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Resenha

Mulheres brancas do período colonial

Donas mineiras do período colonial | Maria Beatriz Nizza da Silva | Editora Unesp | 197 páginas | R$ 52,00

Um dos muitos aprendizados que o livro de Maria Beatriz Nizza da Silva nos traz é o de que a história das mulheres, quando bem realizada, inevitavelmente acaba contribuindo para o entendimento da história de gênero. Mesmo que não seja esse o foco de Donas mineiras do período colonial, fica claro, ao longo da obra, que as ações reconstituídas só puderam ganhar visibilidade, na maioria dos casos, em razão da atuação de maridos, filhos e integrantes da administração colonial. O que confirma a natureza relacional da história de homens e mulheres, traço especialmente realçado pela historiadora Joan Scott em sua obra, marco nos estudos sobre o feminismo.

A escolha pelo estudo das mulheres brancas, cujos nomes se encontram registrados na documentação precedidos do pronome de tratamento “dona”, traz uma série de implicações teóricas. A principal delas talvez possa ser formulada a partir da seguinte pergunta: que correspondência existiria entre esse grupo de mulheres designado por “donas”, na colônia, e aquelas que, na metrópole, faziam parte da nobreza? No centro da questão, o fato de que a sociedade da América portuguesa, por mais que se tenha pautado pela da metrópole, esteve longe de ser um “outro Portugal”. Afirmação válida, sobretudo, para Minas, capitania cujo povoamento se deu pela iniciativa de aventureiros das mais diferentes origens na qual o critério de riqueza talvez fosse mais fundante do que o da procedência ou do sangue. O que explica uma sociedade mais fluida, pelo menos nas décadas iniciais, onde imperava o “descrédito ao formalismo”, nas palavras do historiador Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982).

A ausência de uma nobreza hereditária na América portuguesa, assunto abordado anteriormente pela autora, reforça as peculiaridades de nossas relações sociais, alertando-nos de que o emprego de categorias como “Antigo Regime” pode encobrir, muito mais do que revelar, a realidade do contexto colonial. Portanto, em que pese a imprecisão inescapável do termo para a apreensão do universo de mulheres brancas ricas, a denominação “dona” acaba por ser a definição que mais aproxima, no contexto da realidade colonial, ao mesmo tempo “replicante e desviante” da sociedade metropolitana, como bem observou o historiador István Jancsó (1938-2010).

Em seu livro, a autora confirma o que a historiografia vem apontando há certo tempo: a diversidade, principalmente econômica, da capitania, que “é muitas” desde os seus primórdios. Assim, são variadas as pendências nas quais as “donas” se envolveram, relacionadas à posse de terras, de sesmarias ou de pequenas roças, mesmo havendo, em bom número, aquelas que tiveram na mineração a sua atividade principal. Estiveram às voltas com a gerência de engenhos, governaram escravos – algumas, com o assombroso número de 440 cativos! –, ocuparam-se, inclusive, da destruição de quilombos, uma maneira de legalizar a posse de suas terras.

Se muitas das experiências do livro situam-se entre o urbano e o rural, entre a agropecuária e a mineração, aquelas abordadas no capítulo 5 relacionam-se, exclusivamente, aos acontecimentos que tiveram lugar na capitania, no ano de 1788: a Inconfidência Mineira. Maria Beatriz Nizza da Silva pergunta-se se elas haviam “conseguido manter os empreendimentos dos maridos sentenciados como inconfidentes”, conseguindo reaver, no todo ou em parte, os bens sequestrados pela Coroa. O caso mais notório é o de Bárbara Heliodora, a “Bárbara Bela” (1759-1819), musa inspiradora do poeta Alvarenga Peixoto (1742-1793). As informações deixadas pela gestão de sua terça parte na herança do casal permitem conhecermos até mesmo seu estado de espírito – de acordo com os filhos, Bárbara Heliodora vivia em profunda melancolia com a perda do marido. A prostração em que se vira teria dado azo a que uma série de aproveitadores a levassem a fazer doações de seus bens, dissipando boa parte da fortuna deixada por Peixoto.

O itinerário de investigação, proposto pela autora, mostra-se de enorme valia para futuros trabalhos. Revela, também, o quanto há para se explorar em fontes oficiais, como as petições à Coroa encaminhadas “por mulheres da elite mineira”, depositadas no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa e, para o período Joanino, no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.

Andréa Lisly Gonçalves é professora titular do Departamento de História da Universidade Federal de Ouro Preto.

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