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Carreiras

Horizonte ampliado

Alunos da rede pública de Campinas traçam novos caminhos profissionais a partir do ProFIS, curso de formação geral oferecido pela Unicamp

Arquivo pessoal O ProFIS ampliou em cerca de 3% a participação de alunos de escola pública na UnicampArquivo pessoal

Conhecer e experimentar o fazer científico antes mesmo de ingressar em um curso convencional de graduação. Essa é a oportunidade que os melhores alunos das escolas da rede pública de Campinas têm por meio do Programa de Formação Interdisciplinar Superior da Universidade Estadual de Campinas (ProFIS-Unicamp), projeto de formação geral semelhante ao oferecido em instituições de ensino superior dos Estados Unidos, como a Universidade da Califórnia, em Berkeley, por exemplo. “Por meio do ProFIS, os estudantes podem cursar disciplinas em todos os institutos da Unicamp e entrar em contato com conhecimentos básicos do mundo natural, social e artístico, a partir de disciplinas voltadas ao desenvolvimento de habilidades de comunicação oral e escrita, raciocínio lógico e responsabilidade ética, social e ambiental, e suas relações com o mercado de trabalho”, diz o físico Marcelo Knobel, reitor da Unicamp e um dos idealizadores do programa.

O ProFIS tem duração de dois anos, durante os quais os alunos são encorajados a refletir sobre a escolha da carreira profissional. Uma das disciplinas, coordenada pelo Serviço de Apoio ao Estudante (SAE) da universidade, é voltada ao desenvolvimento de autoconhecimento em relação a valores, interesses e habilidades, além de oferecer informações sobre as diferentes formas de atuação profissional. Também nessa disciplina os alunos são apresentados às grades curriculares dos cursos oferecidos pela Unicamp e às atividades empreendidas em cada profissão. Em seguida, discutem as melhores opções, de acordo com suas habilidades e interesses.

“A possibilidade de poder circular pelas faculdades e institutos da Unicamp nos permite sentir a realidade dos cursos, conhecer os alunos e professores, e refletir sobre nossas opções de carreira”, destaca Marcos Vaz, ex-aluno do ProFIS. “Isso nos possibilita fazer uma escolha mais consciente do curso que pretendemos seguir na graduação”, afirma o estudante, que atualmente cursa o primeiro ano de medicina na Faculdade de Ciências Médicas da instituição.

Arquivo pessoal A primeira edição contou com 731 inscritos de 88 escolas públicas de ensino médio de CampinasArquivo pessoal

Orientação profissional
Vaz conta que sempre se interessou por medicina e que, por intermédio do ProFIS, pôde refinar sua escolha, assistindo a algumas aulas do próprio curso e conversando com professores e alunos em diferentes estágios. “Ingressamos na graduação já como veteranos da Unicamp”, observa. Mais do que isso, na avaliação da bióloga Mariana Freitas Nery, coordenadora do ProFIS, os alunos que passam pelo programa iniciam a graduação mais maduros do que os colegas que ingressam por meio do vestibular, destacando-se por sua postura crítica e socialmente engajada. “Muitos fazem questão de participar das discussões do conselho universitário e dos centros acadêmicos da universidade, além de trabalharem em projetos de relevância social”, informa a pesquisadora.

Exemplo disso é Bárbara Cardoso Miranda, aluna da primeira turma do ProFIS que se formou no início deste ano em fonoaudiologia. Na graduação, por iniciativa própria, articulou-se com professores e colegas de diversos cursos para participar do Projeto Rondon, empreendimento do governo federal cujo principal objetivo é levar universitários a pequenas cidades do interior do país para trabalhar em projetos de desenvolvimento local. “Por ser um curso de formação geral, o programa permite a esses jovens expandir sua visão de mundo a partir de discussões sobre as instituições sociais e questões ambientais, históricas, éticas, entre outras, tornando-os cidadãos mais conscientes”, destaca Mariana Nery.

Outro aspecto inovador é a possibilidade de desenvolvimento de uma pesquisa de iniciação científica no segundo ano do curso. A proposta é que os alunos, sob orientação de um professor ou pesquisador da Unicamp, de qualquer área do conhecimento, sejam inseridos no cotidiano de processos criativos ou científicos e elaborem um projeto. “Trata-se do único curso da Unicamp com iniciação científica obrigatória”, destaca Knobel. “Espera-se que, por meio da iniciação científica, os estudantes sejam capazes de desenvolver habilidades de pesquisa e de refletir sobre problemas reais, usando conceitos, técnicas e métodos científicos.”

77% dos matriculados do programa constituem a primeira geração a ingressar no ensino superior em suas famílias

Os resultados desses projetos são compartilhados pelos alunos na Mostra Científica do ProFIS e no Congresso Interno de Iniciação Científica da Unicamp, que acontece uma vez por ano. A ideia é que se familiarizem com a dinâmica envolvendo a apresentação de trabalhos em eventos acadêmicos, aprendam a produzir pôsteres e a defender ideias e conceitos baseados em procedimentos e argumentos científicos.

O impacto dessa formação preliminar é bastante perceptível entre os estudantes que passaram pelo ProFIS, como evidencia a trajetória de Felipe Roberto Francisco, que, aos 25 anos de idade, concluiu a graduação no Instituto de Biologia e ingressou no doutorado direto da própria Unicamp. “O ProFIS foi determinante para que eu pudesse compreender a dinâmica de produção do conhecimento científico, da concepção dos objetivos aos métodos, passando pela redação do trabalho. Esse conhecimento me permitiu dar um salto na carreira acadêmica, ingressando no doutorado logo após a graduação”, diz Francisco, um dos 16 estudantes da primeira turma do ProFIS que concluiu a graduação em biologia este ano na Unicamp.

A proporção de alunos que cursaram toda educação básica na rede pública é de 92,5% entre alunos do ProFIS

Os primeiros semestres do programa costumam ser os mais difíceis para os egressos de escolas públicas, que precisam se adaptar rapidamente à nova realidade acadêmica e às aulas em tempo integral. “Eles precisam se esforçar muito para conseguir acompanhar as aulas e lidar com as deficiências de formação, sobretudo em disciplinas como matemática, física, química e produção de texto”, explica Mariana. Ao todo, os estudantes devem cursar as 28 disciplinas obrigatórias do ProFIS e duas disciplinas eletivas, escolhidas em qualquer curso de graduação da instituição. Outro obstáculo a ser superado é a distância até a universidade. A maioria dos estudantes mora em bairros afastados e tem de vencer longos percursos. “Para eles, não basta oferecer o ingresso na universidade. É preciso criar estratégias de acolhimento e permanência”, esclarece a bióloga. Dentre as medidas adotadas pela instituição, a concessão de bolsa-auxílio no valor de R$ 400 e alimentação gratuita no restaurante universitário revelaram-se acertadas.

Um dos desdobramentos da iniciativa empreendida pelo ProFIS é a transformação dos alunos em agentes multiplicadores, engajados na divulgação do programa nos bairros onde vivem e nas escolas que frequentaram. “Muitos estudantes da rede pública nem sequer sabiam que podiam pleitear uma vaga em universidade gratuita”, comenta Mariana. Graças a esse esforço de divulgação, isso está mudando.“A maioria das escolas já prepara seus alunos para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), vislumbrando uma possível vaga no ProFIS”, ela completa.

Ensino democratizado
ProFIS amplia participação de alunos de escolas públicas na universidade

Arquivo pessoal Alunos da turma de 2015 em aula sobre evoluçãoArquivo pessoal

Lançado em 2011, o ProFIS seleciona, com base em notas do Enem, até dois dos melhores alunos do último ano do ensino médio de cada uma das 95 escolas públicas de Campinas. Todos os alunos podem participar. Basta se inscrever no programa, que assegura pelo menos uma vaga a cada escola. A estratégia se soma aos esforços do Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social (Paais), que desde 2004 concede, também a alunos egressos de escolas públicas, bônus sobre a nota da segunda fase do vestibular.

Após ser aprovado e terminar com sucesso os dois anos do programa, o aluno recebe um certificado de conclusão de curso sequencial de complementação de estudos, podendo escolher, dentre os 61 cursos de graduação oferecidos pela instituição, o que pretende seguir, sem a necessidade de se submeter ao vestibular, de acordo com o seu desempenho e vagas disponíveis.

Desde que foi criado, o programa ampliou em 3% a participação de alunos oriundos de escolas públicas na universidade. Em sua primeira seleção foram 731 inscritos de 88 escolas públicas. Todas as 120 vagas disponíveis foram preenchidas. Além de terem cursado o ensino médio completo em escola pública, pré-requisito do programa, 92,5% também haviam utilizado a rede pública no ensino fundamental.

De acordo com o relatório A avaliação continuada do Programa de Formação Interdisciplinar Superior da Unicamp (ProFIS): Contribuições do estudo longitudinal, lançado em dezembro pelo Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (Nepp) da Unicamp, cerca de 40% dos alunos da primeira turma do ProFIS são pardos ou pretos, percentual 2,7 vezes superior ao de matriculados a partir do vestibular. Em relação à escolaridade dos pais, 77% dos matriculados constituem a primeira geração a ingressar no ensino superior em suas famílias, em comparação aos cerca de 46% dos matriculados a partir do vestibular. 33% dos pais de alunos do programa cursaram o ensino fundamental e 44% o ensino médio.

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