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Financiamento

Recompensa no prato

Investimento em pesquisa ampliou a produtividade da agricultura paulista e gerou retorno econômico para a população

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Um estudo sobre os efeitos dos investimentos em capital humano na agropecuária do estado de São Paulo mostrou que cada R$ 1 aplicado em pesquisa e desenvolvimento (P&D), educação superior e extensão rural resultou em um retorno de R$ 12 para a economia paulista, por meio de um crescimento da produtividade. O trabalho, liderado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), debruçou-se sobre a contribuição de instituições que financiam, geram e disseminam conhecimento de interesse desse setor produtivo. No caso dos investimentos da FAPESP, o levantamento indicou que os recursos destinados pela Fundação a bolsas, projetos de pesquisa e infraestrutura nos campos da agronomia e agricultura produziram um retorno de R$ 27 para cada R$ 1 aplicado, desempenho só superado pelas universidades públicas que formam mão de obra especializada para a agricultura, com R$ 30 restituídos para cada R$ 1 gasto.

Os dados foram divulgados no livro recém-lançado Contribuição da FAPESP ao desenvolvimento da agricultura no estado de São Paulo, que reúne as conclusões de um projeto de pesquisa realizado entre 2013 e 2018. “Hoje se diz com frequência que o agronegócio sustenta a economia brasileira em meio à crise. Isso é o resultado de investimentos em pesquisa e de políticas públicas de longo prazo, mantidas de forma razoavelmente consistente pelas instituições públicas do estado de São Paulo nos últimos 60 anos”, afirma o economista Alexandre Chibebe Nicolella, pesquisador da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (Fearp), da USP, que coordenou a pesquisa com o agrônomo e economista Paulo Cidade de Araújo, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, morto em 2016 aos 84 anos. Em relação aos recursos aplicados pelos institutos estaduais dedicados à pesquisa em agricultura, como o Agronômico (IAC) e o de Tecnologia de Alimentos (Ital), e as unidades paulistas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o retorno econômico foi de R$ 20 por real investido. Para investimentos em extensão rural, que levam assistência e informações técnicas aos produtores, o retorno por real executado foi de R$ 11.

O agronegócio paulista movimentou em 2017 R$ 267,9 bilhões, o equivalente a 13,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do estado. Nos últimos anos, houve uma marcante expansão do setor sucroalcooleiro em São Paulo – os canaviais ocupavam, em 2013, 23% dos 24 milhões de hectares (ha) do estado, ante 12% de 10 anos antes. A produtividade da cultura cresceu de 80 mil para 90 mil quilos por ha ao longo da primeira década deste século. São Paulo também concentra 72% da produção de laranja do país. O suco de laranja, contudo, representa apenas cerca de 3% do PIB agroindustrial paulista, observou o agrônomo e economista Geraldo Sant’Ana de Camargo Barros, professor da Esalq-USP, que também participou do estudo. “No caso da laranja, há uma pequena agregação de valor à matéria-prima. A indústria transforma um valor de R$ 1,66 bilhão da produção da laranja em R$ 1,97 bilhão de suco, o que representa uma agregação de 18,7%. Já a indústria sucroalcooleira transforma R$ 4,8 bilhões de cana em R$ 13,6 bilhões de açúcar e etanol, quase triplicando o valor da matéria-prima”, comparou Barros, segundo a Agência FAPESP.

A agropecuária, no entanto, é bastante diversificada. São Paulo é responsável por 25% da produção de madeira e celulose do país, 17% da de aves e 9% da de café. Das 25 culturas mais importantes do estado, São Paulo é um dos três maiores produtores do país em 16 delas. A produtividade é elevada. “Participando com 11,7% da área plantada total das lavouras brasileiras, contribuiu com 18% do valor da produção agrícola total do país no triênio de 2010 a 2012”, escreveu Maria Auxiliadora de Carvalho, pesquisadora aposentada do Instituto de Economia Agrícola, em um capítulo do livro sobre o projeto que narra a evolução recente da agricultura paulista.

Embora o estudo tenha avaliado o impacto de diferentes instituições, eles atuam de forma complementar. “Temos universidades de primeira linha – um exemplo é a Esalq, que está sempre entre as melhores do mundo em sua área em diferentes rankings – e instituições de pesquisa importantes. Muito do desempenho passado e presente delas se deve a instituições de fomento como a FAPESP”, explica Alexandre Nicolella. “Temos ensino, pesquisa e extensão de qualidade e tudo isso precisa ser financiado.”

Entrevista: Alexandre Nicolella
     

O estudo baseou-se no cálculo da chamada Produtividade Total dos Fatores (PTF), uma forma consagrada de medir o impacto do progresso tecnológico e a influência de investimentos sobre o crescimento da produção. A origem dessa metodologia remonta a um estudo publicado em 1958 pelo economista Zvi Griliches, então na Universidade de Chicago, pesquisador que se tornaria referência em economia das mudanças tecnológicas e em estudos empíricos sobre a difusão de inovações e do retorno de investimentos em P&D. Griliches mensurou de forma pioneira as taxas de retorno de inovações no desenvolvimento do milho híbrido nos Estados Unidos e estimou que cada dólar investido em pesquisa deu um retorno de US$ 8. Em 1972, um artigo publicado por pesquisadores das universidades norte-americanas do Arizona e de Purdue usou a metodologia pela primeira vez no Brasil, ao calcular as taxas de retorno dos investimentos de pesquisa feitos na cultura de algodão do Brasil, por exemplo, pelo IAC na criação de novos cultivares.

O projeto liderado por Nicolella analisou a produção e os gastos com insumos na agricultura paulista no período de 1970 a 2014 para identificar os fatores que permitiram aos agricultores produzir mais com menos recursos. Como o efeito dos investimentos não ocorre no mesmo ano em que eles são realizados, o trabalho considerou modelos econométricos com diferentes recortes, embasados em defasagens distintas. Em um dos modelos, em que a demora em obter efeitos do investimento foi estimada em três anos, observou-se que uma variação de 10% nos gastos com formação de capital humano em pesquisa, educação e extensão rural levou a um aumento de 4,8% na PTF – e que cada R$ 1 aplicado trouxe um retorno de R$ 12. No segundo recorte, considerou-se uma defasagem variável – de um ano para investimentos da FAPESP e em extensão rural, de dois anos para pesquisa e de quatro anos para educação superior – e obteve o retorno já mencionado de R$ 27 por R$ 1 investido pela FAPESP (ver quadro acima). Em um terceiro recorte, a Embrapa foi excluída do cálculo para dar a dimensão do impacto dos institutos estaduais de pesquisa. Nesse caso, o retorno para cada R$ 1 investido em extensão rural foi de R$ 11, R$ 23 para a FAPESP, R$ 29 para os institutos e R$ 35 para educação superior. “Qualquer que seja o modelo adotado, os resultados são sempre positivos e substanciais. A taxa de retorno é maior do que a da grande maioria dos investimentos e mostra que a política pública valeu a pena”, afirma Nicolella. “O dinheiro investido na formação de recursos humanos e na geração de conhecimento resultou em aumento de produtividade, que ampliou a quantidade de alimentos e que, por sua vez, tem o potencial de diminuir os preços.”

Um problema nesse tipo de análise, de acordo com o pesquisador, é que não é possível avaliar a importante influência do investimento privado, por falta de dados disponíveis, e tampouco a incorporação de tecnologias de outras fontes e origens. Outra dificuldade é observar efeitos indiretos do financiamento. “Não há como mensurar o transbordamento dos efeitos de cada investimento: por exemplo, quanto o dinheiro investido na construção do laboratório de uma universidade produziu ganhos diluídos ao longo do tempo. A conta fica misturada”, diz. Os investimentos da FAPESP em projetos da agricultura paulista totalizaram R$ 3,4 bilhões entre 1981 e 2013. Se no início dos anos 1980 essa área absorvia 5% do investimento da Fundação, em 2013 ela alcançou 20%. Desse total, 41,3% foram aplicados em auxílios regulares, 37,2% em bolsas, 11,3% em programas especiais, como o de Pesquisa em Bioenergia (Bioen), e 10,2% em programas de pesquisa para inovação tecnológica.

Fontes
O estudo mostra que fontes federais de financiamento tiveram um papel importante no desempenho da agropecuária paulista. Entre 2001 e 2014, a Embrapa investiu em projetos de suas unidades no estado de São Paulo um valor total de R$ 240 milhões, com picos de investimento nos anos de 2006 (R$ 46,6 milhões), 2009 (R$ 38,7 milhões) e 2011 (R$ 33 milhões). Já o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) financiou projetos e bolsas no campo da agricultura em instituições do estado de São Paulo no total de R$ 331,3 milhões, em valores corrigidos pela inflação, entre 2001 e 2014. Em outras agências, não foi possível determinar o valor exato do investimento. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) concedeu entre 2000 e 2014 10,5 mil bolsas de pós-graduação em programas dedicados à agricultura paulista, mas não há dados consolidados sobre o montante aplicado. Já a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) financiaram projetos de empresas, com destaque para investimentos em tecnologia e inovação. O BNDES destinou à agropecuária paulista cerca de R$ 3,5 bilhões entre 2002 e 2014, principalmente nas cadeias produtivas da cana-de-açúcar, da citricultura, da carne e da celulose.

Não foi a primeira vez que os pesquisadores investigaram a amplitude do retorno econômico dos investimentos em pesquisa em agricultura paulista. Em 2002, Paulo Cidade de Araújo, da Esalq, já havia avaliado o impacto do investimento em capital humano na agropecuária do Estado, utilizando dados menos abrangentes do que os do projeto atual. Na época, as taxas de retorno encontradas foram inferiores às obtidas agora, mas, como os dados que embasam os dois levantamentos são distintos, não é possível fazer uma comparação direta.

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