipona seminigra transporta grão de pólenCristiano menezes / embrapa

A humanidade explora colônias de abelhas produtoras de mel desde a pré-história, mas só nos últimos anos se deu conta de que a importância desses insetos vai muito além da produção do poderoso adoçante natural. “O mel é, na verdade, um subproduto com valor pequeno quando comparado ao do serviço de polinização prestado pelas abelhas”, afirmou Vera Lúcia Imperatriz Fonseca, professora da Universidade de São Paulo (USP), em palestra no segundo encontro do Ciclo de Conferências 2014 do programa Biota-FAPESP Educação, em 20 de março em São Paulo. Ao transportar pólen de uma flor a outra, continuou a bióloga, as abelhas aumentam a fecundação das plantas e geram um ganho de produtividade em diferentes culturas que corresponde a quase 10% do valor da produção agrícola mundial.

Estima-se que, em 2007, a exportação global de mel tenha movimentado US$ 1,5 bilhão. No mesmo ano o valor dos serviços ecossistêmicos de polinização em todo o mundo era calculado em US$ 212 bilhões, segundo dados levantados em diversos estudos e reunidos por Vera Fonseca no livro Polinizadores no Brasil: contribuição e perspectivas para a biodiversidade, uso sustentável, conservação e serviços ambientais, um dos vencedores do Prêmio Jabuti de 2013.

Apis mellifera visita flor de laranjeira

tom wenseleers / universidade de leuvenApis mellifera visita flor de laranjeiratom wenseleers / universidade de leuven

As verduras e as frutas, cuja produção anual somada alcança € 100 bilhões, são os alimentos que mais dependem de insetos para a polinização. Na sequência vêm oleaginosas, estimulantes (café e chá), amêndoas e especiarias. Em média, as culturas que não dependem da polinização por insetos movimentam € 151 bilhões por ano, enquanto o valor das que dependem atinge € 761 bilhões.

“Cerca de 75% da alimentação humana dependem direta ou indiretamente de plantas polinizadas ou beneficiadas pela polinização animal. Dessas, 35% dependem exclusivamente de polinizadores”, afirmou Vera Fonseca, atualmente professora visitante na Universidade Federal Rural do Semiárido (Ufersa), no Rio Grande do Norte. Nos demais casos, os insetos ajudam a aumentar a produtividade e a qualidade dos frutos.

Pesquisas recentes mostraram que mesmo culturas como a canola, polinizada pelo vento, e a soja, cujas flores são fertilizadas por seu próprio pólen, produzem de 20% a 40% mais grãos por hectare quando há colônias de abelhas Apis mellifera por perto ou quando a plantação é feita ao lado de remanescentes de vegetação nativa.

As biólogas Vera Fonseca, Kayna Agostini e Cláudia Silva

Eduardo Cesar As biólogas Vera Fonseca, Kayna Agostini e Cláudia SilvaEduardo Cesar

“Quando se usam abelhas como a jataí na polinização do morangueiro cultivado em ambientes protegidos, a má formação de frutos diminui em 70% em alguns cultivares”, disse Vera Fonseca. Outra cultura que se beneficia da polinização por abelhas em ambientes protegidos é a do tomate, que depende de abelhas que fazem as flores vibrar, como as mamangavas do gênero Bombus ou as abelhas tiúba ou mandaçaia (gênero Melipona), para serem fertilizadas. “Em geral as abelhas aumentam a produção de sementes, melhoram a qualidade do hábitat, tornam os sistemas agrícolas mais sustentáveis e favorecem outros serviços ecossistêmicos, permitindo a preservação da biodiversidade e dos recursos hídricos”, completou.

Embora a demanda pelos serviços de polinização das abelhas aumente na mesma medida em que cresce a produção agrícola mundial, os ambientes favoráveis à manutenção desses insetos diminuem a cada ano. Mudanças ambientais, aparentemente, estão por trás de um fenômeno recente batizado como desordem do colapso das colônias, que tem causado o sumiço repentino de abelhas. A síndrome do desaparecimento das abelhas foi detectada pela primeira vez em 2007 nos países do hemisfério Norte e atualmente está associada à perda de quase 30% das colônias de Apis mellifera por ano. Por causa desse problema, que também atinge a Europa e em 2011 chegou ao Brasil, agricultores passaram a importar abelhas melíferas de outras regiões para polinizar suas plantações.

uma Melipona em flor de berinjela

patricia nunes silva / puc-rsUma Melipona em flor de berinjelapatricia nunes silva / puc-rs

“O aluguel de uma colônia chega a custar US$ 200 dólares nos Estados Unidos, pois os produtores sabem que o lucro gerado pelo serviço prestado será muito maior. E não há abelhas suficientes”, contou Vera Fonseca. Segundo a pesquisadora, essa é uma tendência mundial, já que cada vez mais se plantam culturas dependentes da polinização por abelhas.

Entre os fatores apontados como causa do desaparecimento das abelhas estão o uso inadequado de herbicidas e pesticidas, o desmatamento seguido da ocupação do solo por extensas monoculturas e a migração de colônias para a polinização agrícola. “O pesticida, quando não mata a abelha, a deixa fraca e reduz o tempo da atividade forrageira (busca de alimento)”, explicou.

São fatores que se somam. Com a substituição da vegetação nativa por monoculturas, as abelhas têm de percorrer distâncias cada vez maiores em busca de alimento porque há menor diversidade de flores. A migração de colônias, por sua vez, pode aumentar a competição por comida entre as espécies e favorecer a disseminação de doenças.

Esse cenário tende a piorar com a chegada de um novo vilão: as mudanças climáticas globais. Isso porque os polinizadores, assim como as plantas que os mantêm, se distribuem por certa região sob a influência da temperatura e das chuvas.

A mamangava Bombus morio colhe néctar em flor de maracujá

Sídia Witter/ Fundación Zoobotánica de Rio Grande do SulA mamangava Bombus morio colhe néctar em flor de maracujáSídia Witter/ Fundación Zoobotánica de Rio Grande do Sul

As previsões do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) sugerem que no Nordeste brasileiro pode haver um aumento de 4º Celsius na temperatura nos próximos 50 anos. Esse aquecimento pode causar uma importante alteração na área de ocorrência das abelhas, segundo Vera Fonseca. “Temos feito trabalhos de modelagem de distribuição de espécies e estudos de análise do pólen coletado por elas para saber quais plantas as abelhas visitam”, explicou. Essas ferramentas permitiram mapear o uso de recursos florais pelas abelhas e, com o auxílio do herbário virtual da flora e dos fungos, disponível na internet, identificar a distribuição atual e modelar a futura das principais fontes de alimento para as abelhas. “Cruzando esses dados, é possível identificar as áreas naturais mais importantes para serem reconstruídas e preservadas e planejar um programa de mitigação para que daqui a 40 ou 50 anos as abelhas tenham algum lugar para viver”, contou a bióloga.

A dieta das abelhas
Cláudia Inês da Silva, professora visitante da Universidade Federal do Ceará (UFC), tem se dedicado a estudar os hábitos alimentares das mamangavas do gênero Xylocopa e de outras abelhas importantes para a polinização do maracujá com o objetivo de preservar as áreas naturais importantes para a atração e a manutenção desses insetos. “Escolhemos o maracujá porque essa planta tem uma importância econômica grande para o Brasil, que responde por mais de 60% de sua produção mundial”, contou Cláudia no encontro de março.

A produção do maracujá, fruto tipicamente cultivado em propriedades familiares, sofre grandes flutuações principalmente por causa dos custos com manejo e insumos. “E a polinização influencia diretamente esses custos de produção”, afirmou a bióloga. Segundo Cláudia, os produtores rurais em geral desconhecem os insetos que visitam as flores do maracujazeiro e a biologia e o sistema reprodutivo dessas plantas, que dependem exclusivamente da polinização por abelhas.

“No caso do maracujá, nem todas as abelhas são benéficas”, explicou. Algumas, como a Apis mellifera, são pequenas em relação ao tamanho das flores e apenas pilham o néctar e o pólen sem conseguir polinizá-las. “É preciso entender as necessidades de cada cultura e preservar o polinizador mais adequado”, disse Cláudia.

Um estudo da Universidade Federal de Viçosa estimou que, em uma área de pouco mais de 2 hectares de cultivo de maracujá, os serviços prestados pelas mamangavas Xylocopa diminuem os custos de produção em R$ 33 mil reais a cada três anos.

Apesar da importância das mamangavas, muitas vezes elas são mortas pelos agricultores, que as consideram agressivas, contou Cláudia. “Por acreditarem que são besouros”, disse, “eles temem que elas comam as flores, destruam a lavoura e estraguem as cercas onde constroem seus ninhos”.

Em seu doutorado na Universidade Federal de Uberlândia sob orientação de Paulo Eugênio de Oliveira, Cláudia identificou 112 espécies de plantas que servem de alimento para as mamangavas. Algumas das mais importantes são consideradas pelos produtores como mata-pasto –espécies dos gêneros Senna e Solanum – e são, muitas vezes, retiradas do entorno.

“Com base nesse estudo elaboramos uma proposta de enriquecimento e restauração da flora para a atração e a manutenção dessas abelhas. A partir do estudo da dieta, desenhamos o cenário atual e futuro para identificar áreas potenciais para cultivo do maracujá”, contou a bióloga da UFC. As informações ajudaram a compor o livro Manejo dos polinizadores e polinização de maracujá, a ser lançado com apoio do Ministério do Meio Ambiente. Os protocolos desenvolvidos por ela estão sendo adotados em estudos de culturas como morango, caju, café, cacau e acerola.

Sistemas diversos
As abelhas são consideradas polinizadoras profissionais por terem estruturas corporais especializadas na coleta e no transporte de pólen. Mas besouros, borboletas, mariposas, moscas, pássaros e morcegos também contribuem para esse serviço ecossistêmico, contou a bióloga Kayna Agostini, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) em Araras, em sua palestra. “Todos os sistemas de polinização conhecidos estão presentes no Brasil, por ser um país em uma região de clima predominantemente tropical”, afirmou. “Alguns desses sistemas são abióticos, caso da polinização pelo vento, mas a grande maioria ocorre por meio de agentes bióticos.”

Segundo Kayna, boa parte das interações entre plantas e animais é do tipo mutualista, em que ambas as partes são beneficiadas. Mas estudos recentes indicam que a regra não vale para todos os casos. Ela cita o exemplo da planta papo-de-peru (Aristolochia gigantea). Com aparência e odor semelhantes ao de carne, a flor dessa planta engana as moscas. Ao tentar depositar seus ovos, a mosca percebe o engano e tenta atravessar a flor, mas acaba presa. “Só depois que o pólen adere ao seu corpo a mosca consegue sair, sem ter nenhum benefício com essa interação. Além de pólen, fonte de proteínas, e de néctar, rico em açúcares, os animais visitam as flores em busca de óleos, fragrâncias e resinas”, contou a pesquisadora na palestra do Biota-FAPESP Educação.
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A edição atual de Pesquisa FAPESP traz um DVD com 10 vídeos das palestras do Ciclo de Conferências do Biota Educação 2013.

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