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resenha

Política e economia entre 1961 e 1964

Empresários, trabalhadores e grupos de interesse. A política econômica nos governos Jânio Quadros e João Goulart, 1961-1964 | Felipe Pereira Loureiro | Editora Unesp | 597 páginas | R$ 98

eduardo cesarO livro do professor Felipe Pereira Loureiro, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, é uma contribuição importante sobre um período crucial da história brasileira contemporânea: os governos Jânio Quadros e João Goulart, entre 1961 e 1964. Como o tema já foi objeto de inúmeros trabalhos, é difícil ser inovador ao enfocá-lo. Loureiro, contudo, apresenta um trabalho que deve ser uma referência na abordagem da época.

O aporte de Empresários, trabalhadores e grupos de interesse está em mostrar o impacto das lutas sociais e políticas na gestão da política econômica. Loureiro articula os dois planos e expõe sua interação com domínio amplo da bibliografia e o uso de um corpo original de documentos históricos.

Tais documentos revelam o posicionamento e as práticas de associações de empresários, de sindicatos trabalhistas e do governo dos Estados Unidos. Embora as associações empresariais investigadas se concentrem no eixo Rio-São Paulo, a pesquisa envolveu um conjunto amplo e representativo que revela a oposição empresarial a iniciativas de contenção monetária e fiscal e a propostas de reforma tributária do governo Goulart.

Os arquivos norte-americanos, por sua vez, deixam transparecer o boicote dos governos John F. Kennedy e Lyndon B. Johnson às tratativas brasileiras de renegociar o pagamento de débitos externos herdados do Plano de Metas no governo de Juscelino Kubitschek. Apesar da industrialização pesada que ocorrera, o Brasil ainda era dependente da exportação de conjunto limitado de produtos primários, principalmente o café, cujas quedas de preço inviabilizavam importações de produtos industriais essenciais e o pagamento de passivos externos.

Para tentar resolver o problema, o governo Jânio Quadros executou em 1961 a proposta ortodoxa do Fundo Monetário Internacional (FMI): uma desvalorização cambial de 100% acompanhada de um movimento em direção à unificação do mercado de câmbio. A política fracassou porque desconsiderava que as exportações de commodities eram inelásticas à taxa de câmbio, ou seja, não reagiam aos preços e sim ao nível de atividade dos países consumidores. Com isso, o pagamento de importações essenciais dependia do alongamento do prazo dos passivos externos e da mudança da pauta exportadora.

Loureiro demonstra como o governo dos Estados Unidos operou em conjunto com a comunidade financeira de Wall Street para aproveitar a dependência financeira brasileira de modo a realizar seus objetivos estratégicos no país. Durante o governo Goulart, tratava-se nada menos do que boicotar um governo considerado fraco demais para conter a ameaça comunista e a agitação operária. Antes do apoio ao golpe de 1964, uma arma para desestabilizar o governo era manter o balanço de pagamentos em crise.

Em uma economia com ampla capacidade ociosa na indústria e cuja demanda desacelerava depois do Plano de Metas, a desvalorização cambial e os problemas do balanço de pagamentos impulsionavam a inflação pelo canal dos custos. Assim, contribuíram para a explosão das greves, à medida que os trabalhadores se organizavam para repor perdas salariais contra a inflação crescente. Loureiro também documenta a eclosão de greves “políticas”, como na campanha em 1962 para antecipar o plebiscito sobre o sistema de governo. Tais greves alimentaram o discurso contra a ameaça de uma “república sindicalista” que justificaria o golpe de 1964.

O aguçamento do conflito distributivo e político, com boicote financeiro externo, tornava a gestão econômica muito mais difícil. A vitória do presidencialismo no plebiscito de janeiro de 1963 não resolveu a crise política. Um ponto forte do livro é a discussão do Plano Trienal, conduzido por Celso Furtado e Santiago Dantas na retomada do presidencialismo. Enquanto os Estados Unidos vetavam o alongamento da dívida externa, a oposição no Congresso Nacional rejeitou toda proposta de Goulart para o reequilíbrio orçamentário, já flertando com nova ruptura institucional.

O livro é bem-vindo não apenas por causa de sua contribuição aos debates acadêmicos. Tratando de um período de grande instabilidade, o próprio autor frisa no prefácio que a revisita aos acontecimentos que levaram ao golpe de 1964 assume hoje um interesse que vai além da academia.

Pedro Paulo Zahluth Bastos é professor visitante na UC Berkeley, professor livre-docente (licenciado) do Instituto de Economia da Unicamp, autor de A era Vargas: Desenvolvimentismo, economia e sociedade.

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