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Oceanografia

Mais finas e quebradiças

Plataformas de gelo do oeste da Antártida perdem volume e uma delas pode desaparecer até o fim da década

Uma das plataformas de gelo Larsen em fevereiro de 2000: falhas e fraturas em razão das altas temperaturas

NASA/LANDSAT 7Uma das plataformas de gelo Larsen em fevereiro de 2000: falhas e fraturas em razão das altas temperaturasNASA/LANDSAT 7

Em 1995, uma plataforma de gelo de 2.500 quilômetros quadrados, equivalente a pouco mais de uma vez e meia a área da cidade de São Paulo, desgarrou-se do gelo continental, que cobre a terra firme, e desintegrou-se em poucas semanas no mar de Weddell, o trecho do oceano Austral que banha a península antártica e parte do continente gelado. Era o fim da Larsen A, nome da plataforma. Sete anos mais tarde, em 2002, a Larsen B, uma plataforma vizinha cinco vezes maior, perdeu em um mês e meio cerca de um quarto de sua extensão. Blocos enormes de gelo passaram a vagar pelo oceano antes de derreter em decorrência das temperaturas em elevação naquela região. Desde então, o tamanho da parte restante da Larsen B passou a ser alvo de constantes monitoramentos.

Um estudo com dados de satélite coordenado pela Nasa, a agência espacial norte-americana, publicado na edição deste mês do periódico científico Earth and Planetary Science Letters, estima que a parte restante da Larsen B, da ordem de 1.600 quilômetros quadrados, deve desaparecer nos próximos cinco anos. A plataforma, cuja espessura atinge até 500 metros em alguns pontos, está derretendo e se fragmentando a um ritmo acelerado. “É surpreendente a velocidade com que isso está ocorrendo”, afirma Ala Khazendar, geofísico da Nasa, principal autor do estudo. Outro trabalho recente, com participação do brasileiro Fernando Paolo, que faz doutorado na Instituição Scripps de Oceanografia da Universidade da Califórnia em San Diego, detalha o mecanismo que estaria por trás do afinamento de outra plataforma de gelo do grupo Larsen.

062-063_Antártica_232Em um artigo publicado em 13 de maio na revista científica The Cryosphere, pesquisadores do British Antarctic Survey, do Scripps, incluindo Paolo, e de outras universidades americanas mostraram que a espessura da plataforma Larsen C, cinco vezes maior do que a Larsen B, perde volume e está afinando em razão de dois processos. “Por cima, deve estar ocorrendo derretimento e compactação da camada superficial de firn, neve mais densa que cobre o gelo da plataforma, provavelmente devido a um aumento da temperatura atmosférica. Isso provoca a perda de ar do firn na superfície da plataforma”, diz Paolo. “Por baixo, no setor submerso da plataforma, ocorre um afinamento do gelo por causa do derretimento provocado pela chegada de águas de fundo mais quentes. Isso também causa uma mudança no fluxo de gelo, produzindo estiramento da plataforma. Nossas medidas apresentam incertezas consideráveis, mas só conseguimos explicar esse nível de afinamento da Larsen C se esses dois mecanismos estiverem atuando simultaneamente.” O estudo foi feito a partir da análise de dados de satélite e de oito levantamentos de radar realizados entre 1998 e 2012.

O afinamento e eventual sumiço das plataformas, que são extensões de geleiras e do manto de gelo que recobre a Antártida, não causa diretamente a elevação do nível do mar. Seu gelo já está sobre o oceano e sua liquefação não muda o nível do mar. O mesmo raciocínio vale para o gelo marinho, que é muito mais fino e vaga ao redor da Antártida. O efeito do afinamento das plataformas de gelo sobre o nível do oceano é indireto. “O derretimento das plataformas abre caminho para que o gelo aprisionado no manto, que está sobre o continente, deslize mais facilmente para o mar”, diz o glaciologista Jefferson Cardia Simões, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera. “Há um consenso de que o aquecimento global está atuando sobre o derretimento das plataformas de gelo na península antártica”, afirma Ilana Wainer, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP), que trabalha com modelos climáticos sobre a interação do oceano com a atmosfera na região antártica . “E não se trata apenas de uma variação natural do clima.” Nos últimos 50 anos, a temperatura atmosférica média na península antártica aumentou 2,5ºC.

18% menos espessas
A fragilidade das plataformas de gelo é maior na península, que abriga as regiões menos frias do continente, e na Antártida ocidental. Um estudo publicado na Science em 26 de março deste ano, do qual Paolo foi o autor principal, indica que as plataformas da porção ocidental perderão metade de seu volume em 200 anos se for mantida a sua atual taxa de afinamento. Entre 1994 e 2012, de acordo com dados de altimetria obtidos por satélites da Agência Espacial Europeia, algumas plataformas se tornaram até 18% menos espessas. “A situação é mais crítica no oeste do continente, mas também há sinais de mudanças no leste”, diz Paolo. Quando levam em conta o período analisado no estudo, os dezoito anos como um todo, os pesquisadores registraram um leve aumento na espessura das plataformas da Antártida oriental. Mas esse aumento se concentrou nos primeiros 10 anos monitorados. Ao olharem apenas os dados dos anos mais recentes, detectaram estabilização ou perda no volume de massa das plataformas do leste. É um sinal de que o afinamento também parece atingir as plataformas orientais.

Artigos científicos
PAOLO, F. S. et al. Volume loss from Antarctic ice shelves is accelerating. Science. v. 348, n. 6232, p. 327-31. 17 abr. 2015.
HOLLAND, P.R. et al. Oceanic and atmospheric forcing of Larsen C Ice-Shelf thinning. The Cryosphere. v. 9, n. 3, p. 1005-24. 2015.

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