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Oscilação de Sabor

Nobel de Física premia metamorfose dos neutrinos

Pesquisadores ajudaram a identificar fenômeno que confirmou a existência de massa dessas partículas elementares

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K. MacFarlane. Queen's University /SNOLABArthur B. McDonald e Takaaki KajitaK. MacFarlane. Queen's University /SNOLAB

A Academia Real Sueca de Ciências anunciou nesta terça-feira, 6, os vencedores do Nobel de Física. O japonês Takaaki Kajita, 56 anos, da Universidade de Tóquio, e o canadense Arthur B. McDonald, 72 anos, da Queen’s University, em Kingston, Canadá, foram laureados por terem ajudado a demonstrar que os neutrinos, partículas elementares da matéria que se formam em abundância no interior do Sol, podem mudar de identidade — fenômeno que os físicos chamam de “oscilação de sabor”. A descoberta, feita na virada do século XX para o XXI, indicou que essas partículas efetivamente têm massa, como há décadas os físicos procuravam demonstrar. “Junto com elétrons e quarks, os neutrinos são partículas fundamentais que não sabemos como subdividir mais”, disse McDonald a Adam Smith, do site do Prêmio Nobel. Ele é diretor do Observatório de Neutrinos Sudbury (SNO, na sigla em inglês) desde 1989. Instalado a 2 quilômetros de profundidade em Ontário, no Canadá, entre 1999 e 2006, o detector usou 1.000 toneladas de água pesada (em que o hidrogênio é substituído por deutério) para fazer medições de neutrinos que chegam do Sol.

Os neutrinos são um tipo de partícula elementar presente em grande quantidade no universo. Não possuem carga elétrica, têm massa extremamente leve e são importantes por embasar uma parte fundamental das leis da física no nível mais microscópico. Por isso, suas propriedades são extremamente importantes para entender melhor o Universo. O problema é que eles são muito difíceis de detectar, porque quase não interagem com a matéria — podem atravessar a Terra inteira e bilhões deles atravessam o nosso corpo a cada segundo. Porém, nas raras vezes em que interagem com átomos, a colisão libera elétrons que podem ser detectados.

Em junho de 1998, Takaaki Kajita verificou que os neutrinos que cruzavam a atmosfera da Terra não eram os mais comuns, liberados pelo Sol, conhecidos como eletrônicos. Eles pareciam oscilar entre duas identidades até chegar ao Super-Kamiokande, o maior detector de neutrinos do mundo, no Japão: um tanque cilíndrico de cerca de 40 metros de diâmetro por 40 metros de altura a 1 quilômetro abaixo da superfície, cheio de água ultrapura. O grande tamanho é necessário porque apenas um em cada um bilhão, dos trilhões de neutrinos que passam por ali, reage com a água. Quando isso acontece, as colisões emitem um tipo de luz especial, registrada por cerca de 12 mil fotocélulas instaladas nas paredes laterais do tanque.

Os neutrinos não detectados são chamados de muônicos, produzidos também quando os raios cósmicos se desfazem. Há um terceiro tipo de neutrino, mais raro. São os tauônicos, resultantes do decaimento (desintegração) de partículas atômicas. Kajita mostrou que neutrinos trocam de identidade na atmosfera no caminho até o detector Super-Kamiokande, no Japão. Na mesma época, no Canadá, estudos do Observatório de Neutrinos Sudbury mostraram que os neutrinos eletrônicos que vinham do Sol não estavam desaparecendo em seu caminho para a Terra. Em vez disso, foram capturados com uma identidade diferente quando chegaram ao SNO. “Tivemos um momento eureca quando vimos que os neutrinos mudavam de um tipo para outro”, disse McDonald na conferência de imprensa organizada pelo Prêmio Nobel. Além permitir observar essa mudança, as medições dos pesquisadores são indicações precisas dos processos solares de fusão nuclear.

Em outras palavras, McDonald e sua equipe demonstraram que os neutrinos que viajavam do Sol até a Terra não estavam desaparecendo, mas, sim, oscilando o tempo todo entre um tipo e outro até serem detectados. De acordo com o físico Marcelo Guzzo, do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), as oscilações estendem o modelo padrão da física e são explicadas pela teoria quântica, que diz que essas metamorfoses só são possíveis se os neutrinos tiverem massa. “Entender esse fenômeno de oscilação quântica dos neutrinos é importante para a astrofísica e a cosmologia”, diz. “Sua compreensão nos ajudou compreender melhor as propriedades dessa partícula tão abundante no Universo.” Segundo ele, muitas outras questões ainda precisam ser investigadas. “Ainda não sabemos que tipo de massa ele possui, nem como medi-la”, afirma. “Entender o comportamento e a composição dos neutrinos possibilitará uma melhor compreensão da evolução do Universo.”

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