Imprimir PDF Republicar

Sensoriamento remoto

Avanço em órbita

Nova geração de satélites promete impulsionar pesquisa e vigiar melhor a Amazônia

INPEO Laboratório de Integração e Testes do Inpe: dois novos satélites em preparaçãoINPE

No horizonte dos próximos três anos o Brasil promete colocar em órbita dois satélites que permitirão uma cobertura completa da Terra, com imagens de média resolução, em menos de cinco dias – hoje a cobertura feita pelo Cbers-2B (sigla para satélite sino-brasileiro de recursos terrestres) é de 26 dias. Com previsão para lançamento em meados de 2011, o Cbers-3 substituirá o Cbers-2B, lançado em 2007, e seguirá fornecendo imagens que vêm sendo utilizadas por pesquisadores, órgãos públicos e vários setores da sociedade. O Cbers-3 está sendo submetido a testes na China, parceira do Brasil desde 1988 no desenvolvimento dessa classe de satélites, e disporá de uma nova geração de câmeras que promete uma qualidade mais acurada das imagens. Uma dessas câmeras é a AWFI/Cbers-3, que fará imagens da Amazônia a cada cinco dias, mas agora com uma resolução de cerca de 70 metros, em vez dos 260 metros da atual câmera WFI do Cbers-2B. O segundo satélite, com lançamento previsto para 2012, é o Amazônia-1, que promete tornar mais preciso o monitoramento da região amazônica e aperfeiçoar o trabalho do Sistema de Detecção de Desmatamentos em Tempo Real (Deter), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Sua câmera óptica AWFI/Amazônia-1 será capaz de operar nas faixas do visível e do infravermelho e terá uma resolução de 40 metros, mais detalhada do que a AWFI do Cbers-3. Um acordo em discussão com o Reino Unido poderá integrar à carga do satélite a câmera inglesa Ralcam-3, com resolução da ordem de 10 metros. Desenvolvido pelo Inpe, o Amazônia-1 será o primeiro satélite construído sobre a Plataforma Multimissão (PMM), uma base genérica com capacidade de abrigar uma carga útil de até 280 quilos, que deverá ser usada em outros projetos, reduzindo seus custos.

As perspectivas com a nova geração de satélites, embora sejam promissoras para a próxima década, podem enfrentar percalços no curto prazo. O cronograma do Cbers-3 já sofreu dois adiamentos – deveria ser lançado em 2009 – devido a restrições impostas pelo governo norte-americano para a venda ao Brasil de componentes para a fabricação dos equipamentos e sensores. Isso acontece porque, entre outros fatores, a parceria do Brasil é com a China, que sofre certos embargos dos Estados Unidos na área espacial. Graças a tais restrições, o Amazônia-1, que utiliza diversos componentes norte-americanos, não poderá ser lançado por um foguete chinês, como acontece com os Cbers. Se ocorrerem novos atrasos, aumentará o risco de interrupção do fornecimento de imagens, uma vez que o Cbers-2B já está há quase dois anos em órbita e sua vida útil é estimada em menos de quatro anos. Seu antecessor, o Cbers-2, lançado em 2003, parou de funcionar recentemente, no dia 15 de janeiro, após quase cinco anos de operação. Se houver descontinuidade no fornecimento de imagens, o Brasil se tornaria dependente das imagens do satélite norte-americano de sensoriamento remoto Landsat-5, que hoje são usadas de forma complementar às do Cbers.

FOTOS INPEImagem registrada pelos satélites Cbers: oferta gratuita pela internet multiplicou seu usoFOTOS INPE

Esse risco, embora ainda hipotético, ganha contornos mais graves quando se observa a importância que as imagens fornecidas pelos satélites Cbers ganharam no Brasil. A partir de 2004 o país passou a disponibilizar gratuitamente as imagens geradas pelos satélites a qualquer interessado. Isso fez com que a utilização das imagens fosse multiplicada por dez. O serviço tem mais de 20 mil usuários de cerca de 3.500 instituições. Em média são registrados diariamente 750 downloads no catálogo Cbers. Nos últimos cinco anos, mais de 400 mil imagens foram fornecidas e serviram para avaliar a degradação ambiental, desmatamentos, áreas agrícolas e o adensamento urbano, entre várias aplicações. Parte significativa do uso é acadêmica. Todas as universidades públicas e um amplo espectro de institutos de pesquisa abastecem-se das imagens pela internet. Mas também há, entre os usuários, escolas técnicas que recorrem às imagens como material didático, cooperativas agrícolas que avaliam áreas de cultivo por meio das imagens, procuradores públicos ambientais que obtêm provas de crimes ecológicos por meio de séries históricas dos registros, além de empresas que desenvolveram produtos baseados nas informações do Cbers.

Pesquisadores e instituições de outros países, sobretudo da África e da América Latina, também se tornaram clientes do catálogo. “Órgãos do governo e meios acadêmicos tinham pouco acesso aos dados dos satélites, pois eles eram difíceis de comprar. O resultado disso é que havia pouca apropriação pela sociedade dos resultados do programa espacial”, diz José Carlos Neves Epiphanio, pesquisador do Inpe e coor­denador do programa de aplicações do Cbers. “Nossa estratégia de disponibilizar as imagens gratuitamente está influenciando outros países. Até mesmo os norte-americanos resolveram tornar acessíveis as imagens do Landsat gratuitamente”, afirma.

Um dado que expressa a importância da família de satélites Cbers para a pesquisa brasileira envolve os trabalhos científicos apresentados no XIV Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, que acontece em Natal (RN), entre 25 e 30 deste mês. Nada menos do que 162 artigos, entre os 1.014 apresentados no evento, vinculam-se a pesquisas baseadas em dados obtidos por esses satélites. Há trabalhos de interesse científico, como a análise do potencial das imagens para extrair linhas de relevo e de drenagem, a avaliação de técnicas de fusão de imagens ou o desenvolvimento de algoritmos que ajudem a interpretar as informações. A maioria dos estudos, porém, vincula-se a aplicações práticas, como o uso das imagens para quantificar a expansão do plantio da cana-de-açúcar no país, com o objetivo de traçar estratégias para a produção de alimentos e de etanol, ou para avaliar a influência das chuvas e do tipo de cobertura de vegetação na incidência do mosquito Aedes aegypti no município do Rio de Janeiro, um dos mais afetados pela dengue.

FOTOS INPEOutra imagem feita pelos CbersFOTOS INPE

Incêndios florestais
Um desses estudos reforça a utilidade das imagens no campo das políticas públicas. Assinado por peritos da Polícia Federal sediados em Curitiba e Foz do Iguaçu, o artigo mostra três situações em que imagens dos satélites foram decisivas em seu trabalho. Numa delas permitiu constatar que desmatamentos no oeste paranaense descobertos pela perícia em 2008 haviam ocorrido, na verdade, quatro anos antes, graças à comparação de séries históricas de imagens daquele território. Em outra propiciou descobrir onde exatamente haviam começado extensos incêndios florestais no Parque Nacional da Ilha Grande, no Paraná, o que ajudou a orientar o trabalho de campo da perícia. Na terceira deu ferramentas aos peritos para monitorar a distância o cumprimento de uma determinação legal para reflorestar uma área desmatada no oeste do estado. “Tal tecnologia é de grande utilidade nos planejamentos prévios aos trabalhos de campo, permitindo que sejam realizados de maneira objetiva e eficiente”, conclui o estudo, liderado pela perita e engenheira florestal Aiga Jucy Fuchshuber da Silva Caldas.

O avanço dos trabalhos científicos baseados nas imagens é resultado dos progressos de um esforço de pesquisa vinculado ao desenvolvimento de satélites e de suas aplicações. Um algoritmo para a transformação dos dados dos satélites foi criado na década de 1980 por Yosio Shimabukuro, pesquisador do Inpe. Um exemplo mais recente é o advento do Spring, um software livre que conta com funções de processamento de imagens, análise espacial e consulta a bancos de dados e tem sido fundamental para o manuseio e a utilização das imagens dos satélites. Recentemente, uma empresa brasileira, a Opto Eletrônica, foi convidada a desenvolver uma câmera multiespectral, batizada de MUX, que será instalada no Cbers-3 (ver Pesquisa FAPESP nº 148). Como lembra Petrônio Noronha de Souza, chefe do Laboratório de Integração e Testes (LIT) do Inpe, os satélites Cbers são o resultado de um esforço que remonta aos anos 1970 para viabilizar a chamada Missão Espacial Completa Brasileira (Mecb), que resultou no lançamento, no início dos anos 1990, de dois satélites de coleta de dados do Inpe em operação até hoje, os SCD-1 e 2 – a segunda parte da missão, que era a construção de um foguete lançador brasileiro, até hoje não se viabilizou. “Apesar da tecnologia diferente, os satélites SCD criaram uma competência brasileira que foi importante para o Cbers”, afirma. Com 115 quilos de peso, os dois satélites tiveram um elevado índice de nacionalização: 73% dos equipamentos do SCD-1 e 85% dos do SCD-2 foram feitos no Brasil. A Mecb previa o lançamento dos dois satélites de coleta de dados e outros dois de sensoriamento remoto. “Foi nesse ponto que certas dificuldades afloraram, levando o Inpe a buscar uma parceria com a China, país que na época tinha um nível tecnológico semelhante ao do Brasil, mas dispunha de uma plataforma industrial e de recursos humanos que complementavam nossas necessidades”, lembra Petrônio.

Investimento
A parceria com a China vai continuar. Além do Cbers-3, está previsto o lançamento, em 2014, do Cbers-4, para garantir a continuidade do fornecimento de imagens. O acordo de cooperação para o lançamento dos primeiros satélites previa que 70% do custo do programa caberia à China e 30% ao Brasil. Isso significou investimento nacional de US$ 118 milhões nos Cbers-1 e 2, e outros US$ 15 milhões no Cbers-2B (o custo foi menor porque foram utilizados equipamentos e peças remanescentes do Cbers-2). O investimento dos dois países chegou a US$ 350 milhões. Em 2002, quando foi assinado o acordo para a continuação do programa, com a construção dos Cbers-3 e 4, estabeleceu-se uma nova divisão de responsabilidades técnicas e financeiras entre o Brasil e a China – 50% para cada país. Nesses satélites o Brasil está investindo cerca de US$ 150 milhões. Os dois parceiros já discutem a eventual continuação do programa e a tecnologia a ser adotada nos Cbers-5 e 6 – uma das possibilidades é a instalação de um sistema de radar que permitiria avaliar o desmatamento independentemente da existência de nuvens. Em outra frente estão previstos os lançamentos de outros satélites construídos sobre a plataforma multimissão. Segundo o cronograma do Inpe, em 2013 deverá entrar em órbita o satélite científico para pesquisas em física e astrofísica Lattes-1. Já em 2014 será a vez do radar de observação da Terra Mapsar. Também deverá usar a plataforma um satélite meteorológico incumbido de fazer medidas de precipitação, o GPM-Br, que ainda não tem prazo para ir ao espaço.

Republicar