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Geoquímica

Meteorito empoeirado

Fragmento de astro que caiu em 1969 na Austrália guarda material de até 7,5 bilhões de anos, mais antigo do que o Sistema Solar

Fragmento do meteorito Murchison

Rodney Start/Museums Victoria

Perto de 11h do domingo de 28 de setembro de 1969, uma bola de fogo cruzou o céu no sul da Austrália. Era uma rocha vinda do espaço que, ainda no alto, explodiu e gerou um estrondo ouvido segundos mais tarde. Uma chuva de pequenos blocos caiu próximo a Murchison, um vilarejo a 160 quilômetros ao norte de Melbourne, capital do estado de Vitória. Os quase 100 quilos de fragmentos recuperados do meteorito foram distribuídos entre museus nos Estados Unidos e na Austrália e vêm sendo analisados há cinco décadas. Os pesquisadores se interessam em conhecer a origem e composição de corpos como o meteorito Murchison porque podem revelar como era a nuvem de gás e poeira que originou o Sol e seus planetas.

O estudo mais recente de amostras do Murchison revelou que esse meteorito contém grãos de poeira estelar formados até 7,5 bilhões de anos atrás, bem antes do Sistema Solar. Por essa razão, esses grãos são chamados de pré-solares. “Esses são os materiais sólidos mais antigos já encontrados na Terra”, afirmou à imprensa o geoquímico norte-americano Philipp Heck, pesquisador do Field Museum e da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, primeiro autor do artigo que descreveu os resultados em 13 de janeiro na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).

Heck coordenou o trabalho de um grupo internacional integrado pela geoquímica brasileira Janaína Nunes Ávila, da Universidade Nacional Australiana (ANU), que usou diferentes técnicas para investigar a estrutura, a idade e a origem de 40 grãos de poeira estelar pré-solares  extraídos do Murchison. Alguns deles já haviam sido analisados com técnicas menos precisas, que lhes atribuíram uma idade superior à do Sistema Solar, mas não tão elevada quanto agora.

Invisíveis a olho nu, esses grãos pré-solares são muito raros. Eles se formaram a partir da agregação de elementos químicos nas camadas de poeira que envolvem certas estrelas no final da vida. Em anos, esses elementos se unem até formar minúsculos grãos, que acabam incorporados à estrutura de asteroides como o que gerou o meteorito Murchison. “Cada grão é essencialmente um minúsculo pedaço congelado de uma estrela que morreu antes da formação do Sistema Solar”, conta Ávila. Seu trabalho permitiu identificar que os grãos de poeira do Murchison analisados agora foram gerados por gigantes vermelhas, estrelas mais velhas e brilhantes do que o Sol.

Para extrair os grãos, os pesquisadores, primeiro, trituram uma lasca do meteorito até que vire um pó muito fino. Depois, usam ácidos para dissolver os compostos orgânicos e os inorgânicos mais solúveis. O que resta são grãos extremamente resistentes – os estudados são de carbeto de silício (SiC).

Janaína Ávila/ANU Grãos de poeira estelar analisadosJanaína Ávila/ANU

O Murchison integra uma classe de meteoritos chamada condrito carbonáceo, ricos em compostos orgânicos e pouco alterados pelo calor durante sua formação. “Os condritos carbonáceos passam por temperaturas inferiores a 200 graus Celsius”, explica a astrônoma Maria Elizabeth Zucolotto, curadora da seção de meteoritos do Museu Nacional (MN), no Rio de Janeiro. “Por essa razão, sua composição química sofre pouca alteração e eles funcionam como uma espécie de registro fóssil da época e da região em que surgiram.” Quando manipulados, liberam um odor característico, que, para alguns, lembra uma mistura de cheiro de asfalto com o de lama de mangue.

Para estimar a idade dos grãos de carbeto de silício, os pesquisadores mediram a concentração de dois elementos químicos que ficam aprisionados em sua estrutura: hélio (He) e neônio (Ne). O grupo analisou especificamente duas variedades (isótopos) desses elementos raras na Terra: o He-3, que contém em seu núcleo duas partículas de carga elétrica positiva (prótons) e uma neutra (nêutron), e o Ne-21, com 10 prótons e 11 nêutrons. Esses isótopos são produzidos no espaço a partir da interação de raios cósmicos (partículas altamente energéticas que viajam a velocidades próximas à da luz) com outros elementos químicos. Como a concentração de He-3 e de Ne-21 nos grãos é proporcional ao tempo que passaram expostos aos raios cósmicos, os pesquisadores conseguem calcular quando os grãos se formaram.

Dos 40 exemplares analisados agora, 24 têm entre 4,6 bilhões e 4,9 bilhões de anos de idade (a Terra se formou há 4,5 bilhões de anos). Quatro têm mais de 5,5 bilhões de anos – o mais antigo se formou cerca de 7,5 bilhões de anos atrás. A maior parte dos grãos vagou entre 4 milhões e 3 bilhões de anos no espaço antes de ser incorporada por estruturas maiores que protegeram os grãos da ação dos raios cósmicos. O Universo tem a idade estimada em 13,7 bilhões de anos.

Segundo Heck, a existência de mais grãos com idade entre 4,6 bilhões e 4,9 bilhões de anos sugere que teria havido um surto de formação de estrelas na Via Láctea, a galáxia que abriga o Sistema Solar, há 7 bilhões de anos. Uma proporção maior de estrelas teria nascido, evoluído rapidamente e morrido 2 bilhões de anos mais tarde, expulsando para o espaço os elementos formadores desses grãos. “Houve um tempo, antes do início do Sistema Solar, em que se formaram mais estrelas do que o normal”, explicou. “Graças a esses grãos, agora temos evidências diretas de que houve um período de formação estelar aumentada em nossa galáxia.” O Murchison e outros meteoritos podem abrigar grãos até mais antigos, ainda não encontrados.

Artigo científico
HECK, P.  R. et al. Lifetimes of interstellar dust from cosmic ray exposure ages of presolar silicon carbide. PNAS. v.  117, n.  4, p. 1884-7. 13 jan. 2020.

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