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Carta da editora | 270

Desafios para a saúde pública

Artigo publicado recentemente no jornal The New York Times (“Anti-vaccine activists have taken science hostage”, 5 de agosto) faz um alerta: por medo de serem mal interpretados, cientistas que pesquisam vacinas têm evitado falar sobre alguns aspectos de sua eficácia e segurança, e até mesmo minimizado resultados que possam indicar problemas relacionados ao seu uso. Considerando-se as recentes epidemias de doenças evitáveis por vacinação, esse temor não é infundado. Entretanto, a autocensura, argumenta o artigo, pode colocar os cientistas no mesmo patamar dos que defendem a não vacinação: pessoas que selecionam os dados que reforçam seu pensamento. A transparência da ciência, conclui, é fundamental para a adesão às vacinas, pois qualquer ocultação só aumenta a desconfiança em relação a uma das principais conquistas da saúde pública mundial.

A reportagem de capa desta edição procura destrinchar o que vem sendo noticiado pela imprensa brasileira: a cobertura vacinal no país, considerada modelo, caiu significativamente nos últimos dois anos (até 21 pontos percentuais). A proporção de crianças vacinadas em 2017 contra poliomielite, rotavírus, hepatites A e B e meningite foi a mais baixa em anos e ficou bem inferior à recomendada pela Organização Mundial da Saúde, tornando o país mais suscetível a epidemias.

Os dados, alarmantes, naturalmente levam à pergunta: por quê? Aventam-se várias causas, mas faltam dados mostrando quanto cada uma efetivamente contribui para esse resultado. Das cinco razões apontadas pelo Ministério da Saúde, quatro dizem respeito à falta de conhecimento ou de comunicação: a percepção enganosa de que doenças como a pólio desapareceram, dispensando a imunização; o desconhecimento do complexo calendário de vacinação obrigatória, suas doses e seus prazos; o receio (infundado) de que o número elevado de vacinas sobrecarrega o sistema imunológico; e, mais alardeado, o temor de que a imunização cause reações prejudiciais ao organismo.

A quinta, de ordem prática, diz respeito à dificuldade imposta pelo horário de funcionamento dos postos de saúde – dias úteis em horário comercial. Especialistas incluem entre as possíveis explicações uma variação dos números de vacinas aplicadas, decorrente da mudança no sistema de registro de imunização. É urgente entender o que efetivamente levou a essa queda abrupta e tomar medidas para reverter o quadro antes que surtos como o de sarampo em Manaus se alastrem pelo país.

O tratamento no Brasil para três doenças evitáveis por vacina (sarampo, tétano, difteria) recebeu avaliação máxima em uma análise comparativa do acesso aos sistemas nacionais de saúde de 195 países e de sua qualidade. Na avaliação dos dados de 1990 a 2016, o Brasil aparece em 96º lugar e apresenta uma melhora geral em relação ao levantamento anterior, mas com aumento das disparidades entre os sistemas de saúde dos estados que o compõem. De forma análoga, os sistemas públicos dos países como um todo aperfeiçoaram seu atendimento, mas os contrastes entre as nações de maior e de menor desenvolvimento se acentuaram.

Ainda no tema da saúde, um pequeno grupo de revistas científicas, que inclui a British Medical Journal, adota desde 2014 a prática de convidar portadores de determinadas doenças e seus cuidadores a avaliar os artigos submetidos, em paralelo à tradicional análise por pares. Segundo a revista, essas pessoas trazem ideias e perspectivas muitas vezes não contempladas pelo sistema acadêmico de revisão.

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