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Nanotubos

Moedor de nanotubos

Técnica simples permite converter cilindros nanoscópicos em fitas de carbono com propriedades elétricas controláveis

Nanotubos contendo radical hidroxila (OH) e nanotubos que apresentam radical caboxila (COOH) foram colocados em um mesmo recipiente e macerados

Gustavo Brunetto / Unicamp Nanotubos contendo radical hidroxila (OH) e nanotubos que apresentam radical caboxila (COOH) foram colocados em um mesmo recipiente e macerados…Gustavo Brunetto / Unicamp

Um almofariz e um bastão. Com esses dois instrumentos simples, encontrados em qualquer laboratório de química ou física e até mesmo em cozinhas domésticas, uma equipe internacional de pesquisadores, da qual participaram físicos brasileiros, conseguiu transformar nanotubos de carbono em fitas de carbono com apenas um átomo de espessura e extensão de uns poucos nanômetros (1 nanômetro equivale a 1 milímetro dividido por 1 milhão), de maior interesse para a engenharia de materiais por permitirem a transmissão de corrente elétrica de forma controlada. Em um dos laboratórios da Universidade Rice, nos Estados Unidos, os pesquisadores do grupo de Pulickel Ajayan despejaram um punhado de nanotubos em um almofariz e depois o maceraram com um pilão. Ao final de 20 minutos, cerca de 80% dos nanotubos haviam se aberto no sentido do comprimento e se transformado em fitas, relataram os pesquisadores em um artigo publicado em 15 de junho na Nature Communications.

Nanotubos são cilindros ocos formados exclusivamente por átomos de carbono, o mesmo elemento químico que compõe a grafite dos lápis e o diamante. Desde que foram produzidos pela primeira vez, há pouco mais de 20 anos, eles despertam o interesse de físicos e engenheiros por suas promissoras propriedades mecânicas, elétricas e térmicas – são altamente resistentes a fraturas ao mesmo tempo que flexíveis, e também conduzem bem a eletricidade e o calor. Mas não tem sido tão fácil utilizá-los em circuitos eletrônicos como havia se imaginado, embora a Samsung e a IBM já tenham patenteado circuitos de nanotubos. Atualmente aposta-se que esse papel seja melhor desempenhado pelas nanofitas de carbono – nanotubos desenrolados – porque elas, em princípio, parecem permitir controlar a condução elétrica de modo mais eficiente.

Até esse trabalho, a maneira mais usada para produzir nanofitas era utilizar compostos químicos, como ácidos fortes, para desenrolar os nanotubos. Embora funcione, essa estratégia exige o uso de substâncias tóxicas, que depois têm de ser extraídas das fitas nanométricas. Com a maceração, os pesquisadores parecem ter eliminado esse problema.

... ao se aproximarem o suficiente, as moléculas superficiais interagem e produzem água (H2O) e gás carbônico (CO2). A energia liberada nessa reação química faz os nanotubos desenrolarem

Gustavo Brunetto / Unicamp … ao se aproximarem o suficiente, as moléculas superficiais interagem e produzem água (H2O) e gás carbônico (CO2). A energia liberada nessa reação química faz os nanotubos desenrolaremGustavo Brunetto / Unicamp

O truque nesse caso não foi a força aplicada por quem triturou os nanotubos, mas a escolha dos nanotubos a serem esmagados. Na Universidade Rice, Mohamad Kabbani misturou em seu almofariz dois tipos de nanotubos que continham em sua superfície moléculas muito simples. Um deles trazia moléculas do radical químico hidroxila, formado por um átomo de hidrogênio e outro de oxigênio (OH), enquanto o outro apresentava moléculas de carboxila, com um átomo de carbono, dois de oxigênio e um de hidrogênio (COOH). A maceração dos dois tipos de nanotubos num mesmo recipiente fez as moléculas superficiais interagirem e produzirem água e gás carbônico. A energia liberada nessa reação química foi suficiente para esgarçar a parte dos nanotubos em alguns pontos e fazê-los abrir como um zíper.

Embora tivessem conseguido o resultado desejado, os pesquisadores queriam saber exatamente o havia acontecido. “É uma reação exotérmica [que libera energia] e a energia é suficiente para abrir os nanotubos em nanofitas, mas é difícil monitorar os detalhes da dinâmica”, disse Kabbani em um comunicado de imprensa da Rice. Como não é possível triturar nanotubos ao microscópio eletrônico para verificar o que ocorre, eles pediram ao físico brasileiro Douglas Galvão e seu grupo na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) para simular o procedimento em computador. Galvão e o físicos Pedro Autreto e Gustavo Brunetto reconstruíram digitalmente os nanotubos recobertos de hidroxila e carboxila e analisaram passo a passo o que acontecia. Quando as moléculas na superfície dos nanotubos se aproximam, o radical carboxila perde o átomo de hidrogênio e um de oxigênio, que interagem com o hidrogênio da hidroxila. O resultado dessa interação produz vapor d’água (H2O). Os átomos que sobram formam uma molécula de gás carbônico (CO2). “A maceração apenas aproxima os radicais o suficiente para que ocorra uma reação química”, explica Galvão. “Essa é uma estratégia simples e barata, que pode permitir a produção de nanofitas em escala industrial sem o uso de compostos químicos poluentes.” Ajayan, da Rice, completa: “O que fizemos é muito básico, mas é um começo”.

Os projetos
1.
Formação e propriedades estruturais, mecânicas e de transporte de h-BN e estruturas híbridas h-BN-grafeno (nº 12/05933-2); Modalidade Bolsa no Exterior – Estágio de Pesquisa – Pós-doutorado; Beneficiário Pedro Alves da Silva Autreto; Pesquisador responsável Douglas Soares Galvão (Unicamp); Supervisor no exterior Pulickel Ajayan (Rice University); Investimento R$ 166.252,00 (FAPESP)
2. Propriedades mecânicas e estruturais de esponjas 3D baseadas em carbono construídas a partir de estruturas precursoras 2D (nº 14/12057-0); Modalidade Bolsa no Exterior – Estágio de Pesquisa – Pós-doutorado; Beneficiário Gustavo Brunetto; Pesquisador responsável Douglas Soares Galvão (Unicamp); Supervisor no exterior Pulickel Ajayan (Rice University); Investimento R$ 199.572,00 (FAPESP)

Artigo científico
KABBANI, M.A. et al. Ambient solid-state mechano-chemical reactions between functionalized carbon nanotubes. Nature Communications. 15 de jun. 2015.

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