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Ecologia

Planta usada para a fabricação de incenso corre risco

Populações da espécie Boswellia papyrifera, na África, que produz a seiva olíbano, não conseguem se regenerar diante de impactos do uso humano

A seiva das árvores da espécie Boswellia papyrifera, conhecida como olíbano, é usada para fazer incenso

Motuma Tolera/Universidade Hawassa

Se você estiver na Etiópia e receber convite para um cafezinho, não pense que será algo rápido saído de uma garrafa térmica. “Eles cobrem o chão com folhas de pinheiro, acendem brasas e incenso de olíbano e torram o café na sua presença”, conta o biólogo brasileiro Peter Groenendyk, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “É preciso sentir o aroma da torra e dizer que está delicioso (betam tóru, na língua amárica), depois eles fervem e passam três vezes a água pelo pó”, completa ele, que não tomava café até passar seis meses nesse país africano durante o mestrado na Universidade de Utrecht, na Holanda. O crucial dessa história, de seu ponto de vista, não é o café em si, mas o incenso, parte do ritual que dura entre 45 minutos e uma hora. Ele estudou a dinâmica populacional das árvores da espécie Boswellia papyrifera, da qual é retirada a seiva chamada olíbano, que solta uma fumaça aromática quando queimada. O futuro da produção dessa resina está ameaçado, de acordo com artigo de que ele é coautor, publicado nesta segunda-feira (1º de julho) na revista científica Nature Sustainability.

Além do ritual etíope do café, e de ocasionalmente aromatizar a casa de qualquer pessoa mundo afora, o uso do olíbano em cerimônias religiosas tem raízes profundas. Foi um dos presentes que, de acordo com a Bíblia, o bebê Jesus recebeu dos reis magos. Outro deles foi mirra, que também cresce nessa região da África que inclui Etiópia e Eritreia. São florestas secas e meio atarracadas, que guardam alguma semelhança com a Caatinga brasileira, e cujas árvores não costumam passar de 7 metros de altura e 50 centímetros de diâmetro. A partir de levantamentos populacionais, um projeto liderado pelos ecólogos holandeses Frans Bongers e Pieter Zuidema, da Universidade de Wageningen, do qual Groenendyk participou, prevê o colapso das populações de B. papyrifera – atualmente a principal fonte de olíbano – nas próximas décadas, causando a redução à metade da produção da resina em 20 anos.

Motuma Tolera / Universidade Hawassa Uso das florestas para agricultura ou pecuária impede que os brotos se transformem em árvores jovensMotuma Tolera / Universidade Hawassa

Parte do trabalho envolveu levantamentos de campo detalhados, análises de anéis de crescimento, somados a dados publicados por outros grupos. Em conjunto, são 23 populações na Etiópia, na Eritreia e no Sudão. “Na maioria delas já não há plantas jovens”, conta o pesquisador. Elas até germinam, de maneira que é possível encontrar mudas pequenas, mas, principalmente pela ação de rebanhos de gado e cabras. Além de queimadas, não chegam a se tornar pequenas árvores. As integrantes mais velhas da população também estão escasseando, em grande parte porque ficam fragilizadas pela repetida extração de seiva – tendo a casca cortada por uma machadinha especial chamada Mngaf – e sucumbem a fungos e insetos. “As populações não se regeneram”, resume Groenendyk. O modelo computacional construído em cima dos dados de levantamento deu origem às projeções para o futuro, que agora embasam o pedido de que B. papyrifera seja classificada como espécie ameaçada.

Os pesquisadores propõem estratégias de manejo difíceis de serem implementadas por interferir em práticas arraigadas nas sociedades e no modo de comércio que vão do local ao global. As terras onde crescem as árvores das quais aldeões retiram a seiva e mantêm seus rebanhos são de propriedade do Estado, portanto não há ninguém diretamente responsável por elas. “Talvez pudessem ser de responsabilidade da vila e não do Estado”, propõe o professor da Unicamp. “Também seria importante haver menos intermediários na cadeia comercial do olíbano.” Ele defende a implementação de um selo reconhecido internacionalmente que certifique a produção sustentável – tanto do ponto de vista ecológico como social.

Outras espécies de Boswellia também produzem olíbano e podem substituir a produção da região da Etiópia. A substituição depende de cuidar melhor das espécies que existem entre a África e a Índia, que de acordo com o artigo também não estão em boa situação. Essa, no entanto, não é solução ideal porque representaria a perda de uma renda importante para as pessoas que hoje exploram o recurso da B. papyrifera. No Brasil, uma fonte importante para a produção de incenso é o breu, extraído de uma árvore amazônica (Protium heptaphyllum).

Projeto
DendroGrad: Aplicando anéis de crescimento, anatomia da madeira e atributos hidráulicos em um gradiente ambiental para avaliar as respostas de crescimento de três espécies tropicais à fertilização por CO2 (nº 18/01847-0); Programa Jovem Pesquisador; Pesquisador responsável Peter Stoltenborg Groenendyk (Unicamp); Investimento R$ 893.013,89.

Artigo científico
BONGERS, F. et al. Frankincense in peril. Nature Sustainability. on-line. 1º jul. 2019.

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