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Berta Lange de Morretes

Uma vida pela anatomia

Berta Lange de Morretes dedicou três quartos de século ao estudo e ensino da botânica

A professora, em 2011, em sua sala no departamento de botânica

Francisco Emolo / Jornal da USPA professora, em 2011, em sua sala no Departamento de BotânicaFrancisco Emolo / Jornal da USP

Faleceu no dia 30 de novembro, aos 99 anos, a botânica Berta Lange de Morretes, por mais de 70 anos professora no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP). “Até 2013 ela ainda dava aulas na pós-graduação”, conta a colega Gladys Flavia Melo de Pinna, que herdou sua sala no Departamento de Botânica. A partir de 2014 a professora quase centenária passou a ficar em casa, por dificuldades de locomoção. “A mente estava boa, o corpo não.” Por desejo da própria Berta, registrado em cartório, o instituto continuará a ser sua morada: suas cinzas foram depositadas na base da árvore que plantou por ocasião de seus 90 anos, em 2007 – um pau-brasil próximo ao prédio da administração. A homenagem, sem solenidades, acontecerá no dia 12/12, às 11h.

Nascida na Alemanha, de pai brasileiro e mãe alemã, Berta veio para o Brasil aos 2 anos. Instalada inicialmente em Curitiba, a família se mudou para São Paulo alguns anos depois, quando o pai foi contratado como zoólogo no Museu Paulista. Berta integrou, junto com a irmã, a primeira turma do curso de História Natural da USP, iniciada em 1938. Em 1941 se formou e tornou-se docente – o doutorado viria depois – e contribuiu para a formação do departamento de Botânica, aprendendo com os fundadores. “Anatomia ecológica das plantas do Cerrado é quase sinônimo de seu nome”, avalia Gladys. Segundo ela, a professora que era chamada de Dra. Berta se concentrava mais no funcionamento das folhas, mas investigava todos os aspectos da anatomia das plantas relacionados a como ela se adapta às características do ambiente.

Berta Lange de Morretes com as irmãs

Acervo pessoalBerta Lange de Morretes com as irmãsAcervo pessoal

Ao se tornar docente no IB, em 2003, Gladys logo se aproximou da colega por interesses em comum. “Eu trabalhava com anatomia de plantas da Caatinga, ia muito conversar com ela.” Alguns anos depois as duas empreenderam um projeto de digitalizar todas as lâminas com cortes de tecidos vegetais para análise ao microscópio, que Berta usava em aulas na graduação e na pós-graduação. “São centenas de lâminas, é um acervo riquíssimo e muito antigo”, conta Gladys, que está estudando como montar um site para disponibilizar o material aos pesquisadores.

Durante o processo de fotografar todas as lâminas, as duas trabalharam diariamente juntas por quase um ano em 2010. Quando deixou de usar a sala que fora sua por mais de 50 anos, Berta temeu perder todo o material bibliográfico e de pesquisa que tinha acumulado. A questão se resolveu com o compartilhamento oficial da sala com Gladys, que na prática assumiu o espaço e se comprometeu a manter o acervo.

Além das décadas de aulas, Berta também disseminou o conhecimento em sua área pela tradução, em 1973, do livro Anatomia das plantas com sementes, de Katherine Esau, supervisora de seu estágio de pós-doutorado nos anos 1960 na Universidade da Califórnia em Davis. “Foi o primeiro livro de anatomia publicado aqui, o que deu acesso à disciplina aos brasileiros de todos os cantos”, diz Gladys.

Acesso ao conhecimento era uma prioridade para essa professora que contava ter ajudado várias pessoas que cruzaram seu caminho a cursarem uma faculdade. “Todos os anos ela convidava o IB inteiro para uma feijoada”, conta o jardineiro Erismaldo Carlos de Oliveira. Como não cabiam todos ao mesmo tempo em sua residência, iam grupos alternadamente, ao longo de um mês no início do ano. “Ela sempre tinha uma novidade de licor”, lembra ele. “Punha três garrafas na mesa, servia todo mundo e tínhamos que adivinhar de que fruta eram feitos.” Berta nunca se casou e não deixa filhos.

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