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Obituário

Morre Ricardo Rodrigues, responsável pelos aceleradores dos síncrotrons UVX e Sirius

Engenheiro e físico projetou o mais complexo e versátil instrumento de pesquisa construído no país

Ricardo Rodrigues, fotografado em 2014

Julio Fujikawa

O físico Antonio Ricardo Droher Rodrigues morreu nesta sexta-feira, 3 de janeiro, aos 68 anos. Engenheiro civil formado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e doutor em física pelo King’s College, University of London, foi responsável pelo projeto dos aceleradores dos dois síncrotrons brasileiros: o UVX, o primeiro do hemisfério Sul, inaugurado em 1997, e o Sirius, seu sucessor, em fase final de comissionamento, ambos no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas. Natural de Curitiba, era casado com Liu Lin, líder do grupo de Física de Aceleradores do LNLS, e deixa três filhos: Erica, Kevin e Ian. Seu corpo foi cremado no sábado, em Campinas.

“Ricardo foi um engenheiro genial, responsável pela parte principal no projeto do primeiro Síncrotron UVX. Foi também quem projetou o Sirius e dirigiu as operações que levaram ao seu sucesso como grande obra instrumental para a ciência, inteiramente projetado e, em grande parte [80%], construído no Brasil”, diz Rogério Cezar Cerqueira Leite, presidente do Conselho do CNPEM. “Além do mais, foi sempre um pesquisador dedicado, gentil e modesto. Enfim, um exemplo de cientista e cidadão para todos os brasileiros.”

Em tratamento de um câncer no pulmão, Rodrigues não presenciou a primeira volta de elétrons no anel de Sirius, em 25 de novembro de 2019, e nem estava presente quando a equipe conseguiu armazenar elétrons por várias horas no acelerador, em 14 de dezembro do mesmo ano. Mas apareceu para uma foto dois dias depois, quando a equipe conseguiu gerar corrente suficiente para fazer chegar a luz síncrotron pela primeira vez em uma das futuras estações experimentais do Sirius. “Fizemos por ele. E ele ficou muito feliz”, diz Antonio José Roque da Silva, diretor-geral do CNPEM.

“O Ricardo era um gênio”, afirma o físico Cylon Gonçalves da Silva, que liderou o projeto de construção de UVX, no início dos anos 1980 e que dirigiu o LNLS de 1986 a 1998. “Conheci muita gente excepcional, mas inteligência técnica e capacidade criativa como a dele eu nunca vi. Não era vaidoso, mas sabia o que valia. Era um líder extraordinário pela generosidade. A comunidade brasileira deve muito a ele.”

O “homem da máquina”
No segundo ano de graduação na engenharia civil da UFPR, Ricardo Rodrigues começou a estudar óptica de raios X, orientado por Cesar Cusatis, coordenador do Laboratório de Óptica de Raios X e Instrumentação no Departamento de Física. “Era uma pessoa excepcional”, lembra Cusati. “Saiu da graduação e foi imediatamente aceito como aluno de doutorado no King´s College, tendo como orientador Michael Hart, o inventor do interferômetro de raios X”, conta. “Quando voltou ao Paraná foi um suporte fundamental para nosso laboratório.”

Três anos depois, transferiu-se para o Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP), onde Cusati tinha feito o doutorado na área de cristalografia de raios X, orientado por Ivone Mascarenhas. “Rodrigues foi um cientista de alto padrão e um dos personagens mais importantes na história recente da ciência brasileira”, diz Sérgio Mascarenhas, professor aposentado do IFSC-USP.

Essa trajetória conferiu a Rodrigues uma formação excepcional. “Tinha uma visão prática, conferida pela engenharia, interessava-se por eletrônica e, ainda durante a graduação, fez iniciação científica em óptica e instrumentação de raios X”, afirma o diretor-geral do CNPEM. Assim, quando Roberto Lobo, presidente do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), começou a montar o Comitê Executivo do Projeto Radiação Síncrotron – que daria origem ao primeiro síncrotron brasileiro e ao LNLS – Rodrigues era um candidato natural. “Bastava dizer que um projeto era difícil que ele mordia a isca”, afirma Cylon Gonçalves.

Rodrigues passou a integrar o comitê executivo do projeto em outubro de 1983. Dois anos depois, aos 33 anos, coordenou a equipe de engenheiros e físicos que desenvolveu o projeto do anel acelerador no Stanford Synchrotron Radiation Laboratory (SSRL), nos Estados Unidos, sob orientação de Helmut Wiedemann.

“Não tinha ninguém que sabia fazer isso aqui no Brasil e fomos lá aprender”, contou o próprio Rodrigues em entrevista ao site O mundo da usinagem, em 2019. Quando o UVX começou a ser construído, em 1986, o físico já era conhecido como o “homem da máquina”, conta Marcelo Baumann Burgos no livro Ciência na periferia: A luz síncrotron brasileira. Um ano depois assumia a posição de chefe da Divisão de Projetos do então recém-criado LNLS.

O trabalho desenvolvido em Stanford, conhecido como Projeto 1, era mais moderno e arrojado do que foi possível construir na época. A partir de meados dos anos 1980, a falta de recursos, além de comprometer o cronograma do UVX, exigiu que a equipe liderada por Ricardo Rodrigues revisasse os parâmetros da máquina: o acelerador, inicialmente projetado para uma energia de 3 gigaelétrons-volt (GeV), foi redesenhado para operar com 1,15 GeV.

O UVX foi inaugurado em 1997. Quatro anos depois, quando Gonçalves deixou a direção do LNLS, Rodrigues demitiu-se. “Após 15 anos de trabalho intenso, estávamos todos exaustos, estressados”, lembra Gonçalves.

Depois que deixou o LNLS, em 2002, Rodrigues decidiu empreender. Junto com Liu Lin e o técnico em eletrônica Carlos Scorzato, amigo desde os tempos da UFPR, montou a Skedio Tecnologia. “A nossa proposta era fazer instrumentação”, conta Scorzato. A empresa desenvolveu controles para a indústria da construção civil, desfibriladores cardíacos, dosadores, medidor de pressão industrial, entre outros. “A ideia era produzir coisas que não existiam”, resume.

Em 13 de agosto de 2009, o físico voltou ao LNLS atendendo a um convite de José Roque da Silva, que acabara de assumir a direção do laboratório com o compromisso de iniciar o projeto de construção de um novo síncrotron. O sim veio depois de um almoço de mais de duas horas. “Ele me perguntou se valeu a pena ter construído o primeiro síncrotron. Respondi que o UVX foi fundamental para o treinamento de pessoas para dar um salto mais competitivo com uma nova máquina. Além disso, era a chance de ele realizar o sonho de fazer um equipamento de fronteira”, afirma o diretor-geral do CNPEM.

Quando iniciou o projeto Sirius, Rodrigues era, novamente, o homem certo, no lugar certo. O novo síncrotron, de quarta geração, foi concebido no estado da arte da tecnologia, comparando-se apenas ao Max IV, inaugurado em junho de 2016 na Suécia. “O projeto inicial era fazer uma máquina de terceira geração e, então, o comitê avaliou que todos no mundo já estavam pensando em quarta. Em um mês, refizemos todo o projeto de óptica da máquina e mudamos a câmara de vácuo, que precisava ser de cobre. Foi um bom aquecimento. Hoje temos uma máquina melhor que a do Max IV”, disse Rodrigues na entrevista ao site O mundo da Usinagem. Foi ele quem liderou a equipe do LNLS no redesenho da rede magnética para que o brilho de Sirius fosse o mais intenso entre todos os síncrotrons em operação, lembra Silva.

A nova máquina, que deverá iniciar a operação ainda este ano, possibilitará a realização de pesquisa competitiva, impossível de ser realizada hoje no Brasil com o síncrotron atual. As seis primeiras estações experimentais de pesquisa – nanoscopia de raios X, espalhamento coerente de raios X, micro e nanocristalografia macromolecular, por exemplo – foram selecionadas para atender tanto às novas demandas da ciência e da tecnologia, como para permitir o avanço de investigações em áreas estratégicas como óleo e gás, saúde, entre outras.

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