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Resenha

Intercâmbio cultural no século XIX

A ilustração (1884-1892) – Circulação de textos e imagens entre Paris, Lisboa e Rio de Janeiro | Tania Regina de Luca | Editora Unesp | 274 páginas | R$ 68,00

A leitura da obra A ilustração (1884-1892) revela muito das estratégias que os historiadores escolhem para se debruçar sobre um tema, tanto do ponto de vista das pesquisas de suas fontes e seus desdobramentos quanto do cuidado com a metodologia e a narrativa que permitem aos leitores conhecer um texto de qualidade e que amplie seu conhecimento sobre determinado tema.

Todas essas características estão presentes no livro de autoria de Tania Regina de Luca, escrito a partir de sua vinculação ao projeto temático intitulado “A circulação transatlântica dos impressos: A globalização da cultura no século XIX”, sob coordenação de Márcia Azevedo de Abreu (Universidade Estadual de Campinas) e publicado pela Editora da Universidade Estadual Paulista.

O livro está dividido em três capítulos que tratam da idealização e trajetória de uma das inúmeras revistas ilustradas existentes na Europa, que pretendeu ser a primeira publicação do gênero em português a seguir padrões de qualidade de suas congêneres mais sofisticadas. A ilustração se consolidou no período entre 1884-1892 e incorporou inovações técnicas e tipográficas só praticadas na França. Tão em voga à época em outras praças europeias, tinha limitações para reproduzir estampas com fidelidade e com a qualidade técnica exigida pelos seus editores portugueses e brasileiros. Dessa forma, precisou ser impressa em Paris, a partir de um acordo firmado com Le Monde Ilustré, revista que possuía um vasto catálogo de estampas e imagens.

Periódicos como Le Monde Ilustré permitiram a ampliação e incorporação nas páginas de A ilustração de textos e imagens que reproduziam acontecimentos, feiras e exposições internacionais, além de monumentos e atividades cotidianas de cidades europeias, compartilhando com todos os seus leitores o que havia de mais recente e moderno, sobretudo em Paris, quanto a inventos, modas, vida social e textos de autores consagrados, desenvolvendo o gosto do público pelo conceito de civilização.

A autora analisa também o conteúdo e processo de produção da revista desde a concepção até seu nostálgico fim, devido a problemas muito frequentes à época, como disputas e dificuldades de financiamento, distribuição e circulação em Portugal e no Brasil, bem como em alguns outros países da América Latina. Ao longo do texto, o leitor toma conhecimento das várias formas e usos das estampas, os processos de produção, as questões relativas à autoria, a procedência e a apropriação de textos e imagens pelos assinantes, além do papel desempenhado pelo editor, correspondente e divulgador Mariano Pina (1860-1899) – indivíduo que em suas amplas e diversas funções batalhou para fazer nascer, vingar e manter ativo o periódico, e foi retirado do anonimato pela historiadora.

A obra é inovadora porque coloca em destaque a trajetória da revista e o aumento de consumo de impressos dessa natureza em todo o mundo atlântico. Destacam-se também pela complexidade das fontes utilizadas: correspondências, jornais, edição integral da revista, balancetes, investimentos financeiros, todas as tratativas para tornar possível a publicação e circulação do periódico. O livro combina bibliografia atualizada à citada pluralidade de fontes levantadas no Brasil, em Portugal e na França. Com isso, consegue abordar o entrecruzamento de interesses comerciais, as relações internacionais, os investimentos necessários nesse tipo de empreendimento e a luta do correspondente editor para colocar em circulação a revista, atendendo às expectativas dos leitores e alinhavado às demandas dos intelectuais, literatos, políticos, sócios e proprietários, com uma agenda implacável de publicação.

As expectativas despertadas pelo aparecimento dessa revista, aliás, possibilitaram muitas conquistas, ao lado de frustrações, debates literários e construção do imaginário coletivo quanto ao papel exercido pela França no repertório de leitores que viviam distantes, mas que podiam “conhecê-la de perto” na apreciação das imagens e registros da publicação que manteve uma relação inédita e importante entre Mariano Pina e o consumo desse tipo de periódico. Trata-se de obra que merece ser lida como importante contribuição para a história do impresso.

Tania Bessone é professora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

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