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Financiamento

Impulso verde

Estímulos para a adoção de tecnologias sustentáveis pela indústria brasileira podem ter efeitos benéficos para o crescimento da economia, diz estudo

Estímulos fiscais para que a indústria manufatureira brasileira adote tecnologias de baixa emissão de carbono teriam o condão de reestruturar esse segmento e dinamizar seu desempenho ao longo da próxima década. “Se bem coordenadas, políticas desse tipo permitiriam ao Brasil se desenvolver mais e, ao mesmo tempo, cumprir com seus compromissos assumidos no acordo do clima de Paris”, destaca a economista Camila Gramkow, do escritório da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) em Brasília. Ela é uma das autoras de um estudo publicado em fins de 2019 que usou modelos econômicos para identificar tecnologias e mecanismos fiscais capazes de reduzir as emissões de dióxido de carbono (CO2) pela indústria brasileira sem que isso comprometa o crescimento do país na próxima década.

Gramkow iniciou suas análises durante o doutorado, na Universidade de East Anglia, no Reino Unido. A partir de dados do Banco Mundial, ela e sua orientadora, a economista estoniana Annela Anger-Kraavi, selecionaram seis tecnologias de baixo carbono que, uma vez adotadas pela indústria brasileira, poderiam mitigar as emissões de CO2 ao melhorar a eficiência energética e estimular a reciclagem de materiais, por exemplo. “Todas apresentam um bom grau de maturidade tecnológica e estão disponíveis para serem incorporadas pela indústria nos próximos anos”, explica. Em seguida, avaliaram se a introdução de instrumentos fiscais para estimular a adoção dessas tecnologias pelas indústrias seria consistente com um ciclo de desenvolvimento virtuoso no Brasil.

As economistas projetaram os resultados anualmente até 2030 com base em 11 cenários de estímulos fiscais, aplicados com o propósito de direcionar investimentos para a adoção de cada tecnologia, separadamente e em conjunto. Um dos estímulos envolveria a redução do custo tributário em até 11,3 pontos percentuais – dos atuais 24,3% para 13% – para as empresas que investissem na adoção de tecnologias verdes. Outra estratégia considerada pelas pesquisadoras diz respeito à oferta de recursos públicos não reembolsáveis para que as empresas incorporem tecnologias de baixo carbono em sua estrutura de produção. Isso poderia ser feito por meio de órgãos como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “Enquanto os alívios fiscais reduziriam o custo dos investimentos em tecnologias verdes, o financiamento público diminuiria os custos e os riscos associados à sua adoção”, esclarece Gramkow.

O BNDES dispõe de uma linha de financiamento de bens de capital que atualmente pode ser usada pelas empresas para adquirir tecnologias de baixo carbono. O problema, segundo a economista, é que essa linha é reembolsável. Isso significa que as empresas precisam devolver os valores captados, com juros. “Isso torna esse mecanismo pouco atrativo para as empresas, já que a adoção de tecnologias verdes envolve riscos e custos que, se somados aos juros que elas teriam de pagar ao BNDES, inviabilizariam sua incorporação”, esclarece. Para funcionar de acordo com os cenários projetados no estudo, essa linha de financiamento teria de ser adaptada levando em conta critérios de sustentabilidade.

Tributo de carbono
Para compensar a perda da arrecadação e os gastos públicos adicionais associados à oferta de recursos públicos não reembolsáveis às empresas, as pesquisadoras propõem a criação de um tributo sobre CO2 emitido, semelhante ao adotado em vários países do mundo, inclusive da América Latina, como Chile, Colômbia e México. No Brasil, ele incidiria sobre as emissões da combustão fóssil em todos os setores da economia – exceto sobre as famílias –, sendo sua alíquota proporcional aos incentivos oferecidos em cada cenário simulado no estudo. Esse tributo poderia funcionar de forma similar à atual Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), mas com foco nas emissões de CO2, e não no consumo do combustível. “O tributo sobre carbono e os incentivos fiscais verdes estimulariam as indústrias a emitir menos carbono de forma competitiva e paralelamente as encorajariam a investir mais na adoção ou no desenvolvimento de novas tecnologias verdes. Do ponto de vista do governo, essa seria uma forma de anular os impactos orçamentários associados à implementação dos incentivos fiscais em suas contas públicas”, explica. Em uma das simulações feitas por Gramkow, o novo tributo chegaria a € 6 por tonelada de CO2 emitido, a fim de compensar a redução da carga tributária das empresas verdes de 24,3% para 13% e o investimento de quase € 14 bilhões para estimular a adoção de tecnologias que promovessem o aumento da eficiência energética de processos industriais até 2030.

As autoras reconhecem que a adoção de um tributo de carbono afetaria toda a sociedade, sobretudo as populações mais pobres, que poderiam pagar mais por produtos e serviços que compõem sua cesta de consumo. Para corrigir essa distorção socioeconômica, alguns itens consumidos pelas famílias, como o gás de cozinha, não seriam taxados, ao passo que o governo devolveria à sociedade o montante arrecadado pelo tributo sob a forma de políticas públicas que amenizassem esse impacto por meio do aumento da renda e dos salários. “Os valores ajudariam a garantir a saúde das contas públicas e a financiar projetos de pesquisa e desenvolvimento [P&D] de novas tecnologias verdes em empresas e universidades, ou poderiam ser aplicados para diminuir as desigualdades sociais, seja pela redução dos tributos trabalhistas, para favorecer a criação de mais empregos, ou pelo aumento do salário mínimo”, destaca. Na sua avaliação, essas estratégias abririam caminho para um ciclo de desenvolvimento mais sustentável no Brasil, com aumento anual dos investimentos em até 1,16% e melhora da balança comercial em 2,5% até 2030.

Para implementar essas estratégias, o Brasil poderia se aproveitar de instrumentos fiscais existentes e se basear em experiências bem-sucedidas implementadas nos últimos anos no país. Os benefícios fiscais associados ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em vários estados foram ou são usados como ferramentas para promover o aprimoramento de processos e a adoção de tecnologias verdes na indústria. Somente em 2003, 11 estados e o Distrito Federal concordaram em conceder isenções de ICMS para empresas que reaproveitassem garrafas feitas de polietileno tereftalato (PET) na fabricação de adesivos na indústria de plásticos e embalagens. A estratégia aumentou a taxa de reciclagem de garrafas PET, que, de outra forma, contaminariam o meio ambiente, e promoveu a geração de renda, uma vez que a maioria das garrafas reaproveitadas era coletada por cooperativas de catadores. Outros estados trabalham individualmente para estimular a adoção de processos mais sustentáveis na indústria por meio de mecanismos de isenção do ICMS. Desde 1997 o Ceará permite que empresas que fabricam produtos feitos de materiais reciclados reduzam de 17% para 7% a alíquota do imposto.

Mudança de perfil
Essas iniciativas, embora modestas, apontam um caminho possível para o segmento industrial. “Esse é um caminho sem volta”, destaca o economista José Luis Gordon, diretor de Planejamento e Gestão da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii). “No mundo todo as empresas estão cada vez mais preocupadas em buscar novas tecnologias que lhes permitam obter crescimento economicamente e diminuir as emissões de carbono.” Segundo ele, essa tendência resulta da preocupação das companhias em manter seu potencial competitivo, em um contexto de forte pressão de concorrentes de vários países.

As estratégias fiscais avaliadas no estudo poderiam ter impacto positivo mesmo no atual contexto de desaceleração econômica e baixa atividade industrial, segundo o trabalho. Isso porque as políticas de estímulo fiscal, se adotadas, diminuiriam os custos de investimento das empresas em tecnologias verdes e os riscos associados à sua adoção. “Essas políticas são ainda mais importantes na atual situação econômica do país”, ressalta Gramkow. Segundo ela, a desindustrialização da economia brasileira tem contribuído para que o país perca espaço no mercado global de bens de consumo, tornando-se mais dependente da exportação de commodities e suscetível à variação de seus preços no mundo. “O país está perdendo participação nas cadeias globais de valor e isso pode ter consequências a longo prazo.” A implementação de políticas fiscais de estímulo à adoção de tecnologias verdes seria importante não apenas porque favoreceria a implementação de uma política ambiental mais ampla, como também porque ajudaria a indústria brasileira a se inserir em mercados com exigências ambientais mais rígidas.

Gordon ressalta ainda que o setor empresarial tem buscado adotar esse tipo de tecnologia visando aumentar sua produtividade e se tornar competitivo nos mercados globais. “Na Embrapii temos apoiado muitos projetos na linha de desenvolvimento de novas tecnologias verdes. Isso indica que já há uma demanda do setor por esse tipo de inovação, cabe agora ao governo propor mecanismos que estimulem essa prática de forma mais disseminada”, ressalta.

Estímulos fiscais abririam caminho para um ciclo de desenvolvimento mais sustentável no Brasil

Investimento em P&D
O economista André Rauen, do Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada (Ipea), ressalta que a estratégia proposta no estudo precisaria vir acompanhada de políticas de estímulo também de desenvolvimento de tecnologias verdes pela indústria brasileira. “As pesquisadoras demonstram que as políticas de isenção fiscal contribuem para que a indústria introduza tecnologias verdes em sua cadeia de produção, mas é importante que as próprias empresas invistam internamente em P&D”, destaca o economista.

Segundo ele, poucas empresas alocam seus recursos em projetos que envolvem risco tecnológico, mesmo recebendo benefícios fiscais. “Em vez de multiplicarem os investimentos em P&D, usam a desoneração para manter pesquisas incrementais com baixo teor de inovação.” Outro problema é que parte significativa do incentivo fiscal está sendo usada pelas empresas para financiar atividades mais de desenvolvimento do que de pesquisa, o que não condiz com o propósito das isenções fiscais, que é estimular as empresas a aumentar o investimento também em pesquisas mais avançadas.

Para o economista, o Brasil precisa encontrar um ponto de equilíbrio no conjunto de instrumentos fiscais usados para financiar a inovação verde na indústria. “Esse portfólio deve abarcar ferramentas de apoio direto e indireto à pesquisa empresarial, como a isenção de tributos, e estratégias de estímulo à criação de novas demandas públicas, por meio de diretrizes para licitação de compras públicas e regulação de mercados privados”, sugere.

Essas estratégias há algum tempo são aplicadas por países da Europa e em alguns estados norte-americanos. “A ideia consiste em criar uma demanda de compra pública que privilegie bens energeticamente mais eficientes ou definir padrões de certificação ambiental mais rigorosos”, explica. “A Califórnia tem feito isso com relação ao setor automobilístico, exigindo maior eficiência energética dos carros elétricos produzidos no estado. No Reino Unido, prédios recebem selos de certificação de eficiência energética, o que faz com que também o setor de construção civil invista em novas tecnologias nesse sentido.”

Para Rauen, é preciso estruturar essas políticas de forma horizontal, para que elas possam ser usadas por empresas de segmentos diversos. Isso favoreceria o desenvolvimento de tecnologias de baixo carbono de modo mais amplo. “Políticas verticais, como a Lei de Informática, direcionam os incentivos apenas a setores específicos. O modelo horizontal, por outro lado, tem sido usado por vários países para incentivar a inovação tecnológica, promovendo a interação entre empresas e centros de pesquisa.”

Artigo científico
Gramkow, C. e Anger-Kraavi, A. Developing green: A case for the brazilian manufacturing industry. Sustainability. v. 6783, n. 11, p. 1-16. nov. 2019.

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