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SBPC

Sementes do saber

Palestras, debates e publicações da entidade promovem a ciência nacional

Participantes da 3ª reunião anual da SBPC, realizada na Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte, em 1951

Acervo SBPC

Em 2010, ainda como estudante de jornalismo, Ádria Siqueira participou da 62ª reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Natal, no Rio Grande do Norte. Em 2014, ela atravessou o país e fez um curso de duas semanas sobre jornalismo científico durante a 66ª reunião anual, em Rio Branco, no Acre. No ano seguinte, foi aprovada no mestrado do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Universidade Estadual de Campinas (Labjor-Unicamp) e em 2018 começou o doutorado em saúde coletiva na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. “Meu plano é seguir a carreira acadêmica com foco na comunicação sobre saúde”, diz ela.

O curso no Acre foi ministrado por professores do Labjor e reuniu 15 estudantes de todo o país. Foi uma das inovações recentes das reuniões anuais da SBPC: os eventos de maior visibilidade pública da sociedade, planejados para promover a ciência nacional e incentivar jovens interessados na carreira acadêmica como Ádria. Em 2017, cerca de 15 mil estudantes acompanharam as palestras de pesquisadores e debates na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte.

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Com um volume de público semelhante, o congresso deste ano realizou-se na Universidade Federal de Alagoas, em Maceió, de 22 a 28 de julho, e discutiu a importância da ciência básica, o financiamento à produção científica e tecnológica, as doenças causadas por arbovírus (dengue, zika, chikungunya e febre amarela), a escravidão no Brasil, o uso de territórios quilombolas, a agricultura familiar, as ondas gravitacionais e a estrela de nêutrons, a resistência das bactérias a antibióticos, as políticas de saúde, entre outros temas. Os debates deste ano marcaram os 70 anos de fundação da agremiação.

Itinerantes e gratuitos, com temas variados, os encontros da SBPC atraem público também por causa de outras atividades, que ganharam espaço nos últimos anos. É o caso da exposição de instituições, centros de pesquisa e empresas com itens como maquetes de foguetes, detectores de raios cósmicos, robôs e fósseis, com entrada gratuita e cerca de 6 mil visitantes por dia. O último dia da exposição é reservado para visitas de famílias, também gratuitas.

Diferentemente do que se poderia pensar à primeira vista, não se trata de espetáculos passageiros. “As palestras, os debates e as atividades paralelas sempre deixam sementes, ainda que com germinação retardada. A reunião anual está mais para uma plantação do que fogos de artifício”, diz o físico Ennio Candotti, diretor-geral do Museu da Amazônia (Musa), presidente da SBPC durante quatro gestões e atualmente presidente de honra.

Publicações
Desde 1949, a SBPC publica a revista Ciência e Cultura, inicialmente financiada pelo empresário Francisco Matarazzo Pignatari (1917-1977). Dirigida durante 18 anos pelo médico José Reis (1907-2002), um dos fundadores da associação, a revista era inicialmente trimestral e veiculava artigos escritos por pesquisadores. Em 1991, começou a ser publicada bimestralmente, em inglês. Após alguns anos sem sair por falta de financiamento, em 2002 entrou em outra fase, redigida em português, com periodicidade trimestral e produção editorial a cargo do Labjor.

Atualmente com uma tiragem de 8 mil exemplares, Ciência e Cultura “publica edições temáticas, explora as tendências do desenvolvimento científico, com artigos de divulgação, mas sempre com referências, e seções com reportagens e notícias, tendo como público-alvo os estudantes de pós-graduação”, comenta o linguista Carlos Vogt, reitor da Unicamp (1990-1994), vice-presidente da SBPC (2001-2003 e 2003-2005), presidente da FAPESP (2002-2007) e editor-chefe da revista de 2002 a 2007 e novamente a partir de 2017.

UFMG / Foca Lisboa Espaço para atividades lúdicas da SBPC Jovem na reunião anual da SBPC em Belo Horizonte em 2017UFMG / Foca Lisboa

Em 1982, na 34a reunião anual, em Campinas, saiu o primeiro número de outra revista da SBPC, a Ciência Hoje, criada por Candotti, pelo neurologista Roberto Lent, pelo físico Alberto Passos Guimarães Filho e pelo geneticista Darcy Almeida (1930-2014). Apoiada inicialmente pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), a revista trazia reportagens feitas por jornalistas e artigos de pesquisadores, com preocupação didática, para atingir um público amplo por meio da linguagem e de temas da atualidade: a primeira edição tratava da poluição em Cubatão. A tiragem saiu dos iniciais 15 mil exemplares e atingiu 80 mil em 1987. Os resultados motivaram o lançamento, em 1986, da Ciência Hoje das Crianças, voltada ao público infantil. “Durante mais de 20 anos, por meio de convênios, o Ministério da Educação e Cultura comprou 180 mil assinaturas da Ciência Hoje das Crianças”, relata Guimarães Filho, presidente do Instituto Ciência Hoje, responsável pela publicação das duas revistas.

No final de 2014, o governo deixou de renovar as assinaturas da revista para crianças. A situação, agravada pela perda de assinantes da Ciência Hoje, levou à dispensa das equipes que a produziam e a interrupção das revistas – em abril de 2016 a Ciência Hoje parou de circular e em dezembro de 2016 foi a vez da Ciência Hoje das Crianças. Segundo Guimarães Filho, convênios com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e com prefeituras para compra de assinaturas permitiram a reativação do site e o reinício da publicação das duas revistas, inicialmente apenas on-line, em julho de 2018. “Estamos retomando, com extrema cautela”, comenta.

Acervo SBPC Capa do primeiro número da revista Ciência Hoje, lançada em julho de 1985, em CampinasAcervo SBPC

As revistas não bastaram para atender aos planos da SBPC. “Vimos que precisávamos de uma publicação mais rápida”, diz o jurista José Monserrat Filho, que criou o Jornal da Ciência, outra publicação da SBPC, novamente com a participação de Candotti. Lançado em 1985 na 37a reunião anual, em Belo Horizonte, inicialmente semanal e com o nome de Informe Ciência Hoje, veiculava notícias e debates sobre política científica e tecnológica. Por criticar decisões do governo federal e de seus representantes na área de ciência e tecnologia, o Jornal da Ciência tornou-se “o galo de briga da ciência brasileira”, comenta Monserrat, editor da publicação até 2007. Em 1994 começou o JC on line, um clipping diário das notícias e artigos sobre ciência e tecnologia, atualmente com 10 mil assinantes, e em 1997 o Jornal da Ciência ganhou o nome atual, mantendo o foco em notícias e debates sobre política científica e tecnológica, e tornou-se quinzenal, com 15 mil leitores.

O lançamento da Ciência Hoje, da Ciência Hoje das Crianças e do Jornal da Ciência, na década de 1980, marcou uma nova etapa da história da SBPC. Antes dessa fase, a agremiação viveu um período difícil na década de 1970, com embates com o regime militar. Em 1977, o governo federal tentou impedir a 29ª reunião anual, marcada inicialmente para Fortaleza, no Ceará, e transferida para a Universidade de São Paulo, onde também foi proibida, e por fim para a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Aqui é território do Vaticano”, argumentou o então arcebispo da capital e reitor da PUC paulistana, dom Paulo Evaristo Arns (1921-2016), bloqueando a intervenção do governo. A SBPC defendeu publicamente a anistia política e a volta de professores exilados do país pelo regime militar.

No último dia do congresso, estudantes, professores e cientistas participaram de um espetáculo musical e teatral, o Show de Música Popular Brasileira da SBPC-77, no Ginásio de Esportes da Portuguesa. De acordo com o Departamento Estadual de Ordem Política e Social (Deops), havia mais de 20 mil pessoas no show, cuja renda foi revertida para a SBPC. Dois meses depois, militares invadiram a PUC e prenderam estudantes e professores considerados opositores do governo militar. Em junho de 2018, em busca de documentos sobre a SBPC, a historiadora Walkiria Chassot encontrou um relatório de 121 páginas elaborado pelo Deops, com notícias publicadas em jornais sobre os debates e as apresentações realizados na reunião da PUC, indicando como o governo seguia de perto os pesquisadores e interessados em ciência.

UFMG / Foca Lisboa Espaço e atividades da SBPC Jovem, que integrou a 69a reunião anual, na UFMG, em 2017UFMG / Foca Lisboa

Não foi a única vez que uma reunião anual da SBPC quase deixa de ocorrer. No início da década de 1990, a SBPC criticava o governo do então presidente da República, Fernando Collor de Mello (1990-1992). “Em 1992, Collor mandou suspender o orçamento para a reunião, mas Lindolpho de Carvalho Dias, que na época era um dos diretores do CNPq, teve presença de espírito e disse que já tinha repassado o dinheiro para a reunião anual”, conta Candotti. Dias presidiu o CNPq na gestão seguinte, de 1993 a 1995. Gradativamente, nos anos seguintes, os congressos da SBPC resgataram o caráter essencialmente científico.

Em paralelo às reuniões anuais – a primeira delas em Campinas, em 1949 –, a SBPC promove conferências de cientistas brasileiros ou estrangeiros em visita ao Brasil. De 1948 a 1951, foram realizados 40 encontros desse tipo, conduzidos por pesquisadores como o patologista Henrique da Rocha Lima (1879-1956), o neurologista Miguel Ozorio de Almeida (1890-1952), os físicos César Lattes (1924-2005), José Leite Lopes (1918-2006) e Marcelo Damy de Souza Santos (1914-2009), o bacteriologista Otto Bier (1906-1985) e o químico naturalizado brasileiro Heinrich Rheinboldt (1891-1955). Entre os estrangeiros, participaram dessas conferências o médico francês Jacques Tréfouël (1897-1977), diretor do Instituto Pasteur de Paris, o fisiologista argentino Bernardo Houssay (1887-1971), ganhador do Nobel de Medicina em 1947, e o fisiologista canadense Charles Best (1899-1978), descobridor da insulina. Com outro tipo de encontro, as reuniões regionais – às vezes até quatro por ano –, a SBPC procura motivar o debate sobre temas de interesse local, como a preservação do Cerrado e a seca no Nordeste, em cidades como Feira de Santana, na Bahia, Cruzeiro do Sul, no Acre, ou Oriximiná, no Pará.

Terceira de quatro reportagens sobre os 70 anos da SBPC.
A próxima reportagem desta série tratará do futuro da SBPC.

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