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História

A arte do poder

Abordagens que unem cultura e política são uma das marcas contemporâneas do departamento

Mapa italiano de 1556, de autoria de Giacomo Gastaldi e Giovani Battista Ramusio, do Brasil colonial

ReproduçãoMapa italiano de 1556, de autoria de Giacomo Gastaldi e Giovani Battista Ramusio, do Brasil colonialReprodução

O cruzamento da cultura e das artes com a trajetória política do Brasil tem sido uma das vertentes mais marcantes da produção acadêmica recente, das últimas duas ou três décadas, do Departamento de Historia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH). Estudos que destacam o papel dos meios de comunicação, da música, do cinema, do teatro e de outras manifestações artísticas durante a ditadura militar (1964-1985) foram tomando corpo numa disciplina que, como a FFLCH, deu seus primeiros passos na USP sob forte influência da missão francesa que aqui desembarcou nos primórdios da universidade.

“Até os anos 1960 a influência da história econômica foi muito grande no departamento. Em seguida, houve um predomínio de uma história mais social, que era um grande guarda-chuva de temas e metodologias. A partir dos anos 1980 ou 1990, uma história cultural e política se desenvolveu com força”, diz Maria Helena Capelato, professora do departamento, que tem se dedicado a pesquisas sobre a atuação dos meios de comunicação no Brasil e na América Latina durante a última onda de governos autoritários no continente.

Nessa linhagem de estudos, uma das contribuições mais importantes são os trabalhos de Marcos Napolitano, também professor do departamento, que tem se debruçado sobre os caminhos da música popular brasileira, e com menor ênfase da produção audiovisual, durante o regime militar. “Essa abordagem cultural ganhou terreno após o fim da ditadura”, afirma Napolitano. Ainda no campo dos estudos culturais, a FFLCH perdeu neste ano um dos seus expoentes, o historiador Nicolau Sevcenko, que morreu em agosto passado. Sevcenko tinha como uma das marcas de seu trabalho usar a literatura como fonte de pesquisa histórica.

Peça Roda viva: estudos históricos sobre a arte na ditadura

ARQUIVO / ESTADãO CONTEúDO / AEPeça Roda viva: estudos históricos sobre a arte na ditaduraARQUIVO / ESTADãO CONTEúDO / AE

Outra vertente de pesquisa no departamento são os estudos sobre a história do Brasil colônia, suas relações com a metrópole portuguesa e a questão do Atlântico. Nesse contexto, a historiadora Laura de Mello e Souza, que recentemente se aposentou da USP e agora leciona na Universidade Paris-Sorbonne, coordenou entre 2005 e 2010 o projeto temático da FAPESP Dimensões do Império Português. Uma das questões desenvolvidas pelo projeto foi mostrar que a administração colonial portuguesa não podia ser resumida simplisticamente como uma máquina burocrática monstruosa, emperrada e ineficiente, com um centro autoritário e colônias submissas. Lisboa, que esteve à frente do mais longevo império europeu moderno, sabia usar de forma inteligente o seu poder, “superando os limites da separação oceânica entre a metrópole e suas colônias”, conforme disse à Pesquisa FAPESP em reportagem publicada em novembro de 2012. Dentro da temática sobre o sistema colonial, os trabalhos de Fernando Novais, hoje professor emérito da USP e docente das Faculdades de Campinas (Facamp), são outra referência obrigatória.

Embora haja linhas dominantes de pesquisa na história da USP, a produção atual do departamento é marcada por uma diversidade de temas e épocas. Há estudos sobre a Antiguidade, o Medievo, a Modernidade e a Contemporaneidade. “O objeto da história é hoje pulverizado e multifacetado”, comenta Napolitano. Um projeto temático tocado pelo departamento ilustra bem a atual abertura da disciplina para assuntos os mais diversos: coordenado pelo professor Gildo Magalhães dos Santos Filho, a pesquisa estuda a implantação de energia elétrica no estado de São Paulo entre 1890 e 1960 e vai gerar também um banco de dados para consulta pública.

Desde seus primórdios, a história da USP é pioneira na introdução de temas e abordagens. Professor da USP entre 1935 e 1937, Fernand Braudel, um dos expoentes da chamada segunda geração da École des Annales, difundiu a noção de “tempo longo”, mais lento que o dos acontecimentos circunstanciais, e da história das mentalidades e das ideias. Sua influência se estendeu por décadas na FFLCH. Posteriormente, outros nomes de peso tiveram papel importante sobre o perfil das gerações seguintes de historiadores formados no departamento. Tendo escrito Formação do Brasil contemporâneoColônia, em 1942, obra-chave de sua produção intelectual, Caio Prado Jr. difundiu uma historiografia de caráter marxista. Autor do clássico Raízes do Brasil, livro de 1936, Sérgio Buarque de Holanda assumiu em 1958 a cadeira de história da civilização brasileira na USP com a tese Visão do paraíso – Os motivos edênicos no descobrimento e na colonização do Brasil. “Sua produção é muito respeitada até hoje”, diz Capelato.

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