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Carta da editora | 284

Os desafios da Amazônia

O debate sobre o futuro da Amazônia depende essencialmente de como se define desenvolvimento. Diversas iniciativas governamentais – e privadas, muitas vezes ilegais – desde os anos 1970 estão centradas na ideia de ocupação do território para atividades agropecuárias e de mineração, além do uso dos rios para geração de energia elétrica, mesmo que implique a derrubada descontrolada da floresta. A região Norte é a mais pobre do país e o desmatamento contínuo, que já consumiu 20% da área original da floresta no Brasil, afeta negativamente o clima regional, com impacto no continente e no restante do planeta.

A floresta amazônica exerce um papel fundamental na chamada química atmosférica: é uma gigantesca fonte de vapor-d’água. Leva chuva da região Norte até a bacia do rio da Prata, favorecendo, por exemplo, a atividade agropecuária da região Centro-Oeste. Um estudo mostra que o desmatamento total ou parcial das três grandes florestas tropicais do mundo – da bacia do Congo e do Sudeste Asiático, além da amazônica, a maior delas – causaria um aumento da temperatura do planeta de 0,7 °C, o que equivale a boa parte do aquecimento causado pela ação humana desde a Revolução Industrial.

O ecossistema rico e delicado da Amazônia demanda um modelo de desenvolvimento próprio, que privilegie as particularidades da floresta, aproveitando sua imensa biodiversidade e respeitando a população local – indígenas, ribeirinhos e moradores das cidades. A discussão deve contemplar questões como manejo sustentável de recursos como pesca, madeira e frutos, a oferta de infraestrutura para seus habitantes (na região que concentra 20% de água doce de toda a Terra, 30% da população não tem acesso à água potável e 87% vive sem coleta de esgoto), o combate ao desmatamento ilegal, a grilagem de terras públicas, entre outros pontos. A ciência tem a contribuir: no estudo da biodiversidade; na domesticação de espécies nativas com relevância comercial; na recuperação de pastagens abandonadas para uso em uma agricultura mais tecnológica e uma pecuária mais intensiva, ou em floresta.

Pesquisa FAPESP dedica 26 páginas desta edição ao tema. Elas mostram os mecanismos que fazem da Amazônia um elemento central do clima global e como o desmatamento está levando a mudanças como o prolongamento da estação seca. O desenvolvimento sustentável da região é tema de reportagem à página 32, complementada por entrevistas com o ecólogo Paulo Moutinho, do Ipam, e o químico Lauro Barata, professor visitante sênior da Ufopa.

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No final da década de 1980, os primeiros indígenas brasileiros ingressaram em cursos de graduação. Trinta anos depois, com doutorado concluído, alguns se tornaram cientistas e desenvolvem pesquisas em áreas do conhecimento que vão desde a etnografia até a agroecologia e a educação. Sua presença na academia tem ampliado o escopo de investigações científicas, com a proposição de novas questões para os diferentes campos do saber onde atuam.

Revelador de sua forma de ver o mundo e a si mesmos, os Tupi demonstravam um conhecimento de anatomia que não encontrava tradução para o português. Escrito no final do século XVI pelo padre jesuíta Pero de Castilho, Nomes das partes do corpo humano, pella língua do Brasil foi o primeiro dicionário brasileiro sobre o corpo humano, trazendo a visão dos Tupi. Termos sem equivalência tiveram que ser descritos, como bopitéraiçâba, os “riscos da palma da mão” (hoje, pregas palmares).

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