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Óbito

Leopoldo de Meis morre no Rio de Janeiro

Bioquímico era professor-emérito da UFRJ

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Léo RamosDe Meis fotografado na UFRJ, em 2009Léo Ramos

Morreu no domingo (7), no Rio de Janeiro, aos 76 anos, o bioquímico Leopoldo de Meis, professor emérito e fundador do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). De Meis trocou a medicina, curso em que se graduou, pela carreira científica, e produziu contribuições importantes em linhas de pesquisa como mecanismos de transdução de energia em sistemas biológicos, transporte ativo de íons e síntese e hidrólise de ATP (adenosina trifosfato), nucleotídeo responsável pelo armazenamento de energia em suas ligações químicas.

Também se tornou referência em áreas como a sociologia da ciência – fez estudos pioneiros sobre o trabalho dos pesquisadores no Brasil – e a educação científica, arregimentando adolescentes de áreas carentes para cursos que tratam a ciência de uma forma agradável ou produzindo materiais didáticos, como livros ilustrados e DVDs.

Nascido no Egito e criado em Nápoles, na Itália, mudou-se para o Rio de Janeiro quando tinha 9 anos, em decorrência da busca de seu pai, um violoncelista napolitano, por melhores condições de vida no pós-guerra. Aos 18 anos, optou pela nacionalidade brasileira. Assim que encerrou o curso de medicina, aos 24 anos, passou 18 meses nos Estados Unidos, graças a uma bolsa nos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH), na cidade de Bethesda.

Trabalhou no laboratório de Herbert e Celia Tabor, que já atuavam na época na linha de pesquisa que os projetou internacionalmente, o metabolismo das poliaminas, moléculas reguladoras do desenvolvimento presentes em plantas, animais e microrganismos. “Foi no laboratório dos Tabor que realmente aprendi o que era bioquímica e foi na cafeteria do NIH que descobri os vastos horizontes das ciências biomédicas”, disse Leopoldo de Meis, quando recebeu o Prêmio da Fundação Conrado Wessel de Arte, Ciência e Cultura de 2008.

Retornou ao Brasil em 1964, mas, perseguido pelo regime militar no Brasil, decidiu se mudar com a família para Heidelberg, na Alemanha, onde foi professor visitante do Instituto Max Planck, a convite de Wilhelm Hasselbach. Na época, Hasselbach havia descoberto a bomba de cálcio do musculoesquelético em colaboração com Madoka Makinose. Depois de um ano e meio na Alemanha, retornou ao Rio de Janeiro. Foi depois da estada na Alemanha que o pesquisador produziu uma de suas mais destacadas contribuições à bioquímica, no âmbito da síntese do ATP (adenosina trifosfato): a descoberta da formação da fosfoenzima de baixa energia. Em 1971, Hasselbach e Makinose haviam publicado trabalhos mostrando que, quando se formava um gradiente (fonte de energia) de íons de cálcio (Ca2+), a enzima ATPase inserida no retículo sarcoplasmático do músculo podia usar a energia derivada do gradiente para sintetizar a adenosina trifosfato a partir de ADP (adenosina difosfato) e fosfato.

De Meis e seu aluno de mestrado Hatisaburo Masuda decidiram reproduzir uma experiência feita por Madoka Makinose, a fosforilação de uma enzima por fósforo inorgânico (Pi), que utilizava a mesma energia derivada do gradiente. A experiência era simples de fazer com vesículas carregadas de íons de cálcio. Mas em seguida, como controle, a dupla decidiu utilizar vesículas permeabilizadas com éter etílico. Como não havia nenhuma fonte de energia disponível, não se esperava que as vesículas fossem fosforiladas, mas isso aconteceu. “Surpreendentemente, encontramos um pequeno mas significante nível de fosforilação, aproximadamente um décimo do que podia ser medido com as vesículas carregadas de íons de cálcio”, disse De Meis. O trabalho dos dois brasileiros, De Meis e Masuda, foi publicado em 1973, mesmo ano em que Paul Boyer obteve resultados parecidos, mas com a enzima da mitocôndria F1-Fo, que corroboravam a descoberta. Depois de ler o trabalho, De Meis escreveu a Boyer, que ganharia o Prêmio Nobel de Química de 1997. Disse que não havia citado o trabalho porque seu artigo já tinha passado pelas provas tipográficas. Da correspondência brotou uma colaboração, com várias visitas de Boyer ao Rio.

Em 1987, livre dos trabalhos administrativos, envolveu-se com novas atividades. Uma delas foi a cienciometria, disciplina que busca gerar informações para estimular a superação dos desafios da ciência, tornando-se um dos primeiros pesquisadores a medir o impacto da produção científica nacional. Em 1996, ele e Jacqueline Leta, professora da UFRJ, publicaram o livro O perfil da ciência brasileira, análise da produção científica do país que discute seu impacto, qualidade e distribuição regional. O pesquisador desenvolveu também um interesse perene pelo ensino de ciências nas escolas. O início do processo foi um curso experimental para jovens estudantes que De Meis organizou nas férias de verão, em 1987. Durante uma semana, um pequeno grupo de estudantes planejou experiências envolvendo temas como a fotossíntese ou a contração muscular, cujos resultados foram apresentados no final, para discussão. Os resultados foram tão animadores que o curso foi ampliado para vários grupos de alunos, selecionados preferencialmente em escolas públicas. Aposentado em 2008, Leopoldo de Meis, tornou-se professor emérito da UFRJ, mas seguiu trabalhando normalmente em seu laboratório. Ele morreu em casa, de causas naturais, e deixa sua companheira de muitos anos, a professora Vivian Rumjanek, quatro filhos e seis netos.

Com informações da edição especial do Prêmio da Fundação Conrado Wessel de Arte, Ciência e Cultura de 2008.

Leia também entrevista publicada em 2001: Ciência com arte e emoção

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