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Presidente da FAPESP

Trajetória de José Goldemberg é homenageada por expoentes da ciência

Evento realizado na USP celebra o aniversário de 90 anos do presidente da FAPESP e relembra suas principais contribuições à sociedade brasileira

Karina Toledo / Agência FAPESP Goldemberg recebe placa do reitor Vahan AgopyanKarina Toledo / Agência FAPESP

Não há melhor maneira de celebrar uma data importante no meio acadêmico do que a organização de um simpósio científico. E foi pensando em homenagear os 90 anos do físico José Goldemberg, presidente da FAPESP – completados no dia 27 de maio de 2018 –, que se estruturou a programação da V Conferência Regional sobre Mudanças Globais, realizada no Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-USP) nos dias 5 e 6 de junho.

“A reunião foi organizada em torno das três áreas em que o professor Goldemberg teve atuação expressiva ao longo da carreira: energias renováveis para o desenvolvimento; florestas tropicais e sustentabilidade; e negociações internacionais para o combate às mudanças climáticas”, disse Pedro Leite da Silva Dias, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG-USP), ex-aluno de Goldemberg e presidente da comissão organizadora do evento.

“Ele aceitou a homenagem com a condição de que o programa olhasse para o futuro, ou seja, buscasse apontar soluções para os grandes desafios que serão enfrentados por nossa sociedade nos próximos anos, com ênfase na transferência do conhecimento para auxiliar na formulação de políticas públicas”, disse.

Além dos painéis científicos, o programa contou ainda com uma série de depoimentos sobre a trajetória de Goldemberg, apresentados em uma sessão solene realizada no auditório da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, na USP, na tarde de quarta-feira (06/06).

O primeiro a falar foi Tércio Ambrizzi, coordenador do Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre Mudanças Climáticas (NapMC-Incline). “Pensar em mudanças climáticas é pensar em interdisciplinaridade. O tema agrega vários setores da sociedade como saúde, oceanos, produção de alimentos, economia e outros. E quando pensamos em interdisciplinaridade fica claro que temos de pensar na figura do professor Goldemberg, pois ele representa exatamente isso. Trabalhou muito tempo com energia, mas voltado às mudanças climáticas e sempre comunicando a ciência para a sociedade e para os tomadores de decisão”, destacou.

A trajetória acadêmica do presidente da FAPESP teve início ainda nos anos 1940, quando graduou-se em Física pela USP. Na década seguinte, dedicou-se às pesquisas em física nuclear e concluiu o doutorado sob a orientação de Marcelo Damy, a quem auxiliou na instalação do acelerador de elétrons Betatron – primeiro equipamento do tipo no Brasil.

Entre os anos de 1962 e 1963 trabalhou como professor visitante da Stanford University, nos Estados Unidos. Prestes a retornar ao Brasil, recebeu de presente de seus anfitriões o acelerador nuclear que até então era usado na universidade norte-americana e seria substituído por um novo. Na época, o equipamento valia cerca de US$ 1 milhão. Foi desmontado, transportado para São Paulo e remontado no Instituto de Física da USP.

“Acho que eles gostaram do meu trabalho e me deram o acelerador para que a parceria pudesse continuar mesmo à distância”, comentou Goldemberg em entrevista à Agência FAPESP.

Um de seus dois principais orgulhos acadêmicos foi o convite recebido em 1963 da Universidade de Paris, na França, para se tornar professor permanente da instituição. “O decreto de nomeação foi assinado pelo general Charles de Gaulle”, disse.

Por motivos pessoais, Goldemberg decidiu retornar ao Brasil. A partir dos anos 1970, começou a se interessar pelo tema das energias renováveis, chegando a publicar na revista Science um artigo no qual calculou a quantidade de energia consumida por três plantas – mandioca, sorgo-doce e cana de açúcar – para produzir o etanol, mostrando a eficiência da cana na comparação.

Seus estudos na área resultaram em outro grande orgulho acadêmico: a indicação para o Prêmio Zayed de Energia do Futuro (Zayed Future Energy Prize) na categoria Life Achievement, concedido por uma fundação ligada ao governo dos Emirados Árabes Unidos – grande exportador de petróleo – a profissionais de destaque na área de energia renovável. Pela primeira vez foi premiado um cientista ligado à área de bioenergia.

Na década de 1980, o engajamento político de Goldemberg ganhou corpo, bem como sua atuação na administração pública. Presidiu a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Companhia Energética de São Paulo (CESP), a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL), a Eletricidade de São Paulo S/A (Eletropaulo) e a Companhia de Gás de São Paulo (Comgas).

Para Jacques Marcovitch, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA-USP), o que destaca a trajetória do professor Goldemberg é a associação que ele faz entre conhecimento e ação.

“Começou a vida profissional na busca pelo conhecimento, foi o período em que passou pesquisando e publicando artigos. Depois que assumiu a presidência da Sociedade Brasileira de Física e da SBPC, começou a perceber as expectativas da sociedade e a fazer uma ponte entre o conhecimento e a ação, mas sempre buscando a ação que alimenta o conhecimento”, destacou.

Como reitor na USP, entre 1986 e 1989, Goldemberg atuou na defesa da autonomia das universidades paulistas.

“A experiência na administração pública me permitiu ver com clareza a necessidade de assegurar a autonomia financeira da universidade e conquistamos, junto com reitores da Unicamp e Unesp, em 1989, essa condição essencial para permitir o mínimo de agilidade e capacidade de planejamento. Com esse atestado de maioridade conferido pelo governo do Estado de São Paulo às universidades foram criadas as condições para o salto de qualidade nos trabalhos científicos. Um exemplo foi a criação do Instituto de Estudos Avançados (IEA), espaço privilegiado para a interdisciplinaridade e formulação de políticas públicas”, disse Goldemberg durante a sessão em sua homenagem.

Goldemberg também recebeu o prêmio Volvo Meio Ambiente (2000), o KPCB Prize for Greentech Policy Innovators (2007) e o Blue Planet Prize da Asahi Glass Foundation, Japão (2007). Foi selecionado pela revista Time como um dos 13 “Heroes of the Environment in the category of Leaders and Visionaries”, em 2007. Recebeu o Trieste Science Prize da Academia de Ciências do Terceiro Mundo (TWAS), em 2010. Em 2014, foi condecorado com o prêmio “Guerreiro da Educação – Ruy Mesquita”, concedido pelo CIEE – Centro de Integração Empresa Escola e o jornal O Estado de São Paulo. Em 2015, recebeu o prêmio da Fundação Conrado Wessel.

Atuação internacional
Vahan Agopyan, reitor da USP, lembrou de outras importantes conquistas obtidas durante a gestão de Goldemberg à frente da universidade: a mudança no estatuto, que acabou com as cátedras, implantou as pró-reitorias e modernizou a gestão da instituição; o empréstimo concedido pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) que possibilitou modernizar a infraestrutura do campus; e a introdução de avaliações periódicas do sistema acadêmico.

“O professor Goldemberg conseguiu demonstrar que com força de vontade e dedicação é possível modificar as estruturas vigentes e melhorar o nosso país. Nós, da USP, agradecemos sua dedicação. Como brasileiro, tenho orgulho de ter um compatriota com a sua competência e seu idealismo de acreditar que as coisas podem ser melhores e que temos responsabilidade nisso”, disse Agopyan.

Foi também durante o período em que estava à frente da USP, lembrou Silva Dias, que Goldemberg passou a defender a importância de o Brasil colaborar em um esforço mundial contra o efeito estufa. Na época, ainda pouco se falava sobre o tema no âmbito internacional, mas o Brasil começava a sofrer pressão externa para conter o desmatamento da Amazônia.

Reuniu nomes como Aziz Ab’Sáber, Werner Zulauf, Leopoldo Rodés e Marcovitch para iniciar no IEA um projeto de reflorestamento de âmbito nacional que ficou conhecido como Floram.

“Fizeram um levantamento para ver quais regiões do país seriam aptas para o projeto de reflorestamento, que tinha como foco promover a fixação de carbono na biomassa. Mas havia também uma visão econômica do processo. A proposta era que parte da floresta fosse cortada para uso industrial e depois replantada. E tudo isso em uma época pré-Kyoto [protocolo firmado em 1997 entre parte dos países industrializados para reduzir a emissão de gases-estufa]”, contou Silva Dias.

Entre 1990-1991, foi secretário de Ciência e Tecnologia do governo Fernando Collor (o ministério havia sido transformado em secretaria ligada diretamente à presidência), período em que ajudou a organizar a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – mais conhecida como Rio-92 ou Cúpula da Terra e considerada como a mais importante conferência sobre meio ambiente da história.

“Nesse encontro, começaram as negociações internacionais que culminaram no Protocolo de Kyoto. E, mesmo após ter deixado o cargo de secretário, Goldemberg atuou ativamente aqui no IEA-USP na articulação de políticas públicas na área, chegando a propor um método de taxação sobre a emissão de carbono. O resultado foi uma participação brasileira muito expressiva em Kyoto”, afirmou Silva Dias.

Na avaliação do diretor do Instituto de Física da USP, Marcos Nogueira Martins, o trabalho do Goldemberg personifica o que uma boa universidade deve ser: produz conhecimento relevante e de qualidade; divulga esse conhecimento e induz outras pessoas a produzirem conhecimento e a também divulgá-lo; ajuda a criar políticas públicas e a melhorar o funcionamento dos governos.

Para Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), a atuação de Goldemberg “extrapola os limites do país”. “É um grande brasileiro e um motivo de orgulho para todos nós, por sua vida cheia de realizações em benefício da sociedade brasileira”, disse.

Robert Socolow, professor emérito de Engenharia Mecânica e Aeroespacial da Princeton University, nos Estados Unidos, afirmou que o trabalho de Goldemberg sempre foi uma inspiração. “Em particular a ideia de que o mundo pode caminhar na direção de um futuro sustentável. De muitas maneiras tem sido meu mentor. Entre suas conquistas mais importantes está a defesa da energia nuclear para fins pacíficos no Brasil”, disse em vídeo durante o evento.

Celso Lafer, ex-ministro das Relações Exteriores e ex-presidente da FAPESP, destacou que Goldemberg chega aos 90 anos na “plenitude do vigor de sua personalidade e da multiplicidade das suas competências”.

“Uma grande personalidade brasileira que soube captar e exprimir significativas tendências contemporâneas ao inserir o papel da ciência na pauta do país”, disse.

Para Lafer, as experiências acadêmicas e na gestão da USP lhe permitiram exercer cargos no campo governamental, fazendo de Goldemberg um “coringa apto a exercer responsabilidades em funções que exigem a autoridade do conhecimento”.

“Como ministro da Educação afastou-se da rotina e da política da clientela e imprimiu uma visão inovadora como foi a da sua esclarecida reitoria. Preocupado e atento à educação como formação e capacitação”, afirmou.

Lafer lembrou ainda da fecundidade da parceria que ambos exerceram durante a Rio-92 para levar adiante a pauta do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável. “Essa parceria adensou-se no período que me coube presidir a FAPESP e adquiriu contornos adicionais neste momento em que ele preside a Fundação com seu talento, liderança e alto espírito público”, destacou.

Além de presidir a FAPESP, Goldemberg continua ainda hoje orientando estudantes de pós-graduação do IEE, como mencionou o atual diretor do instituto, Colombo Celso Gaeta Tassinari. “Ele é um dos poucos professores cadastrados em nossos dois programas de pós-graduação. Orienta muitos alunos e participa ativamente das atividades”, contou.

E, segundo Goldemberg, a aposentadoria não está em seus planos. “Meu grande projeto no momento é ampliar os investimentos da FAPESP em inovação, as parcerias com empresas e tentar aproximar a Fundação da sociedade. Ela sempre teve a reputação de ser uma organização voltada para a atividade puramente acadêmica, mas agora abrimos o leque – sempre preservando os critérios da boa ciência”, afirmou.

Segundo Goldemberg, em todas as atividades realizadas ao longo de sua trajetória adotou os mesmos critérios que adotou como cientista: objetividade e adoção do mérito alcançado por talento, esforço e competência como único critério de avaliação das ações e das pessoas.

“Nunca exigi dos outros nada além do que exigi de mim mesmo. Agradeço a todos que me ajudaram nessa longa jornada”, disse.

A sessão de homenagens contou ainda com depoimentos de Luiz Gylvan Meira Filho (IEA-USP), Guilherme Ary Plonski (IEA-USP), André Corrêa do Lago (Embaixador em Tóquio), Achim Stainer (Programa das Nações Unidas para o Ambiente), Abram Szajman (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo), Kirk R. Smith (University of California, Berkeley), Luiz Ernesto George Barrichelo (USP), Nebojsa Nakicenovic (International Institute for Applied Systems Analysis) e Liedi Bernucci (Escola Politécnica).

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