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AMBIENTE

Ar mais limpo

Estudo revela queda na concentração de um dos principais poluentes atmosféricos na Região Metropolitana de São Paulo liberados pelo escapamento de carros a álcool

Eduardo CesarO ar que os paulistanos respiram está menos poluído. Um estudo recente feito por cientistas do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP) revelou que, nos últimos 30 anos, caiu consideravelmente a concentração de acetaldeído na atmosfera da Região Metropolitana de São Paulo. Esse poluente, que faz parte do grupo dos aldeídos, é liberado principalmente pelo escapamento de veículos movidos a etanol. Além de provocar irritação nas mucosas, nos olhos e nas vias respiratórias e desencadear crises asmáticas, os aldeídos são substâncias carcinogênicas em potencial. Também contribuem para o aquecimento global. De acordo com os resultados da pesquisa realizada na USP, a queda na concentração de acetaldeído deve-se basicamente a dois fatores: aperfeiçoamento da tecnologia de motores automotivos e políticas públicas implementadas no país nas últimas décadas voltadas ao controle da poluição veicular, notadamente o Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve).

Os resultados do estudo são, de certa forma, surpreendentes, porque nos últimos anos verificou-se um aumento substancial no número de veículos movidos a etanol (ou álcool). Lançados em 2003, os carros com tecnologia flex, que podem ser abastecidos com gasolina, álcool ou uma mistura dos dois, já são a maior parte da frota nacional, com mais de 20 milhões de unidades em circulação. A gasolina vendida nos postos de combustível, por sua vez, é misturada ao álcool nas refinarias numa proporção de 75% de gasolina e 25% de álcool. “Apesar do aumento da frota que utiliza etanol, um biocombustível renovável feito a partir da cana-de-açúcar, não se verificou uma elevação no nível de acetaldeído no ar da Grande São Paulo. Pelo contrário. Nossas medições, realizadas entre 2012 e 2013, apontaram uma concentração média de 5,4 partes por bilhão (ppb) de acetaldeído na atmosfera, enquanto um estudo de 1986 mostra que esse valor era cerca de três vezes maior, de 16 ppb”, diz o químico e pós-doutorando do IAG Thiago Nogueira, que liderou a pesquisa. Parte por bilhão é uma medida de concentração utilizada para mensurar substâncias químicas quando as soluções são muito diluídas.

068-071_Ar Limpo_224-1Mariana OruêUma tecnologia automotiva fundamental para frear o aumento dos aldeídos são os catalisadores. Esse equipamento é instalado junto ao escapamento do carro com a função de tratar os gases gerados no processo de combustão antes que eles sejam liberados no ambiente. Todos os veículos atuais, para atender ao Proconve, saem de fábrica equipados com catalisadores de três vias, que recebem esse nome por ajudar a reduzir a presença dos principais poluentes atmosféricos exalados pelos automóveis: monóxido de carbono (CO), óxidos de nitrogênio (NO2) e compostos orgânicos voláteis, grupo no qual se inserem os aldeídos.

“Sem o catalisador seria impossível diminuir a presença de aldeídos na atmosfera, ou de qualquer outro poluente veicular”, explica o engenheiro mecânico Henrique Pereira, membro da comissão técnica de motores da SAE Brasil (Sociedade dos Engenheiros da Mobilidade). “Os catalisadores transformam os gases nocivos resultantes da queima do combustível, entre eles os aldeídos, em compostos menos agressivos à saúde humana e ao ambiente.” De acordo com Pereira, embora seja uma peça fundamental para a melhoria da qualidade do ar, os catalisadores não seriam eficientes caso os motores não tivessem sido aprimorados. “Para que o catalisador atinja um melhor rendimento, o motor do carro precisa receber uma mistura ideal de combustível e ar. Nesse sentido, a injeção eletrônica foi uma inovação mandatória para o bom funcionamento dos motores e, em consequência, dos catalisadores”, diz Pereira. A injeção eletrônica, componente que substituiu os carburadores dos carros existentes até os anos 1980, prepara uma combinação ideal de combustível e ar para o motor.

Outra estrutura aprimorada pelos fabricantes de automóveis com o objetivo de limitar a emissão de poluição foi a câmara de combustão, o local onde ocorrem as explosões da mistura ar-combustível. “Ao melhorar a eficiência da queima da mistura, os carros diminuem a emissão de substâncias poluentes. Isso ajudou a reduzir a emissão de aldeídos pelos automóveis movidos a etanol”, diz o engenheiro químico Alfredo Sílvio Castelli, diretor da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA).

068-071_Ar Limpo_224-2Mariana OruêO desenvolvimento de motores se deu, em larga medida, em função da aprovação de programas e leis ambientais mais restritivas. Com o objetivo de reduzir e controlar a contaminação atmosférica por fontes móveis, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) lançou em 1986 o Proconve, que estabeleceu prazos, limites máximos de emissão para automóveis nacionais e importados. “Antes da regulamentação das emissões no país com o Proconve, os fabricantes de automóveis projetavam seus modelos focando em dois fatores principais: o desempenho do motor e o consumo de combustível. Não se priorizavam as emissões”, conta Pereira. “Com o Proconve, o controle das emissões passou a ser prioritário no desenvolvimento de novos veículos.”

Desde a implantação do programa, o limite de aldeídos vem caindo continuamente. Durante sua primeira fase, não havia um padrão para emissão desses compostos orgânicos formados por uma combinação de átomos de carbono, oxigênio e hidrogênio. A partir da segunda etapa do Proconve, em 1992, ficou estabelecido que os automóveis deveriam sair da fábrica emitindo no máximo 150 miligramas (mg) da substância por quilômetro rodado. Cinco anos depois, na terceira fase, esse valor caiu para 30 mg e atualmente, na quinta fase, o limite é de 20 mg por quilômetro rodado. “O Proconve, definitivamente, ajudou a melhorar a qualidade do ar das cidades brasileiras. Hoje, os chamados veículos leves fabricados no Brasil, grupo que engloba os automóveis, os utilitários e as camionetas, obedecem a um limite de emissão de poluentes no mesmo padrão do encontrado nos Estados Unidos”, diz Castelli. “Os carros movidos a etanol no passado emitiam uma quantidade maior de acetaldeído do que os automóveis flex fabricados hoje”, afirma. “O estudo é interessante por mostrar como se encontra atualmente a atmosfera da Região Metropolitana de São Paulo”, opina o engenheiro Francisco Emilio Nigro, professor da Escola Politécnica da USP e assessor técnico da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo.

Concentração localizada
O estudo realizado no IAG da USP mediu não apenas a concentração de acetaldeído no ar de São Paulo, mas também de formaldeído – outro tipo de aldeído, emitido principalmente por veículos movidos a diesel ou a gasolina – e de óxidos de nitrogênio (NO e NO2) e de ozônio (O3). As amostras analisadas foram coletadas no telhado do edifício do IAG no campus da USP no bairro do Butantã, na zona oeste de São Paulo, entre junho de 2012 e maio de 2013. Na comparação com estudos anteriores, verificou-se um acréscimo na concentração de formaldeído – 8,6 ppb agora, ante 5,4 ppb três décadas atrás.

O trabalho também compilou medições da concentração de aldeídos dentro de túneis na cidade de São Paulo realizadas nos últimos 20 anos. “A vantagem das medidas nesses locais é que elas isolam os poluentes emitidos pelos veículos daqueles liberados por outras fontes, como indústrias ou queimadas, e também dos poluentes formados por reações fotoquímicas na atmosfera”, explica Nogueira. Foram comparadas concentrações principalmente de três túneis na capital paulista: Presidente Jânio Quadros, Maria Maluf e um do Rodoanel. Os dados revelam uma redução acentuada de acetaldeído, de 60 ppb, no túnel Jânio Quadros em 2004, para 13,3 ppb no mesmo túnel em 2011. Quanto ao formaldeído, a redução foi de 50 ppb para 10,3 ppb.

Os resultados completos da pesquisa estão descritos em um artigo publicado na edição on-line, em setembro, da revista Fuel. A importância de estudar a concentração na atmosfera de compostos orgânicos voláteis, como formaldeído e acetaldeído, e de óxidos de nitrogênio é que eles, indiretamente, interferem no clima. Ambos são substâncias que, em condições ideais de temperatura e radiação solar, sofrem reações fotoquímicas, dando origem a poluentes secundários como o ozônio. “Esse poluente frequentemente ultrapassa os padrões de qualidade do ar na Região Metropolitana de São Paulo”, diz Maria de Fátima Andrade, professora do IAG e coautora do estudo. “Há uma relação entre os compostos primários e secundários que faz a queima do etanol, apesar de diminuir a poluição primária, não ter melhorado a secundária”, diz. Os primários são os aldeídos, monóxido de carbono, óxidos de nitrogênio, óxido de enxofre e hidrocarbonetos, e entre os secundários está o ozônio. Segundo Maria de Fátima, o ozônio formado na troposfera (camada mais próxima da superfície terrestre) contribui para o aquecimento local, diferentemente do ozônio existente na estratosfera (nível mais elevado da atmosfera), que tem a função de absorver radiação solar, impedindo que grande parte dos raios ultravioleta chegue à Terra.

“Apesar da redução de alguns dos compostos precursores de ozônio, como o acetaldeído, a concentração desse gás não tem diminuído nos últimos anos em São Paulo. É importante estudar o que está determinando esse comportamento. Será que não cai por conta da diferença entre os compostos orgânicos voláteis e os óxidos de nitrogênio? E qual o papel do etanol na produção de ozônio em São Paulo? Essas são perguntas que ainda precisam ser respondidas”, afirma Maria de Fátima. O estudo que detectou a queda de concentração de acetaldeído em São Paulo foi feito no âmbito do projeto temático, com duração de quatro anos, coordenado pela professora do IAG e iniciado em 2011.

Projetos
1. Narrowing the uncertainties on aerosol and climate changes in São Paulo State – nuances-Sps (nº 2008/58104-8); Modalidade Auxílio Pesquisa – Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais – Projeto Temático; Pesquisadora responsável Maria de Fátima Andrade (USP); Investimento R$ 2.083.587,98 e US$ 1.314.236,24 (FAPESP)
2. Avaliação das emissões veiculares de compostos orgânicos e inorgânicos provenientes da combustão de biocombustíveis e suas contribuições na qualidade do ar na RMSP (nº 2011/18777-6); Modalidade Bolsa no País – Regular – Pós-doutorado; Pesquisadora responsável Maria de Fátima Andrade (USP); Bolsista Thiago Nogueira (USP); Investimento R$ 267.841,44 (FAPESP).

Artigo científico
NOGUEIRA, T. O. et al. Formaldehyde and acetaldehyde measurements in urban atmosphere impacted by the use of ethanol biofuel: Metropolitan Area of São Paulo (MASP), 2012-2013. Fuel. v. 134, p. 505. 13. out 2014.

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