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Epidemiologia

Novo coronavírus começou a se espalhar no Brasil entre janeiro e fevereiro

Transmissão comunitária já ocorria três semanas antes do registro oficial do primeiro caso

O vírus Sars-CoV-2, causador da Covid-19, provavelmente começou a se disseminar no Brasil já no final de janeiro, quase um mês antes de o primeiro caso ser oficialmente registrado. A afirmação é de um estudo publicado em 24 de abril na revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz em sua seção de fast track, em que os trabalhos saem antes de ser analisados por especialistas da área. Sabe-se há algum tempo que é difícil precisar o início da circulação do vírus em cada país. O número de testes realizados costuma ser pequeno e é elevada a proporção de pessoas infectadas que não apresenta sintomas – pode chegar a 80%. Assim, é comum que o novo coronavírus se instale em uma população sem ser notado.

Pesquisadores do Brasil e do Uruguai criaram uma estratégia estatística para driblar essa falta de dados. O grupo coordenado pelo biólogo Gonzalo Bello, do Laboratório de Aids e Imunologia Molecular do Instituto Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro, partiu das mortes por Covid-19 confirmadas nas primeiras semanas da epidemia para estimar quando os primeiros casos teriam ocorrido. Nesse cálculo, a equipe levou em conta três características da atual pandemia: o vírus mata 1% das pessoas infectadas, a morte ocorre geralmente três semanas após o contágio e o número de óbitos cresce de modo exponencial no início do surto. Com base nessas informações, os pesquisadores calcularam a data provável em que o vírus teria começado a circular em 10 países: China, Brasil, Bélgica, França, Alemanha, Itália, Países Baixos, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos (apenas Nova York).

“Nosso estudo indica que o vírus começou a se espalhar no Brasil por volta do início de fevereiro, coincidindo com sua expansão epidêmica na América do Norte e na Europa Ocidental e precedendo em mais de 20 dias a primeira infecção confirmada por Sars-CoV-2 no país”, escreveram os pesquisadores. O Ministério da Saúde brasileiro registrou a primeira infecção em 26 de fevereiro e a primeira morte em 17 de março.

Apesar de vários países terem registrado o início da transmissão comunitária em momentos muito próximos, a expansão da epidemia em cada localidade parece ter seguido uma dinâmica própria. “Muito provavelmente a dinâmica de expansão da epidemia foi definida por fatores locais, como características ambientais de temperatura, precipitação e poluição do ar, densidade e demografia da população”, relatou o biomédico Tiago Graf, pesquisador do Instituto Gonçalo Moniz, na Bahia, em um comunicado à imprensa. Graf é um dos coautores do trabalho, feito em colaboração com pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e da Universidade da República, no Uruguai.

Evidências obtidas por outras metodologias também jogam para o final de janeiro ou o início de fevereiro o começo da epidemia no Brasil. Desde meados de fevereiro o número de hospitalizações de pessoas com sinais de síndrome respiratória aguda grave contabilizado pelo Infogripe, sistema da Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) que monitora o problema, é superior ao observado no mesmo período de 2019. Além disso, análises moleculares dessas síndromes, realizadas a posteriori, detectaram um caso de infecção por Sars-CoV-2 no Brasil na quarta semana epidemiológica, entre 19 e 25 de janeiro. “Esses dados epidemiológicos confirmam a introdução do Sars-CoV-2 no Brasil desde o fim de janeiro e claramente sustentam nossos resultados, que apontam que o vírus estava circulando na população brasileira desde o início de fevereiro”, afirmou à imprensa Bello, coordenador do estudo.

Artigo científico
DELATORRE, E. et al. Tracking the onset date of the community spread of Sars-CoV-2 in Western CountriesTracking the onset date of the community spread of Sars-CoV-2 in Western Countries. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz. 24 abr. 2020.

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