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Epidemiologia

Doença infecciosa melioidose é mais difundida do que se pensava

Estudo mapeia distribuição de bactéria responsável pela enfermidade, tão perigosa quanto a dengue

Podcast: Dionne Bezerra Rolim

 
     
Enquanto as atenções estão voltadas ao desenvolvimento de formas de prevenção de doenças como febre zika, dengue e chikungunya, uma moléstia infecciosa pouco conhecida e estudada começa a chamar a atenção de médicos e pesquisadores de todo o mundo em razão do aumento do número de casos e mortes registrados nos últimos anos, sobretudo em países em desenvolvimento. Em um estudo publicado nesta segunda-feira, 11, na revista Nature Microbiology, um grupo internacional de pesquisadores, entre eles a médica infectologista brasileira Dionne Bezerra Rolim, do Núcleo de Epidemiologia da Secretaria de Saúde do Ceará e pesquisadora da Universidade de Fortaleza, dá uma dimensão do problema ao apresentar um mapa da distribuição global da bactéria Burkholderia pseudomallei, responsável pela melioidose, uma doença de difícil diagnóstico que pode causar febre alta, dores no peito associadas à tosse e até comprometer os pulmões, desencadeando quadros de bronquite e pneumonia.

No estudo, os pesquisadores compilaram e analisaram 22.338 de casos de melioidose em seres humanos e animais, além de registros sobre os ambientes em que essa bactéria já havia sido encontrada, entre 1910 e 2014. Eles verificaram que durante esse período a B. pseudomallei se dispersou por muito mais países do que se imaginava. Isso porque os pesquisadores estimam ter havido uma significativa subnotificação dos casos da doença em 45 países onde ela é endêmica, devido ao fato de a doença ser pouco conhecida pelos profissionais de saúde. É o caso, por exemplo, do Brasil, México, Peru e Argentina. Além deles, outros 34 países que nunca tinham registrado casos de melioidose podem ser endêmicos, como Paraguai, Bolívia e Suriname. De acordo com o estudo, o número de casos por ano no mundo é de cerca de 165 mil, dos quais 89 mil resultam em morte.

Ao que tudo indica, a América Latina está entre as regiões mais vulneráveis. Os pesquisadores estimam que, por ano, 246 milhões de pessoas possam contrair a bactéria, por meio da inalação de partículas suspensas no ar contaminadas, ingestão ou aspiração de água contaminada, inoculação em pele e mucosas com lesão. Ambientes chuvosos com altas temperaturas são considerados mais suscetíveis à presença da B. pseudomallei. Além disso, solos argilosos e modificados por conta de ações humanas, sobretudo pela agricultura irrigada, também se mostraram mais associados à presença da bactéria.

“A melioidose é uma doença de transmissão ambiental”, explica Dionne. “As mudanças climáticas podem interferir em fatores relacionados à distribuição do microrganismo no ambiente como composição do solo, precipitações e temperaturas elevadas, o que pode aumentar a dispersão da doença.” Em países em desenvolvimento, segundo ela, essas alterações são ainda mais difíceis de controlar, o que poderia indiretamente interferir na distribuição da melioidose.

No Brasil, a primeira descrição da doença foi registrada em 2003, no Ceará. Desde então, o estado continua diagnosticando casos de melioidose. O diagnóstico da enfermidade é difícil pelo fato de a doença ser pouco conhecida e não apresentar quadro clínico característico, isto é, os sintomas podem ser confundidos com outras infecções comuns. O diagnóstico só é feito por meio de cultura microbiológica, que exige estrutura laboratorial não disponível em todos os serviços de saúde do país. Além disso, a B. pseudomallei é resistente a vários antibióticos.

Artigo científico
Limmathurotsakul, D. et al. Predicted global distribution of Burkholderia pseudomallei and burden of melioidosis. Nature Microbiology. jan. 2016.

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