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Resenha

O “método Zanini” e a pesquisa em arte

Walter Zanini: Vanguardas, desmaterialização, tecnologias na arte | Eduardo de Jesus (org.) | WMF Martins Fontes, 336 páginas | R$ 50,00

Para quem se interessa pelo estudo da arte contemporânea, a obra de Walter Zanini (1925-2013) e sua atuação pioneira no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), que dirigiu entre 1963 e 1978, são fundamentais. Suas experiências inovadoras no museu se consolidaram nas curadorias que organizou para as bienais de São Paulo em 1981 e 1983. A vida profissional de Zanini foi marcada por intensa atividade como docente e articulador da pesquisa em arte no Brasil.

O livro Walter Zanini: Vanguardas, desmaterialização, tecnologias na arte, organizado por Eduardo de Jesus, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, parte de volume extenso de manuscritos, quase 800 páginas escritas por Zanini ao longo de 20 anos. Os textos reunidos mostram a trajetória de seu pensamento em torno da questão da tecnologia na arte, um estudo que se movimenta inicialmente pelo impacto causado pela imagem eletrônica. A pesquisa agora publicada foi aprofundada por Zanini, entre 1997 e 2005, com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A publicação vem se reunir à coletânea Walter Zanini: Escrituras críticas (Annablume, 2013), organizada por Cristine Freire.

Em tempos de desvalorização da pesquisa acadêmica no país, causa um misto de satisfação e apreensão ler, na apresentação de Eduardo de Jesus, sobre a importância dos Relatórios de pesquisa ano a ano produzidos pelo teórico para o CNPq. Para Jesus, os relatórios foram peças-chave para se aproximar do processo de trabalho de Zanini. Se pudéssemos falar em “método Zanini”, escreve Jesus, seria “uma mistura de rigor conceitual e enorme esforço de investigação em revisões bibliográficas, visitas a exposições, artistas e acervos institucionais”.

Pode-se dizer que é mesmo um prazer encontrar nos textos essa prática permeada por visitas a exposições, o contato regular e direto com artistas e curadores e a leitura de revistas e textos produzidos pelo meio. A leitura do livro traz a vontade de fazer anotações para a preparação de aulas, as referências são generosas e trazem vasto material de estudo sobre a história da arte recente. Zanini buscou situar a imagem eletrônica nesse contexto, olhando de forma sistemática para as experiências dos artistas com os meios eletrônicos e as tecnologias de comunicação.

O livro está dividido em sete capítulos que estruturam sua pesquisa conceitual. O capítulo 1, “Da arte artesanal e mecânica à arte eletrônica”, começa no final do século XIX para discutir alguns movimentos das vanguardas históricas, como o Futurismo. No capítulo 2, a “Arte cinética”, destaca-se a análise que faz dos environments criados para exposições de arte cinética que demandavam construções de movimento mecânico e ambientes com luzes artificiais. Ainda que distante da complexidade conceitual e tecnológica das instalações, Zanini chama a atenção para os encadeamentos que contribuíram, em sua opinião, para a fundamentação da arte eletrônica.

O terceiro capítulo trata dos processos de desmaterialização da arte. Chama a atenção o olhar atento de Zanini para a influência de John Cage (1912-1992), quando era professor no Black Mountain College, na produção de alunos e colegas, como Robert Rauschenberg (1925-2008), Merce Cunningham (1919-2009) e Allan Kaprow (1927-2006). Difícil não lembrar da atuação do próprio Zanini no período em que transformou o museu universitário em laboratório para artistas e de exposições, como da Jovem Arte Contemporânea (JAC 1967-1974), realizadas em plena ditadura militar.

O quarto capítulo discute aspectos da contribuição do cinema de artista e experimental. O quinto e sexto capítulos são dedicados a analisar os primórdios da história do vídeo e as experiências de consolidação da videoarte, os artistas, as exposições e as instituições culturais. No último capítulo, “Arte e tecnologia no Brasil”, Zanini analisa pioneiros nessa pesquisa, como Abraham Palatnik, Waldemar Cordeiro (1925-1973), Geraldo de Barros (1923-1998), entre outros.

Se a proposição de Zanini era olhar para a tecnologia como “um dos vetores dos processos de desmaterialização”,  a importância da publicação dessa obra está em trazer o debate sobre a tecnologia na arte para um contexto mais amplo, o da história da arte. Uma ótima leitura.

Ana Pato é curadora independente, com doutorado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP).

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