Imprimir Republicar

Geologia

Amazônia sofreu oscilações climáticas importantes nos últimos 45 mil anos

Estalagmites de caverna no Pará indicam períodos de seca e de abundância de chuva que podem ter afetado floresta

Daniel Menin no salão do Partenon, cujo nome remete a imponentes colunas

Daniel Menin Daniel Menin no salão do Partenon, cujo nome remete a imponentes colunasDaniel Menin

Uma caverna descoberta no Pará há cerca de 15 anos permitiu uma espiadela inédita nos últimos 45 mil anos do clima no leste da Amazônia, de acordo com artigo publicado esta semana (12/1) na revista Nature. A análise geoquímica de estalagmites retiradas da caverna Paraíso permitiu inferir a abundância de chuvas e sugerir momentos mais úmidos e mais secos que podem ter influenciado a floresta. “É um registro único, é muito raro encontrar cavernas calcáreas nessa região”, conta o geólogo Francisco William da Cruz Junior, professor do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (IGc-USP), um dos autores do estudo.

Em 2004 Cruz estava nos Estados Unidos como parte de seu pós-doutorado quando teve notícia da descoberta da caverna Paraíso, e logo se deu conta da importância do achado para estudos do paleoclima da Amazônia. O geólogo Augusto Auler, do Instituto do Carste em Belo Horizonte, outro coautor do estudo, também percebeu e organizou uma expedição para exploração e mapeamento da caverna junto com uma equipe norte-americana, da Universidade de Minnesota, com financiamento da National Geographic. Um deles era o geólogo chinês Xianfeng Wang, na época estudante de doutorado, primeiro autor do artigo da Nature. Os dados só voltaram a ser analisados depois de Wang estar bem estabelecido como professor na Universidade Tecnológica de Nanyang, em Cingapura,  e conseguir voltar ao assunto.

De acordo com os resultados, durante a última glaciação – cerca de 21 mil anos atrás – o leste da Amazônia era bem menos úmido do que hoje, com aproximadamente 58% da chuva dos tempos atuais. Mais recentemente, cerca de 6 mil anos atrás, o estudo detectou um período de grande umidade, com 42% mais chuva do que nos dias de hoje. Os níveis de precipitação ficam registrados nas estalagmites porque a água penetra no solo e dissolve o carbonato de cálcio presente na rocha onde a caverna se formou, e ao gotejar ao longo de muitos e muitos anos forma os espeleotemas, que podem ser estalagmites, estalactites e outras formações. A proporção entre isótopos de oxigênio, formas mais leves e mais pesadas, no carbonato de cálcio dessas formações constitui um indicador climático das mudanças de pluviosidade da região onde a caverna está localizada.

Esse período de seca da era do gelo poderia corroborar teorias de que muito da floresta se tornou savanizada na região, isolando espécies em fragmentos isolados, ou refúgios, e assim se diversificado. Mas não é o que o artigo afirma, com base em isótopos de carbono das formações da caverna: a aridez não teria sido suficiente para causar a savanização da região. “O carbono produzido pelo material biológico é preferencialmente do isótopo mais leve”, explica Cruz. Isso significa que um volume maior de floresta deixa uma assinatura que pode ser detectada nos estudos geoquímicos dos espeleotemas. O geólogo da USP é mais cauteloso em afirmar o que pode ter acontecido com a vegetação amazônica durante a era do gelo. “A indicação de mudança de vegetação ainda necessita ser confirmada por palinólogos [especialistas em fósseis de pólen]”, sugere. O problema é que amostras fósseis de pólen dessa idade são raras ali. “Não existem no leste da Amazônia amostras de pólen com até 45 mil anos de idade”, afirma. Esse tipo de investigação interdisciplinar é um dos objetivos do projeto coordenado pela botânica Lúcia Lohmann, do Instituto de Biociências da USP, de que ele participa (ver Pesquisa FAPESP nº 242).

Estalagmite no salão batizado como Paraíso do Chico 2 em homenagem a Cruz, embora o material para o estudo atual tenha sido recolhido em outro ponto da caverna

Leda Zogbi Estalagmite no salão batizado como Paraíso do Chico 2 em homenagem a Cruz, embora o material para o estudo atual tenha sido recolhido em outro ponto da cavernaLeda Zogbi

Por enquanto, Cruz afirma que as razões isotópicas do oxigênio e carbono das estalagmites da caverna Paraíso permitem dizer que houve no leste da Amazônia uma instabilidade climática que não se verifica no oeste do bioma, conforme indicam perfis de isótopos de oxigênios observados em cavernas no sopé da cordilheira dos Andes.

Na ausência de fogo, o artigo sugere que a floresta amazônica seria bastante resistente a mudanças climáticas, algo que está longe de ser consensual (ver Pesquisa FAPESP nº 238). Os dados do passado não podem ser facilmente extrapolados para o futuro, mas podem ajudar a entender o funcionamento de uma floresta que vem sofrendo muita pressão, como é o caso daquela do Pará. A própria caverna Paraíso só foi encontrada porque está em um assentamento de lavradores do Paraná retirados de uma área que seria inundada por uma usina hidrelétrica.

Hoje a própria existência da caverna, localizada em uma área de exploração de calcário, está ameaçada. A espeleóloga Leda Zogbi, que há 25 anos dedica suas horas vagas a estudar cavernas, fez sua primeira visita à caverna Paraíso em 2007 para ajudar a equipe coordenada por Auler no mapeamento da caverna. Ela está à frente de uma petição para proteger a área da caverna como compensação ambiental das atividades mineradoras na região. A argumentação envolve uma compilação dos estudos paleoclimáticos e biológicos feitos ali, comprovando sua alta relevância. “A Paraíso é uma caverna de ‘máxima relevância’, o que significa que não pode ser destruída”, conclui. E completa que não basta proteger apenas a parte subterrânea, mas também as matas do entorno e os mananciais, já que três rios correm por dentro da Paraíso. “Já mapeamos 3 quilômetros, mas ainda temos muito por descobrir”, conta Leda. As negociações entre o governo e empresas mineradoras estão em andamento, enquanto os habitantes das terras onde a caverna se encontra lidam com dificuldades financeiras e a necessidade de vender a propriedade.

Projeto
Estruturação e evolução da biota amazônica e seu ambiente: uma abordagem integrativa (nº 2012/50260-6); Modalidade Programa Biota/Dimensions-NSF; Pesquisadores responsáveis Lúcia Lohmann (IB-USP) e Joel Cracraft (AMNH); Investimento R$ 3.752.671,77.

Artigo científico
WANG, X. et al. Hydroclimate changes across the Amazon lowlands over the past 45,000 years. Nature. v. 541, n. 7636, p. 204-7. 12 jan. 2017.

Republicar