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Ecofisiologia

Gigantes donos do Sol

Trechos da Amazônia com árvores altas fazem fotossíntese mesmo em condições adversas

Árvores altas mantêm fotossíntese em período menos chuvoso, mas podem sucumbir a problemas hidráulicos

Rafael Oliveira / Unicamp

De ramos esticados para o céu na disputa por um lugar ao Sol, as árvores transformam luz e gás carbônico (CO2) do ar em energia e matéria orgânica. É assim que um tanto de carbono fica estocado nos troncos, sólidos aliados contra as mudanças climáticas, enquanto as árvores estão de pé. Ocorre que todo esse processo também consome água, um recurso que vem se tornando menos disponível na Amazônia, região conhecida pela imensidão dos rios e chuvas torrenciais. A novidade é que o imenso oceano verde não é nada homogêneo. As porções mais altas da floresta têm mais capacidade de fotossíntese mesmo quando chove pouco, de acordo com estudo liderado por pesquisadores da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, publicado na Nature Geoscience.

“Dentro da bacia amazônica, existe uma questão em aberto sobre quais são as florestas que apresentam maior resiliência às mudanças climáticas”, explica o biólogo Rafael Oliveira, professor da Universidade Estadual de Campinas, que participou da elaboração do artigo. Segundo ele, o estudo traz uma contribuição nova porque reuniu um amplo conjunto de dados sobre a Amazônia inteira. Isso foi possível, em parte, devido ao uso de um novo sensor que detecta a fluorescência induzida por radiação solar (SIF). Também entraram na conta dados de satélite que examinam a estrutura da floresta e com informações sobre o clima na região. “Essa radiação funciona como uma forma de estimar a capacidade fotossintética das florestas”, diz Oliveira.

Com essas ferramentas, e dados observacionais de 2007 a 2016, o grupo avaliou como a fotossíntese varia ao longo da bacia quando ocorrem secas extremas e verificou que as florestas mais altas (com árvores maiores do que 30 metros) são três vezes menos sensíveis a essa variação quanto a disponibilidade de água. “Incorporamos um modelo hidráulico para predizer outras características funcionais das florestas.” Uma das hipóteses para explicar o observado é que as árvores grandes, com raízes mais profundas, têm acesso a fontes de água estáveis.

Eduardo Cesar Pau-rosa pode chegar a 30 metros de alturaEduardo Cesar

Parece óbvio, mas a vida subterrânea das árvores é um tanto desconhecida e só agora o grupo de Oliveira demonstrou que as maiores têm raízes mais profundas, usando isótopos estáveis como uma assinatura química da água presente no solo em diferentes profundidades. “Também demonstramos que elas têm um sistema hidráulico mais vulnerável, com uma maior sensibilidade a condições de seca atmosférica”, diz o biólogo, sobre resultados descritos em artigo recentemente aceito para publicação na revista Journal of Ecology. Quando o ar está mais seco as folhas precisam fechar os estômatos, poros por onde se fazem trocas gasosas, o que prejudica a sucção que leva a água das raízes ao topo.

Esse mecanismo está por trás da alta mortalidade das árvores mais altas devido a falhas hidráulicas no transporte da coluna d’água ao longo dos 40 metros que elas podem atingir (ver Pesquisa FAPESP nº 238), um aspecto não considerado pelo estudo da Nature Geoscience, que se concentrou na fotossíntese. Falta equacionar os dois fenômenos para entender melhor o saldo da mudança climática nesse ecossistema, que já tinha sido apontado por outro estudo como o mais vulnerável na América. A comparação entre tipos de vegetação, incluindo os campos e o Cerrado, deixa claro que algumas formações vegetais são mais vulneráveis do que outras. Agora começa a ser possível detalhar, dentro da complexidade amazônica, onde residem a vulnerabilidade e a estabilidade.

A importância maior do estudo está na capacidade de prever o que pode acontecer caso as condições de umidade e temperatura se alterem conforme as projeções climatológicas apontam. A Amazônia tem um papel importante na absorção de grandes quantidades de carbono do ar, de acordo com o ecólogo Paulo Brando, pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e do Centro de Pesquisa Woods Hole, Estados Unidos, em comentário sobre o artigo publicado na mesma edição da revista. Ele também destaca que cada uma dessas árvores de mais de 30 metros pode transferir, por dia, até 500 litros de água do solo à atmosfera. Uma contribuição relevante para o ciclo hídrico do continente.

Projetos
1.
Controles ecofisiológicos sobre a sazonalidade e variabilidade da precipitação na Amazônia (nº 13/50531-2); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Convênio Pesquisa Colaborativa GOAmazon; Pesquisadora responsável Laura de Simone Borma (Inpe); Investimento R$ 1.065.054,67 (FAPESP).
2. Entendendo as respostas do metabolismo fotossintético a variações climáticas sazonais em florestas tropicais (nº 13/50533-5); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Convênio Pesquisa Colaborativa GOAmazon; Pesquisador responsável Luiz Eduardo Oliveira e Cruz de Aragão (Inpe); Investimento R$ 307.360,72 (FAPESP).
3. Interações entre solo-vegetação-atmosfera em uma paisagem tropical em transformação (nº 11/52072-0); Modalidade Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica; Convênio Microsoft Research; Pesquisador responsável Rafael Silva Oliveira (Unicamp); Investimento R$ 1.249.709,83 (FAPESP).

Artigos científicos
GIARDINA, F. et al. Tall Amazonian forests are less sensitive to precipitation variability. Nature Geoscience. v. 11, p. 405-9. 28 mai. 2018.
BRUM, M. et al. Hydrological niche segregation defines forest structure and drought tolerance strategies in a seasonal Amazon forest. Journal of Ecology. no prelo.

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